Encefalites

Criado em: 08 de Agosto de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Encefalite é a inflamação do parênquima cerebral, em geral causada por infecção ou processo autoimune (pós-infeccioso, paraneoplásico ou idiopático). Apresenta clínica variável, desde alterações neurológicas focais até coma. Trazemos os principais pontos de uma revisão sobre a conferência da Encephalitis Society de dezembro de 2021 [1].

Definição de Encefalite

Estima-se uma incidência de encefalite entre 3,5 a 12,3 por 100.000 pacientes/ano. Apesar do aumento do reconhecimento e surgimento de novas terapias, ainda apresenta alta mortalidade. O diagnóstico precoce tem o potencial de melhorar os desfechos.

Para entrar nos critérios diagnósticos de encefalite, o paciente tem que apresentar alteração do estado mental por mais de 24 horas, sem causa esclarecida, com pelo menos dois dos seguintes:

  • Febre documentada maior que 38 ºC
  • Crise convulsiva não associada a epilepsia prévia
  • Novo sinal neurológico focal
  • Pleocitose em líquor
  • Nova neuroimagem sugestiva de encefalite
  • Achados no eletroencefalograma compatíveis com encefalite

Quais as principais etiologias?

As causas podem ser divididas em infecciosas e autoimunes. As autoimunes podem ser divididas em: pós-infecciosa, paraneoplásica ou idiopática.

Vírus são os principais responsáveis por encefalites no mundo. Os mais comuns são: herpes vírus, arbovírus, enterovírus e adenovírus. Bactérias, fungos e parasitas são agentes menos frequentes.

Um histórico de viagem recente é necessário. Dentre as arboviroses, além de Zika, Dengue e Chikungunya, deve-se considerar o vírus do Nilo Ocidental e a encefalite japonesa em pacientes viajantes de áreas de risco. Doenças transmitidas por carrapatos também podem causar encefalite, em especial febre maculosa no Brasil (ver mais em "Febre Maculosa Brasileira") e doença de Lyme em viajantes dos EUA.

Várias encefalites autoimunes são descritas. Muitas apresentam autoanticorpos específicos no líquor, sendo os mais comuns o anti-NDMAR (N-methyl D-aspartate receptor), mais prevalente em jovens, e anti-LGI1 (leucine-rich glioma-inactivated 1).

As encefalites autoimunes podem ser uma manifestação paraneoplásica. A associação mais bem descrita é a de encefalite anti-NMDAR com teratoma ovariano, presente em até 30% dos casos dessa encefalite.

Outra causa de encefalite autoimune é a encefalomielite desmielinizante aguda (ADEM). Essa doença desmielinizante é causada por uma resposta autoimune após uma infecção viral ou vacinação e predomina na população pediátrica. Sintomas virais e febre ocorrem antes das manifestações neurológicas em até 75% dos casos.

Quais as manifestações clínicas?

A avaliação do paciente com encefalite deve ser voltada para diferenciar as duas principais etiologias: infecciosa e autoimune. Na tabela 1, estão descritos alguns achados mais sugestivos de cada grupo.

Tabela 1
Achados mais prevalentes nas etiologias de encefalite
Achados mais prevalentes nas etiologias de encefalite

Apesar de ser um critério obrigatório, parte dos pacientes não apresenta alteração significativa na escala de coma de Glasgow. Alguns podem apresentar alterações sutis mesmo aos testes cognitivos e, por vezes, a única modificação no estado mental é uma alteração comportamental relatada pelos familiares.

Crises convulsivas são sintomas comuns tanto nas encefalites virais quanto nas autoimunes. Sinais focais como hemiparesia e comprometimento de nervos cranianos também podem estar presentes nesses dois tipos de encefalite.

A presença de sinais meníngeos em pacientes com encefalite caracteriza uma meningoencefalite. Essa apresentação está associada a quadros infecciosos.

Transtornos comportamentais e de personalidade em um paciente com encefalite sugerem a presença de componente autoimune, particularmente associado à encefalite por anti-NMDAR. Estes sintomas podem iniciar-se semanas antes de outras alterações neurológicas. A encefalite por anti-NMDAR deve ser considerada em pacientes com sintomas psiquiátricos e outros achados sugestivos de encefalite. Contudo, não deve ser investigada de rotina em todos os pacientes com psicose, visto que a investigação indiscriminada não é custo-efetiva [2].

Como investigar?

Na suspeita de encefalite, um dos primeiros exames solicitados é a análise do líquor. Pelo risco de herniação cerebral após a punção lombar em pacientes com hipertensão intracraniana regional, deve-se realizar tomografia computadorizada de crânio antes da punção nas seguintes situações:

  • Sinais neurológicos focais
  • Crise convulsiva
  • Papiledema
  • Escala de coma de Glasgow menor que 13

Nas encefalites virais, o líquor tipicamente apresenta pleocitose linfocítica. A concentração de proteínas costuma ser leve a moderadamente aumentada, mas níveis normais podem ocorrer. A glicose no líquor habitualmente está normal. A coleta de painel viral (estudo com PCR para os principais vírus causadores de encefalite) deve ser realizada na primeira coleta, pois o uso de antivirais reduz rapidamente a carga viral.

A pleocitose pode estar ausente, principalmente em casos autoimunes. Um painel de auto-anticorpos deve ser considerado em todos os pacientes com encefalites, em especial nos que não apresentam uma causa infecciosa clara ou com sinais sugestivos de etiologia autoimune.

A neuroimagem é recomendada na suspeita de encefalite para investigar achados compatíveis com o diagnóstico e afastar lesões focais expansivas. O exame de escolha é a ressonância nuclear magnética (RM) de crânio.

Por vezes a RM é normal, mas algumas etiologias podem apresentar imagem sugestiva. Na encefalite por herpes simplex tipo 1 (HSV) podem ocorrer lesões bilaterais, assimétricas, com hipersinal na ponderação T2, predominando em regiões frontotemporais e no córtex insular. Nas encefalites autoimunes, principalmente por anti-NMDAR, são descritas alterações bilaterais e simétricas na região do sistema límbico.

Outro exame útil na investigação é o eletroencefalograma. Em casos de encefalite por HSV há alterações em mais de 80% dos casos. No contexto clínico adequado, o achado de ondas lentas intermitentes de alta amplitude em regiões temporais, apesar de não específico, pode sugerir o diagnóstico de encefalite por HSV. Na encefalite autoimune, o padrão extreme delta brush é sugestivo da doença, apesar de infrequente [3].

Tabela 2
Associação de encefalite autoimune com neoplasias
Associação de encefalite autoimune com neoplasias

Nos casos de encefalite autoimune, considera-se a investigação de neoplasias voltada para a idade e sintomas sugestivos. Algumas encefalites autoimunes estão mais associadas a neoplasias específicas (tabela 2).

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