Procalcitonina: Uso Clínico

Criado em: 04 de Novembro de 2024 Autor: Lucca Cirillo Revisor: João Mendes Vasconcelos

A procalcitonina é um biomarcador de infecções bacterianas. Seu papel no auxílio diagnóstico e seguimento de infecções bacterianas é muito estudado [1]. Este tópico revisa as evidências e recomendações para o uso da procalcitonina. 

O que é procalcitonina e seu papel como biomarcador

A procalcitonina (PCT) é o precursor da calcitonina, produzida nas células C da tireoide. Em situações fisiológicas, os níveis de procalcitonina são extremamente baixos. O exame tem duas principais utilidades: distinção de infecções bacterianas de outras causas de infecção ou inflamação [2] e acompanhamento da resposta terapêutica para decisão de retirada de antimicrobianos

Durante infecções bacterianas, a PCT é produzida em diversos tecidos além da tireoide, com aumento significativo nos níveis séricos. Infecções virais e outros estados inflamatórios estão menos associados a produção de PCT. Isso a torna mais específica para infecções bacterianas, em comparação com outros marcadores inflamatórios, como a proteína C reativa [3, 4]. Apesar disso, algumas infecções não bacterianas também podem aumentar os níveis desse marcador [5, 6]:

  • Fungos: pneumocistose e algumas espécies de cândida.
  • Parasita: malária.
  • Infecções respiratórias virais graves: COVID-19 e influenza com insuficiência respiratória

A tabela 1 resume as principais situações clínicas que podem interferir na avaliação da PCT. 

Tabela 1
Situações clínicas que podem interferir na avaliação da procalcitonina
Situações clínicas que podem interferir na avaliação da procalcitonina

Os níveis de PCT aumentam em duas horas do início do processo inflamatório, com pico entre 24 a 48 horas. Com a resolução do quadro, os níveis começam a cair em uma taxa constante. Em processos não resolvidos, os níveis permanecem em um platô.

A maneira como a PCT se comporta nos primeiros dias de tratamento está relacionada com mortalidade e prognóstico. Picos mais elevados ou valores persistentemente elevados se correlacionam com maior mortalidade quando comparados a valores que reduzem nas primeiras 48 horas [7].

Alterações da função renal interferem na PCT. Na doença renal crônica, a PCT apresenta níveis basais elevados, com tendência a um maior tempo para atingir o pico e para redução dos valores [8].

Uso da procalcitonina na pneumonia adquirida na comunidade

A pneumonia adquirida na comunidade é o cenário com as melhores evidências para o uso da PCT [1]. A diretriz da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e um fluxograma clínico da Infectious Diseases Society of America (IDSA) sugerem utilizar a PCT em conjunto com a avaliação clínica para a decisão da introdução de antibiótico, na suspeita de pneumonia adquirida na comunidade [9]. 

O fluxograma da IDSA recomenda não introduzir antibioticoterapia em pacientes que cumpram os seguintes critérios:

  • Painel viral ou teste para vírus específicos (COVID-19 ou influenza) positivos;
  • Baixa suspeição de co-infecção bacteriana; 
  • PCT ≤ 0,25 μg/L; 

A PCT deve ser complementar à avaliação clínica e não um critério absoluto para estabelecer ou modificar a conduta terapêutica. Repetir a PCT em 4 a 6 horas da admissão para avaliar se os níveis aumentaram ajuda a excluir falsos negativos, o que pode ocorrer em apresentações muito precoces de pneumonia. Se houver indícios de etiologia bacteriana (como pacientes com imagem com consolidação pulmonar, leucocitose significativa ou proteína C reativa > 150 mg/dL), alguns autores recomendam que a terapia antimicrobiana deva ser instituída, independente do valor inicial da PCT [10]. Bactérias atípicas (Mycoplasma pneumoniae, Legionella spp. e Chlamydophila pneumoniae) não produzem aumentos tão expressivos de PCT [11, 12]. 

A PCT também pode ser utilizada para monitorar a resposta à terapia antimicrobiana na pneumonia adquirida na comunidade e auxiliar na decisão de interrupção do tratamento [13]. As diretrizes da IDSA e da SBPT não trazem cortes específicos. Algumas referências sugerem interromper a terapia quando a PCT reduz para valores menores que 0,25 μg/L ou quando há uma queda em mais de 80% em relação ao pico [13]. 

Para considerar o uso da PCT é necessário verificar se os protocolos institucionais de cada serviço de saúde respaldam o uso, bem como os cortes sugeridos. 

Não é recomendado o uso da PCT nas exacerbações de DPOC e em casos de bronquite aguda, por evidências inconclusivas.

Uso na sepse e choque séptico

Em pacientes com suspeita de sepse ou choque séptico, o Surviving Sepsis Campaign de 2021 se posiciona contra o uso da PCT para auxiliar na decisão de introdução de antimicrobianos [14]. A justificativa é a falta de evidência em redução de mortalidade com o uso da PCT, além do seu custo e disponibilidade restrita. 
 
O Surviving Sepsis Campaign de 2021 recomenda utilizar a PCT em conjunto com a avaliação clínica para a decisão de descontinuar antibióticos em pacientes com diagnóstico de sepse/choque séptico e controle adequado de foco. Uma meta-análise de 2023 demonstrou que o uso da PCT em algoritmos de tratamento antimicrobiano encurtou o tempo de dias de antibiótico, com possível benefício em mortalidade [15]. 

Fluxograma 1
Uso da procalcitonina em pacientes graves, no cenário de unidade de terapia intensiva (UTI)
Uso da procalcitonina em pacientes graves, no cenário de unidade de terapia intensiva (UTI)

O fluxograma 1 traz uma abordagem de terapia antimicrobiana guiada pela PCT no paciente grave. 

Outras situações

A PCT foi estudada na maioria das infecções bacterianas, porém ainda necessita de maior validação. Meningite aguda é um cenário com boa qualidade de evidência. O marcador pode auxiliar a diferenciar quadros de meningite viral e bacteriana, principalmente em surtos virais, diminuindo a prescrição de antibióticos nesse cenário [16]. A dosagem de PCT sérica foi mais útil do que a dosagem no liquor. A maioria dos trabalhos utilizou um valor de corte de 0,5 μg/L, porém esse valor não é consensual.

Um estudo recente avaliou que o uso da PCT teve impacto na redução de pedidos de hemoculturas desnecessárias no departamento de emergência [17]. Esse é um cenário que precisa de maior validação, porém tem relevância frente ao contexto atual de racionamento de frascos e escassez de insumos. Veja mais em "Indicação de Hemocultura e Desabastecimento de Frascos".

Na insuficiência cardíaca descompensada, é comum ter dúvida se uma infecção do trato respiratório é um agravante do quadro de descompensação [18]. A PCT pode auxiliar no diagnóstico de co-infecção bacteriana nesses pacientes, orientando a decisão de introduzir antibióticos. Níveis de PCT elevada também estiveram relacionados com pior prognóstico nessa população [19].

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