Procalcitonina: Uso Clínico
A procalcitonina é um biomarcador de infecções bacterianas. Seu papel no auxílio diagnóstico e seguimento de infecções bacterianas é muito estudado [1]. Este tópico revisa as evidências e recomendações para o uso da procalcitonina.
O que é procalcitonina e seu papel como biomarcador
A procalcitonina (PCT) é o precursor da calcitonina, produzida nas células C da tireoide. Em situações fisiológicas, os níveis de procalcitonina são extremamente baixos. O exame tem duas principais utilidades: distinção de infecções bacterianas de outras causas de infecção ou inflamação [2] e acompanhamento da resposta terapêutica para decisão de retirada de antimicrobianos.
Durante infecções bacterianas, a PCT é produzida em diversos tecidos além da tireoide, com aumento significativo nos níveis séricos. Infecções virais e outros estados inflamatórios estão menos associados a produção de PCT. Isso a torna mais específica para infecções bacterianas, em comparação com outros marcadores inflamatórios, como a proteína C reativa [3, 4]. Apesar disso, algumas infecções não bacterianas também podem aumentar os níveis desse marcador [5, 6]:
- Fungos: pneumocistose e algumas espécies de cândida.
- Parasita: malária.
- Infecções respiratórias virais graves: COVID-19 e influenza com insuficiência respiratória
A tabela 1 resume as principais situações clínicas que podem interferir na avaliação da PCT.
Os níveis de PCT aumentam em duas horas do início do processo inflamatório, com pico entre 24 a 48 horas. Com a resolução do quadro, os níveis começam a cair em uma taxa constante. Em processos não resolvidos, os níveis permanecem em um platô.
A maneira como a PCT se comporta nos primeiros dias de tratamento está relacionada com mortalidade e prognóstico. Picos mais elevados ou valores persistentemente elevados se correlacionam com maior mortalidade quando comparados a valores que reduzem nas primeiras 48 horas [7].
Alterações da função renal interferem na PCT. Na doença renal crônica, a PCT apresenta níveis basais elevados, com tendência a um maior tempo para atingir o pico e para redução dos valores [8].
Uso da procalcitonina na pneumonia adquirida na comunidade
A pneumonia adquirida na comunidade é o cenário com as melhores evidências para o uso da PCT [1]. A diretriz da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e um fluxograma clínico da Infectious Diseases Society of America (IDSA) sugerem utilizar a PCT em conjunto com a avaliação clínica para a decisão da introdução de antibiótico, na suspeita de pneumonia adquirida na comunidade [9].
O fluxograma da IDSA recomenda não introduzir antibioticoterapia em pacientes que cumpram os seguintes critérios:
- Painel viral ou teste para vírus específicos (COVID-19 ou influenza) positivos;
- Baixa suspeição de co-infecção bacteriana;
- PCT ≤ 0,25 μg/L;
A PCT deve ser complementar à avaliação clínica e não um critério absoluto para estabelecer ou modificar a conduta terapêutica. Repetir a PCT em 4 a 6 horas da admissão para avaliar se os níveis aumentaram ajuda a excluir falsos negativos, o que pode ocorrer em apresentações muito precoces de pneumonia. Se houver indícios de etiologia bacteriana (como pacientes com imagem com consolidação pulmonar, leucocitose significativa ou proteína C reativa > 150 mg/dL), alguns autores recomendam que a terapia antimicrobiana deva ser instituída, independente do valor inicial da PCT [10]. Bactérias atípicas (Mycoplasma pneumoniae, Legionella spp. e Chlamydophila pneumoniae) não produzem aumentos tão expressivos de PCT [11, 12].
A PCT também pode ser utilizada para monitorar a resposta à terapia antimicrobiana na pneumonia adquirida na comunidade e auxiliar na decisão de interrupção do tratamento [13]. As diretrizes da IDSA e da SBPT não trazem cortes específicos. Algumas referências sugerem interromper a terapia quando a PCT reduz para valores menores que 0,25 μg/L ou quando há uma queda em mais de 80% em relação ao pico [13].
Para considerar o uso da PCT é necessário verificar se os protocolos institucionais de cada serviço de saúde respaldam o uso, bem como os cortes sugeridos.
Não é recomendado o uso da PCT nas exacerbações de DPOC e em casos de bronquite aguda, por evidências inconclusivas.
Uso na sepse e choque séptico
Em pacientes com suspeita de sepse ou choque séptico, o Surviving Sepsis Campaign de 2021 se posiciona contra o uso da PCT para auxiliar na decisão de introdução de antimicrobianos [14]. A justificativa é a falta de evidência em redução de mortalidade com o uso da PCT, além do seu custo e disponibilidade restrita.
O Surviving Sepsis Campaign de 2021 recomenda utilizar a PCT em conjunto com a avaliação clínica para a decisão de descontinuar antibióticos em pacientes com diagnóstico de sepse/choque séptico e controle adequado de foco. Uma meta-análise de 2023 demonstrou que o uso da PCT em algoritmos de tratamento antimicrobiano encurtou o tempo de dias de antibiótico, com possível benefício em mortalidade [15].
O fluxograma 1 traz uma abordagem de terapia antimicrobiana guiada pela PCT no paciente grave.
Outras situações
A PCT foi estudada na maioria das infecções bacterianas, porém ainda necessita de maior validação. Meningite aguda é um cenário com boa qualidade de evidência. O marcador pode auxiliar a diferenciar quadros de meningite viral e bacteriana, principalmente em surtos virais, diminuindo a prescrição de antibióticos nesse cenário [16]. A dosagem de PCT sérica foi mais útil do que a dosagem no liquor. A maioria dos trabalhos utilizou um valor de corte de 0,5 μg/L, porém esse valor não é consensual.
Um estudo recente avaliou que o uso da PCT teve impacto na redução de pedidos de hemoculturas desnecessárias no departamento de emergência [17]. Esse é um cenário que precisa de maior validação, porém tem relevância frente ao contexto atual de racionamento de frascos e escassez de insumos. Veja mais em "Indicação de Hemocultura e Desabastecimento de Frascos".
Na insuficiência cardíaca descompensada, é comum ter dúvida se uma infecção do trato respiratório é um agravante do quadro de descompensação [18]. A PCT pode auxiliar no diagnóstico de co-infecção bacteriana nesses pacientes, orientando a decisão de introduzir antibióticos. Níveis de PCT elevada também estiveram relacionados com pior prognóstico nessa população [19].
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