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Ceftriaxona para Prevenção de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica

Criado em: 02 de Dezembro de 2024 Autor: Lucca Cirillo Revisor: Raphael Coelho

Pneumonia associada à ventilação mecânica ocorre com frequência em pacientes com doenças neurológicas agudas, como trauma cranioencefálico, AVC e hemorragia subaracnoidea [1]. O estudo PROPHY-VAP avaliou a profilaxia dessa condição com dose única de ceftriaxona após a intubação orotraqueal, publicado no Lancet em maio de 2024 [2]. Este tópico explora os achados do estudo e as repercussões para a prática.

Pneumonia associada à ventilação mecânica e lesão cerebral aguda

A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é definida como uma pneumonia nosocomial que se inicia após 48 horas de ventilação mecânica. Para diferenciar de um quadro que já estava presente antes da intubação, o paciente deve apresentar estabilidade dos parâmetros ventilatórios nos dois dias anteriores [3]. A PAV é a infecção nosocomial mais comum no paciente submetido à ventilação mecânica e uma das mais prevalentes na UTI [4].

O diagnóstico de PAV é difícil e os componentes dos critérios diagnósticos têm baixa especificidade [5]. A American Thoracic Society (ATS) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) propõem critérios próprios [3, 6] com alguns pontos de divergência. O critério da ATS adota uma abordagem mais pragmática e está resumido na tabela 1.

Tabela 1
Critérios diagnósticos de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica da American Thoracic Society (ATS)
Critérios diagnósticos de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica da American Thoracic Society (ATS)

Pacientes com lesão cerebral aguda, como trauma cranioencefálico ou acidentes vasculares, apresentam maior risco de PAV, quando comparados à população geral submetida à ventilação mecânica [1, 7]. Alguns fatores que contribuem para este aumento envolvem a disfunção glótica e microaspirações prévias à intubação, bem como um efeito imunodepressor secundário à lesão neurológica [7]. 

As principais estratégias para prevenção e tratamento de PAV podem ser vistas em "Prevenção de Pneumonia Hospitalar" e "Tratamento de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica".

Estudo PROPHY-VAP

O PROPHY-VAP [2] avaliou o possível benefício de antibioticoprofilaxia com ceftriaxona para prevenção de PAV. O estudo foi multicêntrico em UTIs francesas, duplo-cego, randomizado e com grupo placebo. Pacientes com os seguintes critérios foram incluídos:

  • Lesão cerebral aguda: trauma crânioencefálico, acidente vascular encefálico ou hemorragia subaracnoide;
  • Escala de Coma de Glasgow menor ou igual a 12; 
  • Intubação orotraqueal (IOT) a menos de 12 horas, com expectativa de ventilação mecânica por mais de 48 horas; 
  • Idade maior ou igual a 18 anos;

Os principais critérios de exclusão foram IOT após 48 horas da admissão hospitalar; alteração neurológica por neoplasia, doença infecciosa ou pós-parada cardiorrespiratória; uso de antibióticos no momento da randomização e hospitalização no último mês.

A intervenção consistiu em uma dose única de 2 gramas de ceftriaxona por via intravenosa. O grupo placebo recebeu uma infusão salina.

O desfecho primário analisado foi a incidência de PAV precoce, definida no estudo como pneumonia entre o segundo e sétimo dia após a IOT. Os critérios da ATS (tabela 1) foram utilizados para definir PAV no estudo, com a exigência de três componentes (radiográfico, clínico e microbiológico). Veja algumas características na tabela 2.

Tabela 2
Características selecionadas do estudo PROPHY-VAP
Características selecionadas do estudo PROPHY-VAP

Durante 5 anos, mais de 300 pacientes foram randomizados. Houve diferença significativa no desfecho primário, favorecendo a intervenção. Os pesquisadores encontraram uma incidência de 14% de PAV precoce na intervenção e 32% no placebo (razão de risco 0,60; intervalo de confiança 95% 0,38 — 0,95, p = 0,030). Os desfechos secundários analisados também favoreceram o grupo ceftriaxona. A intervenção apresentou mais dias livres de antibiótico (21 contra 15 dias, p = 0,0001) e ventilação mecânica (9 contra 5 dias), bem como menor incidência de PAV geral (20 contra 36%) e mortalidade (15 contra 25%).

Nenhum efeito adverso grave foi atribuído à ceftriaxona e a proporção de infecção por C. difficile foi semelhante nos dois grupos. O protocolo do estudo incluiu as práticas recomendadas para prevenção de PAV e nenhum paciente recebeu descontaminação da orofaringe ou digestiva com antibioticoterapia tópica, oral e/ou endovenosa.

O que essa evidência acrescenta para a prática

A escolha de PAV como desfecho é considerada problemática por alguns autores [8], principalmente pelo baixo desempenho dos critérios diagnósticos [5]. O uso da ceftriaxona pode interferir na colonização bacteriana da via aérea, consequentemente impactando na positividade das culturas no grupo intervenção. Pacientes do grupo ceftriaxona com critérios clínicos e radiológicos, porém sem critério microbiológico, podem ter sido erroneamente classificados como sem PAV.

Não foi solicitada imagem pulmonar antes da randomização, o que não permite afastar diagnósticos de pneumonia prévios à intubação, também confundindo a análise dos casos de PAV. Pacientes internados por mais de 48 horas não foram representados no estudo e os achados se limitam a pacientes agudos. 

Os desfechos secundários são mais centrados no paciente e com achados de relevância clínica. A redução à exposição antimicrobiana e de dias em ventilação mecânica, sem aumento de eventos graves, favorece a intervenção com ceftriaxona. É improvável que os efeitos observados na redução de mortalidade sejam exclusivamente derivados da intervenção, uma vez que fatores confundidores que impactam na mortalidade não foram avaliados. 

Esta evidência se soma a outros trabalhos que já sinalizaram benefício de antibioticoprofilaxia para PAV em pacientes com doenças críticas neurológicas [9, 10]. A dose única de ceftriaxona é uma estratégia simples e acessível para tentar diminuir o risco de PAV. Ainda há necessidade de estudar o tempo ideal de profilaxia (dose única ou ciclo curto) e os efeitos em resistência antimicrobiana a longo prazo, principalmente nesta população vulnerável a infecções nosocomiais. 

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