Diretriz Americana de Infecção por Helicobacter pylori

Criado em: 02 de Dezembro de 2024 Autor: Marcela Belleza Revisor: João Mendes Vasconcelos

A Helicobacter pylori é uma bactéria gram negativa, presente em mais da metade da população de países em desenvolvimento, relacionada à doença ulcerosa péptica, carcinoma gástrico e linfoma de tecido linfoide associado a mucosa (MALT) [1, 2]. O American College of Gastroenterology publicou novas diretrizes de tratamento para H. pylori em setembro de 2024 [3]. Este tópico aborda os principais pontos da nova diretriz e do manejo dessa condição.

Doenças relacionadas à Helicobacter pylori

A infecção pela Helicobacter pylori é a infecção bacteriana crônica mais prevalente. No mundo, estima-se que 40% das pessoas tenham infecção por esse agente [4]. No Brasil, esse número pode chegar a 60% [5].

Possíveis manifestações da infecção crônica são dispepsia, gastrite crônica e doença ulcerosa péptica [2]. Consequências mais graves incluem as neoplasias, como o adenocarcinoma gástrico e o linfoma da zona marginal extranodal do tecido linfoide associado à mucosa (linfoma MALT). A associação entre infecção por H. pylori e doença do refluxo gastro-esofágico, esôfago de Barrett ou adenocarcinoma do esôfago não é consensual [2, 6]. 

A maioria das pessoas infectadas é assintomática. Quando ocorrem, os sintomas dispépticos são os mais comuns. 

A infecção por H. pylori pode causar manifestações extra-intestinais. Exemplos são a púrpura trombocitopênica imune e deficiências nutricionais, como deficiência de ferro e de vitamina B12 [2].

Quando e como diagnosticar infecção por H. pylori

A pesquisa de H. pylori não deve ser feita de rotina. As principais indicações são para pacientes sintomáticos e pessoas com risco de complicações, como câncer gástrico e hemorragia digestiva. A tabela 1 agrupa as indicações de pesquisa e tratamento para H. pylori. 

Tabela 1
Indicações de investigação e tratamento de H. pylori
Indicações de investigação e tratamento de H. pylori

Os testes para investigação da infecção são separados entre invasivos (com necessidade de endoscopia digestiva) e não invasivos. A escolha do método diagnóstico depende principalmente da necessidade de realização da endoscopia e da disponibilidade de cada exame (tabela 2) [7].

  • Métodos invasivos: indicados naqueles com dispepsia e sinais de alarme (anemia, perda ponderal, história de câncer gástrico) ou em pacientes com mais de 40 a 50 anos (limite de idade diverge entre diretrizes) [6, 7].
  • Métodos não invasivos: dispepsia sem sinais de alarme em pacientes com menos de 40 a 50 anos.
Tabela 2
Métodos diagnósticos para infecção de H. pylori
Métodos diagnósticos para infecção de H. pylori

Tratamento e controle de cura

A erradicação da H. pylori visa melhorar sintomas e prevenir complicações da infecção. Os esquemas terapêuticos associam supressão ácida e antibióticos. 

Uma novidade da diretriz do American College of Gastroenterology (ACG) de 2024 é a menção aos bloqueadores de ácido competitivos com potássio (P-CAB) como alternativa aos inibidores de bomba de prótons (IBP) entre os esquemas possíveis [3]. Veja mais no tópico "Vonoprazana para Helicobacter pylori".

Os esquemas antimicrobianos recomendados variam conforme o perfil de resistência local e a disponibilidade dos medicamentos [8]. Por este motivo, as diretrizes não são consensuais em relação aos tratamentos de primeira linha. Os esquemas possíveis estão agrupados na tabela 3

Tabela 3
Esquemas para erradicação de H. pylori
Esquemas para erradicação de H. pylori

A ACG recomenda a terapia quádrupla com bismuto como primeira linha de tratamento para H. pylori [3]. A duração do tratamento é de 14 dias. 

O consenso de Maastricht/Florença de 2022 indica que a escolha entre os esquemas deve ser feita com base na prevalência de resistência antimicrobiana. A terapia quádrupla com bismuto é a primeira escolha em áreas com alta resistência a claritromicina (> 15%) ou quando essa informação é desconhecida [7].

O consenso brasileiro de tratamento de H. pylori de 2018 coloca a terapia tripla com claritromicina como primeira opção [6]. A prevalência de resistência a claritromicina é heterogênea no país e algumas análises ainda demonstram taxas inferiores a 15% [9-15]. A resistência a metronidazol é superior a 50% no Brasil [16].

Alergia a penicilina pode limitar o uso de alguns esquemas com amoxicilina. As opções neste cenário estão sinalizadas na tabela 3. O tópico "Diretriz de Alergia a Penicilina" revisa o tema.

Todos os pacientes tratados devem ser avaliados quanto à cura da infecção. Para o controle de cura, são recomendados o teste da ureia respiratória, teste com antígeno fecal ou testes histopatológicos (biópsia). Testes sorológicos não devem ser usados como controle de tratamento. 

A confirmação de cura deve ser feita pelo menos quatro semanas após tratamento ou uso de qualquer antibiótico [7]. Os inibidores de bomba de prótons devem ser interrompidos pelo menos duas semanas antes do teste, pela possibilidade de falso negativo quando em uso do medicamento. Os P-CABs parecem produzir o mesmo efeito, porém as evidências são mais escassas [17].

Após um tratamento bem-sucedido, a taxa de reinfecção é inferior a 5% em um ano [18].

Nos pacientes que persistem com infecção ativa após um ciclo de tratamento, deve ser realizada outra tentativa de erradicação com um esquema diferente (tabela 3). As evidências não são consensuais sobre a preferência entre as opções de segunda linha. O esquema com P-CAB não é incluído como terapia para casos refratários por ausência de evidência até o momento [3].

O crescimento de resistência do H. pylori é uma preocupação crescente. Em 2017, a Organização Mundial de Saúde incluiu o H. pylori resistente à claritromicina na lista de prioridade para novos antibióticos. Uma estratégia para contornar este problema é o desenvolvimento de vacinas para prevenção da infecção. Já existem estudos com essa estratégia em andamento [19, 20].

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