Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical
A infecção do trato urinário associada a cateter vesical é uma condição de difícil diagnóstico [1]. Os exames urinários são comumente alterados nessa população, mesmo na ausência de infecção [2]. Os sintomas podem ser difíceis de avaliar, especialmente em pacientes sedados ou com lesão medular. Este tópico aborda o diagnóstico, tratamento e prevenção dessa condição.
Tipos de cateteres vesicais
A infecção do trato urinário associada a cateter vesical (ITU-C) é a terceira infecção associada aos cuidados de saúde mais comum em UTIs no Brasil [3]. Pode ocorrer também em pacientes internados fora da UTI ou ambulatoriais com necessidade de cateter vesical de uso contínuo ou cateterismo vesical intermitente.
Os dispositivos para auxiliar a micção podem ser divididos em três grupos [4] (figura 1):
- Cateter vesical de demora ou de longa permanência: usado em pacientes com retenção urinária grave e obstrução da via urinária e naqueles hemodinamicamente instáveis para quantificação de diurese. Pode ser uretral (cateter de Foley) ou suprapúbico. Esse cateter possui um balão inflável na extremidade distal para mantê-lo fixo na bexiga.
- Cateter vesical de alívio ou intermitente: realizado apenas nos momentos programados para esvaziamento vesical. É uma alternativa ao cateter vesical de demora em paciente com retenção crônica. O cateter é fino e flexível, sem balão inflável, e é retirado após o término da drenagem.
- Dispositivo urinário externo: dispositivo não invasivo para pacientes sem retenção ou obstrução da via de saída. Funcionam como coletores de urina acoplados externamente ao paciente. Dispositivos diferentes são usados para pacientes com pênis e com vagina.
Em pacientes com disfunção vesical neurogênica que necessitam de uso prolongado de dispositivos de auxílio a micção, como os com lesão medular, recomenda-se preferencialmente o cateterismo intermitente em vez do cateter de demora, por estar associado a menor número de ITUs e melhor qualidade de vida [4-7]. Já para pacientes com necessidade de cateterismo vesical de curto prazo, parece não haver diferença entre as duas estratégias [8, 9]. Dentre os tipos de cateter vesical de demora, a via suprapúbica parece estar associada a menor risco de infecção após cinco dias de uso.
Nos candidatos a dispositivo urinário externo, o risco de infecção urinária é menor se comparado ao cateter vesical de demora [10].
Sintomas e diagnóstico de infecção urinária associada a cateter vesical
Os sintomas de ITU-C são dor suprapúbica, dor no ângulo costovertebral e em flanco, disúria, urgência miccional e febre. Muitos pacientes com sonda vesical não conseguem relatar precisamente os sintomas, como aqueles sedados em UTI ou com lesão medular. Pacientes com lesão medular podem ter outros sintomas, como aumento de espasticidade de membros inferiores. Em pacientes com lesões acima de T6, sintomas de disautonomia como sudorese, flushing (ruborização difusa), cefaleia e hipertensão. Urina fétida ou turva não são específicos de ITU e não devem ser considerados suspeitos isoladamente.
Não existe padrão ouro para diagnóstico de ITU-C. Bacteriúria é comum em pacientes com cateter vesical e a prevalência parece aumentar com o número de dias de cateter. Um estudo encontrou prevalência de 13% de bacteriúria no primeiro dia de cateter e 55% a partir do quarto dia [11]. A partir de 30 dias, praticamente todos os pacientes apresentam bacteriúria [12, 13, 14]. As taxas de bacteriúria em pacientes com lesão medular que fazem cateterismo intermitente também são altas, com estudos encontrando uma prevalência de mais de 50% [15, 16]. A presença de leucocitúria também é comum nesses cenários. Veja mais em "Piúria, Bacteriúria e Delirium".
O diagnóstico de ITU-C é comumente de exclusão. Muitos pacientes não apresentam os sintomas clássicos e a principal alteração será febre. Considerando a inespecificidade da apresentação e a incerteza da hipótese, devem ser excluídas outras causas de febre. A presença de leucocitúria e bacteriúria não confirmam o diagnóstico, mas a ausência de leucocitúria praticamente exclui o diagnóstico de ITU-C. Alguns autores sugerem que, na investigação de pacientes em UTI com febre, a urocultura seja realizada apenas em pacientes com piúria [17]. Veja mais em "Nova Diretriz de Febre na UTI".
No fluxograma 1 está uma sugestão de abordagem em pacientes com suspeita de ITU-C.
Além da presença de bactérias, o crescimento de Candida spp. também é comum em pacientes com sonda vesical e não representa infecção necessariamente. Assim como a bacteriúria, deve ser considerada patológica apenas em pacientes sintomáticos com suspeita de ITU-C.
A coleta de urina nesses pacientes deve ser feita após a retirada do cateter vesical de demora e colocação de um novo cateter. Não é recomendada a coleta de urina diretamente da bolsa coletora.
Tratamento e prevenção de ITU-C
No Brasil, os microrganismos mais associados com ITU-C em UTIs são: Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp. e Enterococcus spp.
Não há estudos randomizados para o tratamento de ITU-C. O tratamento empírico de ITU-C deve considerar o perfil microbiológico da instituição, histórico de culturas e gravidade do paciente [18, 19]. Em pacientes com cistite, nitrofurantoína e fosfomicina podem ser consideradas. Já em pacientes com pielonefrite, ceftriaxona ou uma fluoroquinolona são opções. Em locais com alta prevalência de bactérias multirresistentes, um carbapenêmico pode ser considerado até o resultado de culturas. Em pacientes graves, pode ser considerado o uso de antibióticos contra gram-positivos resistentes, como vancomicina, especialmente se houver alguma cultura prévia com esses agentes. O tratamento deve seguir as recomendações institucionais, se disponíveis, e deve ser ajustado conforme resultado de culturas.
A troca do cateter antes de iniciar o tratamento parece aumentar as chances de cura clínica [20]. Caso o cateter não tenha sido trocado na coleta de urina, recomenda-se a troca no início da antibioticoterapia.
A Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA) publicou uma atualização em 2023 de recomendações sobre prevenção de ITU-C [21]. Dentre as medidas, destacam-se:
- Reavaliação constante da necessidade de cateter vesical de demora.
- Colocação de cateter de forma estéril e por alguém treinado.
- Considerar uso de cateterismo intermitente ou cateter externo em pacientes que necessitam de auxílio na micção.
Sobre a necessidade de troca rotineira da sonda vesical de demora, não há consenso na literatura. Alguns documentos recomendam troca a cada 4 a 12 semanas [4]. Outros consideram não haver evidência clara indicando benefício para a troca rotineira[19, 21]. Uma revisão da Cochrane de 2016 não encontrou evidência suficiente para fazer uma recomendação sobre o tema [22].
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