Hipertensão Arterial na Doença Renal Crônica

Criado em: 13 de Janeiro de 2025 Autor: Caio Bastos Revisor: João Mendes Vasconcelos

O manejo da hipertensão arterial sistêmica na doença renal crônica tem particularidades que podem dificultar o controle pressórico. Este tópico aborda as principais diretrizes de tratamento para esses pacientes, incluindo a de 2023 da European Society of Hypertension (ESH) e de 2024 do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) e da European Society of Cardiology (ESC) [1-3].

Principais recomendações das diretrizes

Terapia farmacológica

As diretrizes da ESH de 2023 e da ESC de 2024 recomendam o uso de terapia combinada (mais de um anti-hipertensivo) para o manejo da hipertensão arterial sistêmica (HAS) nos pacientes com doença renal crônica (DRC). Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou os bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) são considerados como os anti-hipertensivos de primeira escolha, especialmente em casos de albuminúria > 300 mg/dia. 

Quando a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) for > 45 ml/min/1,73 m², recomenda-se associar bloqueadores dos canais de cálcio ou diuréticos tiazídicos. Entretanto, diante de TFGe < 30 ml/min/1,73 m² ou hipervolemia, sugere-se substituir os diuréticos tiazídicos pelos de alça, para garantir controle do volume intravascular. Para pacientes com TFGe entre 30 e 45 ml/min/1,73 m², a escolha do diurético deve ser individualizada, considerando os fatores clínicos específicos de cada caso [1]. O fluxograma 1 apresenta uma sugestão de manejo farmacológico da pressão arterial na DRC. 

Fluxograma 1
Terapia farmacológica para manejo de hipertensão arterial na doença renal crônica
Terapia farmacológica para manejo de hipertensão arterial na doença renal crônica

Os medicamentos utilizados no tratamento da DRC podem exercer um efeito hipotensor que auxilia no controle da HAS. Isso é válido para os inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2) e para a finerenona. Para mais detalhes sobre as duas medicações, consulte os tópicos "Gliflozinas (inibidores da SGLT2)" e "Finerenona na Nefropatia Diabética".

A diretriz do KDIGO para manejo de DRC de 2024 recomenda a introdução dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2) em todos os pacientes com TFGe > 20 ml/min/1,73m2 que apresentem um dos seguintes fatores (recomendação 1A) [2]:

  • Diabetes mellitus tipo 2 (DM2) 
  • Insuficiência cardíaca
  • Albuminúria > 200 mg/g

O principal fundamento para essa indicação é a redução do risco cardiovascular e da progressão da doença renal com esses medicamentos [4]. Uma meta-análise envolvendo 2.381 pacientes com diabetes encontrou que o uso de iSGLT2 promoveu redução média de 3,61 mmHg na pressão arterial sistólica, destacando seu efeito anti-hipertensivo [5].

A finerenona é um antagonista de receptores de mineralocorticoides recomendado na DRC associada a DM2 com proteinúria. Em uma subanálise de 240 pacientes do estudo ARTS-DN, a finerenona reduziu aproximadamente 10 mmHg na pressão arterial sistólica [6]. 

Alvo de tratamento

A tabela 1 apresenta os principais alvos de pressão arterial para pacientes com DRC, conforme as diretrizes vigentes. De modo geral, as diretrizes europeias, americana e brasileira são concordantes quanto ao alvo de pressão arterial < 130/80 mmHg, semelhante à definida para a população em geral. Entretanto, o KDIGO de 2024 recomenda um alvo mais intensivo, orientando pressão sistólica < 120 mmHg.

Tabela 1
Alvo de pressão arterial para pacientes com doença renal crônica não dialítica conforme diretrizes
Alvo de pressão arterial para pacientes com doença renal crônica não dialítica conforme diretrizes

A recomendação do KDIGO de um alvo mais rigoroso fundamenta-se especialmente no estudo SPRINT. Esse trabalho incluiu pacientes com DRC e comparou um grupo de tratamento intensivo (alvo de pressão arterial sistólica < 120 mmHg) e outro com tratamento padrão (alvo de pressão arterial sistólica < 140 mmHg). Após um seguimento médio de 3,3 anos, o grupo intensivo apresentou uma redução da mortalidade por todas as causas em comparação ao grupo padrão (razão de risco 0,73; 95% CI, 0,60 to 0,90) [7].

