Diabetes Mellitus e Drogas Antidiabéticas no Perioperatório

Criado em: 11 de Novembro de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: João Mendes Vasconcelos

O controle glicêmico e o manejo de diabetes mellitus estão relacionados aos desfechos clínicos no perioperatório [1]. Esse tópico aborda o manejo dessas condições no perioperatório.

O Guia já abordou o manejo medicamentoso no perioperatório em "Manejo Medicamentoso no Perioperatório".

Impacto e rastreio de diabetes mellitus no perioperatório

Hiperglicemia perioperatória (glicemia capilar > 180 mg/dL) está associada com maior risco de infecções no sítio cirúrgico e outros sítios, fístulas, deiscências de anastomose, injúria renal aguda (IRA), tempo de internação hospitalar e morte [2-6]. O controle glicêmico rigoroso (glicemia capilar ≤ 110 a 140 mg/dL) está associado a menor risco de infecções, fibrilação atrial e IRA, porém com aumento de risco de hipoglicemia [7-9].

A diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomenda o rastreio de diabetes mellitus (DM) com glicemia de jejum no pré-operatório de cirurgias eletivas, para todos os pacientes que tem indicação de avaliação de risco cirúrgico (classe I, nível B) [10]. Conforme a SBD na diretriz de diagnóstico de DM, o rastreio também está indicado para todos os adultos com 35 anos ou mais. Caso o paciente tenha menos do que 35 anos, as recomendações para o rastreio foram discutidas em "Novos Critérios Diagnósticos e Rastreio de Diabetes e Pré-Diabetes".

Em pacientes com DM conhecida, a avaliação visa otimizar o controle glicêmico pré-operatório.

Metas para controle glicêmico pré-operatório

O corte de hemoglobina glicada (HbA1c) adequado varia conforme as diretrizes. A SBD e a American Heart Association (AHA) recomendam um valor de HbA1c menor que 8% para cirurgias eletivas, enquanto a diretriz europeia recomenda um valor de HbA1c menor ou igual a 8,5% [11, 12]. 

Em pacientes com DM prévio, quando a HbA1c for superior ao alvo estipulado, deve-se considerar a possibilidade de adiar a cirurgia para controle glicêmico adequado. Em caso de procedimentos sensíveis ao tempo, a cirurgia não deve ser adiada para controle da HbA1c e pode-se optar pela internação para controle glicêmico mais rápido e objetivar uma glicemia entre 140 e 180 mg/dL antes da cirurgia. 

A SBD recomenda verificar o valor da glicemia no dia da cirurgia e, caso acima de 250 mg/dL, considerar adiar a cirurgia eletiva até a glicemia ficar abaixo de 250 mg/dL. Esse ajuste pode ser realizado até quatro horas antes da cirurgia. Em pessoas com DM tipo 1, recomenda-se testar cetonemia se a glicemia estiver acima de 250 mg/dL.

Sugere-se que as cirurgias sejam realizadas preferencialmente no início da manhã, evitando períodos prolongados de jejum.

Manejo de antidiabéticos orais e subcutâneos

Há divergência entre as recomendações de manter ou suspender os hipoglicemiantes orais no perioperatório. As orientações estão disponíveis na tabela 1. Todos os hipoglicemiantes orais podem ser reiniciados quando o paciente retomar a dieta, na ausência de contraindicações. 

Tabela 1
Manejo de hipoglicemiantes orais no perioperatório
Manejo de hipoglicemiantes orais no perioperatório

Em pacientes em uso de inibidores de SGLT2 submetidos a cirurgia de emergência, sugere-se suspender imediatamente a medicação. Nesse cenário de cirurgia de urgência em que a medicação foi tomada próximo ao procedimento, a SBD recomenda acompanhar a cetonemia capilar diariamente por três a cinco dias ou enquanto o paciente permanecer em jejum oral [10].

Tabela 2
Manejo de análogos de GLP-1 e agonistas duais GIP/GLP-1 no perioperatório segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e American Society of Anesthesiologists (ASA)
Manejo de análogos de GLP-1 e agonistas duais GIP/GLP-1 no perioperatório segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e American Society of Anesthesiologists (ASA)

Os análogos de GLP-1 e agonistas duais GIP/GLP-1 (tirzepatida) devem ser suspensos em procedimentos que envolvam sedação anestésica ou anestesia geral. Eles retardam o esvaziamento gástrico, aumentando o risco de broncoaspiração [13, 14]. As recomendações estão disponíveis na tabela 2. A ultrassonografia gástrica é uma opção para avaliar a presença de volume residual pré-procedimento em pacientes utilizando análogos de GLP-1 ou com risco de gastroparesia, auxiliando na decisão de proceder com a cirurgia. O volume residual gástrico aumentado foi definido pela presença de qualquer resíduo sólido ou 1,5 mL/kg de líquidos claros na ultrassonografia [15].

