Fator Antinuclear (FAN): O Que o Clínico Precisa Saber
O fator antinuclear (FAN), também conhecido como anticorpos antinucleares (ANA), é um importante marcador laboratorial para a triagem e diagnóstico de doenças reumatológicas imunomediadas [1]. Apesar de ampla utilização, a solicitação e a interpretação do exame muitas vezes ocorrem de maneira inadequada. Este tópico revisa o exame, discutindo as principais indicações e a forma correta de interpretá-lo.
O que é o FAN?
A dosagem do fator antinuclear (FAN) é um método para identificar a presença de autoanticorpos em uma amostra. Apesar do nome “antinuclear”, o exame também pode detectar autoanticorpos cujo alvo sejam estruturas do citoplasma ou ligadas ao processo de replicação celular.
O método recomendado é a imunofluorescência indireta (IFI), dividida em três etapas (figura 1):
- 1ª etapa: o soro do paciente é colocado em contato com células Hep-2 (linhagem celular padronizada para o exame). Caso existam autoanticorpos no soro, eles se ligarão aos antígenos presentes nas células.
- 2ª etapa: é adicionado um anticorpo anti-IgG humana marcado com uma substância fluorescente. Se houver autoanticorpos aderidos às células Hep-2, essa anti-IgG que foi acrescentada se ligará ao complexo antígeno-anticorpo e eles serão visualizados por meio da marcação com substância fluorescente.
- 3ª etapa: quantificação do título (por diluição) e leitura de padrões de fluorescência ao microscópio.
O FAN, portanto, não é um autoanticorpo isolado, mas um exame que identifica diversos autoanticorpos. Um resultado de FAN positivo indica apenas que há autoanticorpos na amostra.
O resultado do FAN é expresso de duas formas: quantificação e padrão de imunofluorescência.
Quantificação ou titulação
A amostra positiva é diluída progressivamente (1:80, 1:160, 1:320) até que o exame seja negativo. O valor final (por exemplo, 1:80) significa que, mesmo na diluição de 1 parte de soro para 79 partes de diluente, o resultado ainda foi positivo.
O VI consenso brasileiro sobre autoanticorpos recomenda considerar como positivo o FAN em diluições de 1:80 ou maiores [2]. Em geral, quanto maior o título (por exemplo, 1:1280, 1:2560), maior a probabilidade de associação com doenças reumáticas imunomediadas [3].
Padrão de imunofluorescência
Os padrões de FAN descrevem a localização dos antígenos reconhecidos pelos autoanticorpos (figura 2 e figura 3) e auxiliam na suspeita de qual autoanticorpo está envolvido. Atualmente, reconhecem-se 29 padrões oficiais que podem ser divididos em três grandes grupos: nuclear, citoplasmático e mitótico.
Esses grupos são subclassificados conforme a localização e o aspecto da imunofluorescência, originando descrições como “homogêneo” e “pontilhado fino denso”, entre outras. Por exemplo, o DNA está distribuído de forma homogênea no núcleo; logo, a presença de anti-DNA resultará em um padrão nuclear homogêneo. A leitura dos padrões depende de quem está realizando o exame.
Cada padrão possui uma nomenclatura correspondente com as letras AC (exemplo: nuclear homogêneo é AC-1). A tabela 1 apresenta a correlação de cada padrão com possíveis doenças, bem como exemplos de autoanticorpos correspondentes [4]. O site ANA Patterns também pode ser uma fonte de consulta.
Quando solicitar o FAN?
O FAN é utilizado principalmente para a investigação de doenças imunomediadas. As principais situações para a solicitação do exame são:
- Suspeita de doença reumática imunomediada
- Suspeita de hepatite autoimune e colangite biliar primária
- Em pacientes com fenômeno de Raynaud
Dentre as doenças reumatológicas imunomediadas, destacam-se o lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, síndrome de Sjögren, doença mista do tecido conjuntivo e miopatias inflamatórias idiopáticas, como polimiosite e dermatomiosite [5]. O tópico do Guia "Doença Mista do Tecido Conjuntivo" aborda essa condição em maiores detalhes.
Em pacientes com fenômeno de Raynaud, o FAN pode ajudar a diferenciar como primário (idiopático) ou secundário [6]. O Guia comentou mais a respeito no tópico "Fenômeno de Raynaud - Tratamento e Inibidores da Fosfodiesterase 5".
