Urticária Aguda: Diagnóstico e Manejo
Urticária aguda é um dos diagnósticos dermatológicos mais comuns no departamento de emergência [1, 2]. Duas revisões sistemáticas de 2024 avaliaram o tratamento dessa condição [3, 4]. Este tópico aborda os principais aspectos no diagnóstico e tratamento de urticária aguda e traz os resultados dos novos estudos.
Definições e causas
A urticária caracteriza-se pelo aparecimento súbito de lesões de pele eritematosas e elevadas associadas a prurido intenso. As lesões são chamadas de urticas e podem surgir isoladamente ou agrupadas, formando placas. Tipicamente migratórias, cada uma tende a desaparecer em até 24 horas, sem deixar marcas. De uma maneira geral, as referências trazem uma prevalência de urticária de até 20% ao longo da vida [5-8].
Em alguns casos, as urticas podem se apresentar com angioedema associado [9]. Angioedema isolado sem urticas ou prurido pode acontecer no contexto de reações alérgicas. Contudo, um angioedema isolado deve levantar a suspeita de outras condições, como angioedema mediado por bradicinina. Exemplos desse tipo de angioedema incluem a deficiência do inibidor de C1 e o angioedema relacionado a inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA).
Uma urticária com até seis semanas de duração é classificada como aguda. Acima desse intervalo, como crônica. Essa divisão temporal é útil, pois mais da metade das urticárias novas se resolve dentro de seis semanas [10]. Na avaliação inicial, não há como saber se o quadro será agudo ou crônico.
Existem várias possíveis causas de uma urticária nova (tabela 1). Infecções e exposição a substâncias com potencial alergênico são causas frequentes. Muitos pacientes com sintomas infecciosos utilizam medicamentos sintomáticos ou antibióticos, dificultando a caracterização do possível gatilho para o quadro. Além de ocasionar urticária mediada por IgE, via reação alérgica, algumas substâncias podem ativar os mastócitos diretamente, resultando em urticária sem um mecanismo alérgico de fato. Alguns medicamentos com essa característica são os opioides, vancomicina, meios de contraste e bloqueadores neuromusculares [11].
A maioria das reações alérgicas a alimentos ocorre de alguns minutos até duas horas após a ingestão. Uma exceção são reações a carboidratos de carnes, que podem se iniciar em quatro a seis horas da ingestão. Uma reação alimentar que pode gerar urticas, mas não é alérgica, é a intoxicação escombroide. Esse quadro ocorre após a ingestão de peixe com altas concentrações de histidina (como atum) inapropriadamente armazenado. Após a ingestão, os pacientes costumam evoluir com eritema difuso na parte superior do corpo, sensação desconfortável de calor e placas urticariformes. A resposta é boa a anti-histamínicos H1. Pode ser difícil de diferenciar de reações verdadeiramente alérgicas, mas a ausência de história de alergia a peixe e agrupamento de sintomas em pessoas que comeram o mesmo alimento sugere o quadro.
Muitos pacientes com urticária não têm um fator causal claramente identificado, o que pode ocorrer em mais de 50% dos pacientes [12, 13].
Diagnóstico e avaliação
A suspeita diagnóstica de urticária costuma ser levantada prontamente por pacientes e profissionais de saúde assim que surgem lesões compatíveis. O caráter transitório e ausência de vesículas/bolhas, descamação e pigmentação residual auxilia a diferenciar de outras condições. Após identificar as urticas, o primeiro passo é avaliar se existem sinais e sintomas de anafilaxia [14] (tabela 2). O paciente deve ser questionado diretamente sobre esses sintomas. Também deve-se investigar se houve episódios anteriores de urticária e possíveis fatores desencadeantes (tabela 1).
Ao exame físico, deve-se avaliar se as lesões são realmente urticas. Os pacientes podem usar o termo “alergia” para descrever exantemas de outro aspecto. Um diagnóstico diferencial é a urticária vasculite, uma condição que pode gerar urticas, que tendem a durar mais de 24 horas, podendo deixar pigmentação residual e sensação de ardor ou dor local. Sintomas sistêmicos como febre, artralgia/artrite e linfonodomegalia podem ocorrer. Para confirmar a suspeita de vasculite urticária é necessária a biópsia de uma lesão.
Doenças sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico e algumas neoplasias, podem ter urticas entre suas manifestações (tabela 3). A suspeita dessas condições tende a surgir em um contexto de urticária crônica, exceto se o quadro clínico for característico desde o início.
A Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia orienta que pacientes com urticária aguda sem sinais sistêmicos ou achados sugestivos de urticária vasculite não necessitam de exames complementares [15]. Esse também é o posicionamento de diretrizes internacionais [6, 16]. Se existir a suspeita de alergia a alguma substância, testes alérgicos cutâneos ou IgE específica podem ser solicitados.
Manejo
Um dos objetivos do tratamento é controlar o prurido, sendo esse um sintoma que impacta significativamente na qualidade de vida [12]. As lesões são transitórias e mais da metade dos quadros se resolve em seis semanas, especialmente nas primeiras três semanas [17]. Parte dos estudos que embasam o tratamento de urticária aguda foram obtidos em urticária crônica, sendo extrapolados. Os possíveis gatilhos podem ser abordados, por exemplo, com troca de medicamentos, afastamento de alérgenos e tratamento de infecções.
Os anti-histamínicos H1 de segunda geração são a principal escolha terapêutica. Essas medicações aliam eficácia, menor risco de efeitos colaterais (como sedação) e segurança em uso prolongado. Em pacientes que não respondem à dose habitual, doses mais altas off-label (até quatro vezes a dose padrão) podem ser utilizadas, mas com cautela, devido ao risco de sonolência [6]. Não existe um ensaio clínico em urticária aguda mostrando superioridade de um anti-histamínico H1 específico. Várias opções estão disponíveis (tabela 4).
Anti-histamínicos H1 de primeira geração são eficazes, mas estão associados à sedação significativa e efeitos colaterais anticolinérgicos, sendo menos indicados. Alguns profissionais prescrevem essas medicações à noite para pacientes que, apesar do uso de anti-histamínicos H1 de segunda geração, persistem com dificuldade de dormir por prurido.
Essa pode ser uma opção em pacientes jovens sem comorbidades, em que o risco de eventos adversos é menor. O paciente deve ser advertido sobre o risco de dirigir sob o efeito dessas medicações, mesmo que não se sinta sonolento no momento.
Os anti-histamínicos H1 de primeira geração também estão disponíveis em formulações parenterais. Essa é uma opção em pacientes no departamento de emergência quando uma ação mais rápida é desejada.
O uso de corticoides sistêmicos de rotina na urticária aguda tem sido questionado. Embora frequentemente prescritos, a eficácia adicional ao uso de anti-histamínicos é limitada. Uma opção é reservar para casos com angioedema proeminente ou sintomas persistentes. Não existe um esquema definido na literatura. Preferencialmente, a prescrição deve ser breve. Uma sugestão é utilizar doses entre 20 a 60 mg de prednisona por cinco a sete dias, ponderando o peso do paciente.
Duas revisões sistemáticas recentes ajudam a embasar mais as condutas:
- A primeira, publicada no Journal of Allergy and Clinical Immunology, incluiu oito ensaios clínicos randomizados [3]. Foi encontrado benefício para o uso de anti-histamínicos intravenosos no departamento de emergência. Os autores recomendam a cetirizina intravenosa como preferencial, um anti-histamínico H1 de segunda geração não disponível na formulação intravenosa no Brasil. O benefício de corticoides no departamento de emergência foi incerto, mas podem ser benéficos no controle de prurido entre o segundo e o quinto dia.
- A segunda, publicada no Journal of European Dermatology and Venereology, incluiu dez ensaios clínicos [4]. Os autores indicam que o papel dos corticoides na urticária aguda deve ser mais investigado, considerando a inconsistência nos estudos (alguns mostram benefício, outros não). Nenhum dos estudos avaliou o efeito dos tratamentos na evolução de urticária aguda para crônica.
A evidência para os anti-histamínicos H2 na urticária aguda é limitada. Alguns estudos apontam benefícios quando associados aos anti-histamínicos H1 [18, 19, 20]. O efeito adicional pode ajudar a reduzir o prurido e as lesões em casos refratários à terapia habitual. A famotidina ou cimetidina podem ser empregadas. Interações medicamentosas devem ser checadas, especialmente com uso de cimetidina.
Os pacientes devem ser reavaliados em duas a seis semanas para observar a evolução do quadro e tolerância do tratamento. Se os sintomas persistirem após seis semanas, o quadro é caracterizado como crônico, necessitando de novas consultas. Pacientes com suspeita de uma causa alérgica da urticária, como medicamentos ou alimentos, podem ser encaminhados ao alergologista. Saiba mais sobre alergia à penicilina em "Diretriz de Alergia a Penicilina".
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