Tirzepatida para Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada em Pessoas com Obesidade
O uso de tirzepatida em pessoas com obesidade com insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada (ICFEP) demonstrou benefícios no estudo SUMMIT [1]. Este tópico discute o estudo e revisa este medicamento.
Terapia farmacológica atual de ICFEP
A diretriz americana de insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada (ICFEP) de 2023, abordada no tópico "Diretriz Americana de Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada", recomenda a utilização dos seguintes tratamentos:
- Inibidores de SGLT2 (iSGLT2)
- Espironolactona
- Sacubitril-valsartana
- Candesartana
Desde a publicação dessa diretriz, quatro estudos novos ganharam destaque ao investigar outros medicamentos com benefícios na população com ICFEP:
- Estudo FINEARTS-HF [2]: avaliou a finerenona e demonstrou redução no desfecho composto de morte cardiovascular e eventos de piora de insuficiência cardíaca. Para mais detalhes, veja o tópico "Atualização sobre ICFEP e Finerenona: o estudo FINEARTS-HF".
- Estudos STEP-HFpEF [3] e STEP-HFpEF DM [4]: investigaram a semaglutida em pacientes com obesidade, com e sem diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Em ambos, observou-se melhora significativa da qualidade de vida. Mais informações no tópico "Semaglutida para Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada".
- Estudo SUMMIT: analisou o efeito da tirzepatida na ICFEP em pacientes com obesidade. Detalhes sobre esse estudo serão apresentados nesse tópico.
A tirzepatida
A tirzepatida (Mounjaro®) é o único medicamento classificado como agonista duplo dos receptores de GLP-1 e GIP (também chamado de twincretin). Sua ação e seus efeitos adversos são similares aos análogos de GLP-1. Embora já aprovada pela Anvisa, a tirzepatida ainda não está disponível comercialmente no Brasil. Já existem agonistas triplos de GLP-1, GIP e glucagon. Saiba mais em "Retatrutida para Obesidade".
A família de estudos SURPASS demonstrou que a tirzepatida é eficaz no tratamento do DM2, apresentando reduções de hemoglobina glicada superiores às alcançadas pela insulina glargina [5], insulina degludeca [6] ou semaglutida [7]. Já a família de estudos SURMOUNT demonstrou a eficácia da droga no tratamento da obesidade [8], com redução de 15 a 20% do peso corporal e demonstrando resultados superiores aos da semaglutida (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38976257/). Veja mais sobre o estudo SURMOUNT no tópico "Tirzepatida: novo medicamento para obesidade".
Outros estudos também apontam benefícios da tirzepatida em diferentes cenários:
- Estudo SURMOUT-OSA: avaliou o uso do medicamento no tratamento da síndrome da apneia do sono em pessoas com obesidade [9]. O estudo encontrou uma redução significativa de eventos de apneia e hipopneia.
- Estudo SYNERGY-NASH: investigou a tirzepatida no tratamento da doença hepática gordura associada à disfunção metabólica [10]. O grupo intervenção apresentou maior resolução da esteato-hepatite sem progressão para fibrose.
A administração da tirzepatida é semanal, por via subcutânea, em doses que variam de 2,5 mg a 15 mg. A titulação de dose é feita em aumentos de 2,5 mg a cada quatro semanas, até alcançar a dose de 15 mg. Os principais efeitos adversos são do trato gastrointestinal, como constipação, diarreia, náuseas, vômitos e sensação de empachamento.
Deve-se ter maior cautela em pacientes com antecedente de carcinoma medular de tireoide ou pancreatite. Pacientes com histórico de carcinoma medular de tireoide foram excluídos dos estudos clínicos, pois há incertezas quanto ao risco de análogos de GLP-1 favorecerem esse tipo de neoplasia [11-13]. Por compartilhar semelhanças farmacológicas com esses análogos, a tirzepatida também exige cautela nesse cenário. Pessoas com histórico de pancreatite também foram excluídas dos estudos com tirzepatida, apesar de evidências recentes não favorecerem a associação entre o medicamento e inflamação pancreática [8,14].
O estudo SUMMIT
O estudo SUMMIT avaliou os possíveis benefícios da tirzepatida em pacientes com ICFEP e obesidade. Este foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e multicêntrico [1]. Os principais critérios de inclusão foram:
- Idade ≥ 40 anos
- Insuficiência cardíaca com fração de ejeção > 50%, com sintomas clínicos
- Índice de massa corporal ≥ 30 kg/m²
A presença de diabetes mellitus não era obrigatória para a inclusão no estudo. Outros critérios de inclusão e exclusão estão descritos na tabela 1.