Manejo de insulina

O ajuste da insulinoterapia também varia conforme as diretrizes. A tabela 3 resume as orientações do manejo no perioperatório. A SBD reforça a recomendação de manter a insulina basal em pacientes com DM tipo 1 ou pancreatectomia prévia pelo risco de cetoacidose diabética. 

Tabela 3
Manejo de insulina no perioperatório
Manejo de insulina no perioperatório

As doses de insulina rápida e ultrarrápida fixas devem ser suspensas no jejum e usadas apenas para correção de hiperglicemia (tabela 4). A glicemia deve ser verificada a cada duas ou quatro horas enquanto permanecer o jejum [16]. A meta é manter a glicemia entre 140 a 180 mg/dL, evitando valores abaixo de 70 mg/dL (classe I, nível A). O controle glicêmico intensivo aumentou episódios de hipoglicemia, sem redução de mortalidade por todas as causas [17]. Mais detalhes sobre o uso de insulina para controle de glicemia no hospital podem ser vistos em "Controle de Glicemia no Paciente Internado".

Tabela 4
Dose de correção de glicemia de acordo com a sensibilidade à insulina
Dose de correção de glicemia de acordo com a sensibilidade à insulina

Em pacientes submetidos a cirurgia de grande porte com pós-operatório na UTI, o controle de hiperglicemia deve ser realizado com insulina regular por via intravenosa no pós-operatório imediato. Em pacientes fora da UTI, a correção poderá ser realizada com insulina via subcutânea (classe I, nível A).

Aproveite e leia:

12 de Agosto de 2024

Novos Critérios Diagnósticos e Rastreio de Diabetes e Pré-Diabetes

Em julho de 2024, a Sociedade Brasileira de Diabetes atualizou a sua diretriz de diagnóstico e rastreio de diabetes e pré-diabetes. O documento traz mudanças para a prática clínica. O tópico “Novos critérios diagnósticos e rastreio de diabetes e pré-diabetes” comenta sobre as recomendações da diretriz.

25 de Julho de 2022

Nova Diretriz de Hiperglicemia no Paciente Internado

Hiperglicemia em pacientes hospitalizados é uma ocorrência diária. Em abril de 2022, a Endocrine Society lançou uma nova diretriz de manejo de hiperglicemia no paciente internado não crítico. São 10 recomendações no total. Aqui revisamos o documento e discutimos os principais pontos.

20 min
Ler Tópico
11 de Julho de 2022

Tirzepatida: novo medicamento para obesidade

A World Obesity Federation estima que em 2030 haverá 1 bilhão de pessoas com obesidade no mundo. Em junho de 2022, foi publicado no New England Journal of Medicine o artigo SURMOUNT-1, que estudou a tirzepatida e atingiu resultados importantes no tratamento da obesidade. Aqui revisamos os medicamentos para obesidade e trazemos essa nova evidência.

1 de Agosto de 2022

Febre Maculosa Brasileira

Em junho de 2022, a Secretaria de Vigilância em Saúde do ministério da saúde lançou um manual chamado: “Febre Maculosa - Aspectos epidemiológicos, clínicos e ambientais”, trazendo em 162 páginas vários conceitos importantes sobre essa doença pouco mencionada, indo da investigação clínica até como fazer a notificação e prevenção dessa doença. Para revisarmos os principais conceitos, trouxemos a segunda seção deste manual: Aspectos clínicos, diagnóstico e tratamento

12 de Junho de 2023

Tomografia de Crânio no Delirium

Delirium é uma síndrome com várias causas e manifestações. Os exames complementares que fazem parte da investigação do delirium não são consensuais. O Journal of the American Geriatric Society publicou um trabalho que tenta responder como a tomografia de crânio pode ajudar no esclarecimento das causas de alteração do estado mental ou delirium. Este tópico revisa o diagnóstico e a investigação de delirium e traz os resultados do estudo.

11 min
Ler Tópico