Não há uma diretriz formal que defina exatamente quando o exame não deve ser solicitado. A apresentação clínica heterogênea das doenças reumáticas imunomediadas contribui para a dificuldade em criar protocolos rígidos. No entanto, solicitações indiscriminadas podem levar a interpretações equivocadas, gerando ansiedade em médicos e pacientes. A campanha Choosing Wisely, em parceria com o American College of Rheumatology e a Canadian Rheumatology Association, recomenda solicitar o FAN apenas quando houver alta probabilidade pré-teste de doença reumática imunomediada, promovendo melhor acurácia e uso racional do exame [5].
Além de sua aplicação para diagnóstico, o FAN também pode auxiliar na determinação de fenótipos específicos. Em pacientes com artrite idiopática juvenil, um FAN positivo está associado a maior risco de uveíte anterior, frequentemente assintomática, mas com alto risco de progressão para amaurose [7].
Como interpretar o FAN?
O FAN negativo reduz a probabilidade de doença reumatológica imunomediada, mas não exclui completamente a possibilidade de doenças autoimunes. Alguns autoanticorpos não se ligam aos antígenos presentes nas células Hep-2, o que limita a sensibilidade do teste para determinadas condições.
Em pacientes com FAN positivo, o passo seguinte é identificar o(s) autoanticorpo(s) envolvido(s). Cada padrão de FAN está associado a autoanticorpos específicos (tabela 1). Como exemplo, o padrão nuclear homogêneo está correlacionado com anti-DNA, anti-histona e anti-nucleossomo.
O teste positivo não representa necessariamente um processo patológico. O padrão nuclear pontilhado fino denso é característico de indivíduos saudáveis, mesmo em altos títulos, e não está relacionado a doenças reumatológicas [3]. Esse padrão pode estar presente em até 4 a 20% da população saudável [8-10].
FAN positivo em condições não reumatológicas
Além de doenças imunomediadas, um FAN positivo pode ocorrer em pacientes com outras condições. Infecção crônica pelo vírus da hepatite C e tuberculose estão associadas a autoanticorpos [11-13], assim como malária, parvovírus B19, rubéola e caxumba. Doenças linfoproliferativas, como leucemia linfocítica crônica e linfomas não Hodgkin, também estão associadas a FAN positivo [14]. Por último, isoniazida, anticonvulsivantes e clorpromazina foram associados a FAN positivo, mesmo em pacientes sem lúpus induzido por drogas.
Os principais padrões, correlação com autoanticorpos e suas condições clínicas associadas estão exibidos na tabela 1.
FAN no lúpus eritematoso sistêmico
O lúpus eritematoso sistêmico é uma das doenças autoimunes com maior diversidade de autoanticorpos descritos. O FAN positivo, 1:80 ou maior, é critério de entrada obrigatório para a classificação da doença desde 2019, segundo o novo Critério Classificatório do European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology (EULAR/ACR). Uma revisão sistemática da literatura, com metanálise de dados envolvendo 13.080 participantes, encontrou que um título de FAN ≥ 1:80 apresenta sensibilidade de 98% para a doença [15].
Apesar desses dados robustos, algumas críticas surgiram quanto à adoção desse critério. O EULAR não especifica o padrão do FAN nesse contexto, o que pode ser uma fragilidade. O padrão nuclear pontilhado fino denso, frequentemente encontrado em indivíduos saudáveis, pode levar a interpretações equivocadas [16].
A monitorização do FAN ao longo do tempo não é recomendada, pois o teste não é sensível para avaliar a atividade da doença. Contudo, nos estágios iniciais e em períodos de maior atividade da doença, observa-se maior positividade do FAN [17]. Variações de padrão e titulação do FAN podem ocorrer ao longo do curso da doença, seja pela própria progressão da condição ou por variabilidade entre laboratórios [18].
Outra crítica relevante aos critérios do EULAR é a existência de casos de LES com FAN negativo. Esses casos podem ser observados, por exemplo, em pacientes com LES crônico ou em terapia dialítica, especialmente quando certos autoanticorpos, como o anti-Ro52, estão presentes. Esses anticorpos não formam imunocomplexos detectáveis em células Hep-2, explicando esses achados atípicos [18].
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