O grupo intervenção recebeu tirzepatida via subcutânea na dose de 2,5 mg por semana, com aumentos de 2,5 mg a cada quatro semanas até 15 mg/dia. O grupo controle recebeu placebo.
Foram avaliados dois desfechos primários:
- Mudança no escore de qualidade de vida, avaliado pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ)
- Desfecho composto de morte cardiovascular ou piora de insuficiência cardíaca (necessidade de hospitalização ou intensificação de diureticoterapia, seja por via oral ou intravenosa).
No total, 731 indivíduos foram analisados, com acompanhamento médio de 104 semanas. Mais da metade dos participantes eram latino-americanos. Entre os resultados obtidos, destacam-se:
- Menor incidência do desfecho primário composto no grupo tirzepatida (hazard ratio 0,62; IC 95%, 0,41 - 0,95; NNT 18,5). Esse efeito se deu às custas da redução de eventos de piora de insuficiência cardíaca.
- Melhora na qualidade de vida avaliada pelo KCCQ no grupo tirzepatida (diferença média de 6,9; IC 95%, 3,3-10,6).
- Entre os desfechos secundários, perda de peso de cerca de 13,9% com tirzepatida, em comparação com 2,2% no grupo controle.
Os principais efeitos adversos relatados envolvem o trato gastrointestinal, levando à suspensão da tirzepatida em 4% dos indivíduos.
Limitações e perspectiva
A principal crítica ao estudo é o alto grau de seletividade da amostra de pacientes. Foram incluídos apenas indivíduos com ICFEP sintomática, de alto risco para complicações, mas com baixa carga de outras comorbidades (tabela 1). Ao todo, apenas 731 participantes foram incluídos, de um total de 1.494 indivíduos rastreados. Isso pode reduzir a validade externa do estudo, considerando que os pacientes com ICFEP costumam ser mais idosos e apresentar várias comorbidades associadas.
Outra observação é que, no braço de intervenção, houve uma frequência ligeiramente maior de uso de antagonistas de mineralocorticoide (36% contra 34%) e inibidores de SGLT2 (19% contra 15%). Isso levanta a hipótese de possíveis efeitos aditivos desses fármacos, dificultando a interpretação isolada do papel da tirzepatida nos desfechos analisados.
Há grande probabilidade de a tirzepatida ser incorporada às próximas diretrizes de tratamento de ICFEP, diante das opções terapêuticas atuais. No entanto, permanece incerto o quanto o benefício observado se deve exclusivamente à perda de peso ou a efeitos farmacológicos adicionais do medicamento.
Estudos futuros em pacientes sem obesidade e análises de custo-efetividade serão essenciais para elucidar essas incertezas. Pesquisas em mundo real podem oferecer melhor compreensão do papel da tirzepatida em populações mais heterogêneas e com múltiplas comorbidades.
Aproveite e leia:
Atualização sobre ICFEP e Finerenona: o estudo FINEARTS-HF
A finerenona é um antagonista de receptor mineralocorticoide estudado para tratamento de doença renal crônica associada a diabetes. O estudo FINEARTS-HF avaliou a finerenona em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção maior ou igual a 40% para redução de desfechos cardiovasculares. Este tópico traz os resultados do estudo.
Tirzepatida: novo medicamento para obesidade
A World Obesity Federation estima que em 2030 haverá 1 bilhão de pessoas com obesidade no mundo. Em junho de 2022, foi publicado no New England Journal of Medicine o artigo SURMOUNT-1, que estudou a tirzepatida e atingiu resultados importantes no tratamento da obesidade. Aqui revisamos os medicamentos para obesidade e trazemos essa nova evidência.
Retatrutida para Obesidade
Em junho de 2023 ocorreu o 83º encontro da American Diabetes Association. Nesse evento foi apresentado um estudo de fase 2 publicado no New England Journal of Medicine sobre a retatrutida, um agonista triplo de hormônios gastrointestinais. Esse tópico traz os resultados do estudo e coloca as opções de tratamento para obesidade em perspectiva.
Semaglutida para Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada
O congresso da European Society of Cardiology (ESC) de 2023 trouxe mais um estudo com a semaglutida. Dessa vez, os pesquisadores avaliaram o efeito da droga em pacientes com insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada. Esse tópico traz os resultados do estudo.
Diretriz Americana de Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada
O Colégio Americano de Cardiologia (ACC) lançou em 2023 uma diretriz sobre insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada (ICFEP). Esse documento faz parte de uma iniciativa para criação de diretrizes com abordagens práticas. Esse tópico resume as principais informações da publicação.