Ao se adotar o alvo < 120 mmHg recomendado pelo KDIGO, deve-se observar duas limitações:

  • O SPRINT excluiu pacientes com proteinúria superior a 1 g/24 h e aqueles com TFGe < 20 ml/min/1,73 m², grupo que constitui uma parcela significativa da população com DRC.
  • O protocolo de aferição no SPRINT incluiu três medições automáticas consecutivas de pressão arterial após cinco minutos de repouso, em uma sala sem observador. Em um estudo realizado com 275 portadores de DRC, esse método padronizado resultou em valores de pressão arterial 12,7 mmHg menores que a aferição habitual [8].

O próprio KDIGO alerta que estabelecer um alvo de pressão sistólica < 120 mmHg, mensurado em consultório de forma convencional, pode acarretar riscos.

Terapia não farmacológica

A restrição salina é a principal recomendação não farmacológica para o controle da pressão arterial em pacientes com DRC. O KDIGO recomenda uma ingestão < 2 g de sódio ao dia (equivalente a < 5 g de cloreto de sódio). De acordo com uma meta-análise da Cochrane, a redução de cerca de 1,6 g na ingestão diária de sódio proporcionou queda de 6,9/3,9 mmHg na pressão arterial e diminuição de 36% na albuminúria [9]. 

iECA/BRA na doença renal crônica

Até quando é seguro manter os iECA/BRA?

O estudo STOP ACEi Trial, publicado no New England Journal of Medicine em 2022, avaliou 411 pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m², randomizados para suspensão ou manutenção de iECA/BRA. Após três anos de seguimento, não houve diferença significativa entre os grupos em relação à média de TFGe, à incidência de diálise ou aos desfechos cardiovasculares [10]. Com base nesses resultados, o KDIGO recomenda manter os iECA/BRA mesmo em pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m², desde que não apresentem hipotensão sintomática ou hipercalemia de difícil controle.

Até quando é seguro iniciar os IECA/BRA?

Em 2024, o Annals of Internal Medicine publicou uma revisão sistemática e meta-análise retrospectiva que incluiu 1.739 pacientes de 18 ensaios clínicos, todos com TFGe < 30 mL/min/1,73 m². Esses participantes foram randomizados para receber iECA/BRA ou outros anti-hipertensivos/placebo. O desfecho primário foi a necessidade de terapia de suporte renal, enquanto o secundário avaliou mortalidade [11].

Os resultados mostraram que o uso de iECA/BRA reduziu o risco do desfecho primário (razão de risco ajustada de 0,66 [IC 95%, 0,55–0,79]), mas não afetou a mortalidade (razão de risco de 0,86 [IC 95%, 0,58–1,28]). Com base nesses achados, o KDIGO reforça a possibilidade de iniciar iECA/BRA mesmo se TFGe < 30 ml/min/1,73 m².

Após o início ou ajuste da dose de iECA/BRA, recomenda-se avaliar a pressão arterial, creatinina e potássio sérico em 2 a 4 semanas. Em casos de hipercalemia associada ao uso desses fármacos, costuma-se priorizar estratégias para reduzir o potássio — por exemplo, ajustes na dieta e uso de diuréticos — em vez de interromper ou reduzir a dose dos iECA/BRA. A descontinuação dessas drogas só é indicada quando há aumento acima de 30% da creatinina basal após 4 semanas do início do tratamento ou ajuste de dose [2].

Diuréticos tiazídicos na doença renal crônica

Os diuréticos tiazídicos são os diuréticos de escolha para pacientes com DRC e TFGe > 45 ml/min/1,73 m². Pelas diretrizes atuais, o uso ainda não é recomendado quando a TFGe < 30 ml/min/1,73 m², considerando a menor eficácia e risco de eventos adversos.

Em 2021, o New England Journal of Medicine publicou o estudo CLICK, que avaliou 160 pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m² e hipertensão não controlada, randomizados para clortalidona ou placebo por 12 semanas [12]. O grupo clortalidona apresentou:

  • Redução na pressão arterial sistólica de 10,5 mmHg (95% IC, −14,6 a −6,4 mmHg). 
  • Redução de 50% na albuminúria.

Uma análise de subgrupo em pacientes com hipertensão arterial resistente encontrou que a clortalidona reduziu a pressão arterial sistólica em 13,9 mmHg.

Apesar dos achados positivos, o CLICK foi considerado de curta duração e envolveu um número pequeno de participantes, o que limita a capacidade de observar resultados para desfechos cardiorrenais de longo prazo [13]. Além disso, eventos adversos como hipocalemia, hiperglicemia, hipotensão ortostática, tontura e hiperuricemia foram mais frequentes no grupo que recebeu clortalidona em comparação ao placebo, reforçando a cautela na prescrição desses fármacos em pacientes com DRC avançada.

Manejo farmacológico da hipertensão arterial em pacientes dialíticos

Em pacientes dialíticos, o controle da pressão arterial tem desafios próprios. Nas diretrizes apresentadas, não há recomendações formais sobre manejo da hipertensão nessa população. O controle do volume extracelular com a ultrafiltração pela hemodiálise e a restrição de sódio na dieta são as principais medidas para o manejo da hipertensão no paciente em diálise [14].

O momento ideal para aferir a pressão arterial é discutível pelo efeito direto da sessão de diálise no controle pressórico. Dessa forma, a aferição ideal deve ocorrer predominantemente no período entre as sessões de diálise.

A hipervolemia é um dos principais fatores envolvidos na hipertensão de pacientes em diálise. Reduzir o peso seco pode surtir um efeito equivalente ao de acrescentar novas classes de anti-hipertensivos [15]. Ainda que não haja sinais clínicos evidentes de hipervolemia, muitos pacientes podem, na prática, estar acima do peso seco. O ajuste do peso seco inclui o aumento da ultrafiltração ou o uso de diuréticos. Os diuréticos podem ser usados em pacientes que ainda tem capacidade de produzir urina (diurese residual), a fim de intensificar a excreção de sódio e água. O controle pressórico tende a melhorar à medida que o peso seco se aproxima do nível ideal, sendo necessário reduzir os fármacos anti-hipertensivos em alguns casos.

Para a terapia farmacológica, os beta-bloqueadores podem ser considerados uma boa opção. O bloqueio adrenérgico pelo fármaco parece atenuar a hipertensão durante a diálise, além de reduzir eventos cardiovasculares nesse perfil de paciente [16,17].

O principal estudo sobre o assunto é o HDPAL, um ensaio clínico randomizado com 200 pacientes em diálise que comparou atenolol e lisinopril por um período de 12 meses. Foi encontrada uma incidência 2,29 vezes maior do desfecho composto (infarto, AVC, hospitalização por insuficiência cardíaca e morte cardiovascular) no grupo lisinopril [18]. Pacientes em uso de atenolol apresentaram maior facilidade para atingir o controle pressórico, com necessidade de menos ajustes de peso seco ou adição de outras drogas. 

A American Society of Nephrology reconhece a falta de evidências boas nessa população e recomenda os bloqueadores dos canais de cálcio di-hidropiridínicos (como nifedipino e anlodipino) nos pacientes que permanecem com pressão arterial elevada a despeito das medidas não farmacológicas e do uso de beta-bloqueadores [19]. Uma vantagem desses fármacos é não serem significativamente removidos pela diálise, possibilitando dose única diária. Os iECA/BRA, caso ainda não estejam em uso, são geralmente a terceira opção. Os ensaios clínicos são conflitantes sobre o benefício cardiovascular desses medicamentos nos pacientes em diálise.

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