Hematoma Subdural Crônico

Criado em: 03 de Fevereiro de 2025 Autor: João Urbano Revisor: João Mendes Vasconcelos

Foi publicado no New England Journal of Medicine em novembro de 2024 o estudo EMBOLISE [1], que avalia o papel da embolização da artéria meníngea média na prevenção de recorrência do hematoma subdural crônico. Esse tópico revisa os principais pontos sobre hematoma subdural crônico e analisa o que o novo estudo acrescenta.

O que é o hematoma subdural?

O hematoma subdural é um sangramento intracraniano de origem venosa com acúmulo de sangue no espaço subdural, situado entre a dura-máter e a aracnoide. Em indivíduos saudáveis, o espaço subdural é virtual (ou seja, não é preenchido por estruturas). Com o envelhecimento populacional e uso crescente de terapias antitrombóticas, estima-se que o hematoma subdural possa se tornar a patologia intracraniana cirúrgica mais comum até 2030 [2].

A formação do hematoma subdural inicia com a ruptura de veias-ponte, que conectam a superfície cerebral aos seios venosos. Essas veias percorrem o espaço subaracnoide e atravessam a aracnoide para drenar o sangue venoso nos seios durais. O mecanismo mais comum de ruptura é o trauma. No entanto, cerca de 25% dos pacientes podem não ter trauma identificado na história [3]. Mecanismos menos comuns incluem sangramento espontâneo por coagulopatia e sangramento de tumores extra-axiais.

Dentre os principais fatores de risco para formação de hematoma subdural, estão:

  • Idade avançada: forte fator de risco independente, particularmente em pacientes acima de 80 anos [4]. Em uma coorte brasileira, a idade média foi de 59 anos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26648144/). 
  • Atrofia cerebral: o aumento do espaço subaracnoide (preenchido por líquor) entre a superfície cortical e a dura-máter aumenta a tensão sobre as veias-ponte, predispondo a rupturas [4,5].
  • Distúrbios da coagulação: inclui tanto coagulopatias primárias quanto o uso de terapias antitrombóticas, com maior incidência observada em pacientes em uso de varfarina [4], 
  • Alcoolismo crônico: contribui para atrofia cerebral e predispõe a traumas. Foi observado em até 14% dos pacientes na maior coorte [3]. 

Temporalmente, os hematomas subdurais podem ser divididos da seguinte forma, a contar do início do sangramento:

  • Agudo: se apresenta em um a dois dias.
  • Subagudo: se apresenta do terceiro dia até a segunda semana.
  • Crônico: se apresenta após duas semanas.

Esses limites de tempo não são uniformemente aceitos e podem existir variações. Na ausência de um fator causal claro (como trauma craniano), a idade do hematoma pode ser estimada com base em características de imagem [6]. Sangramentos agudos são hiperdensos, enquanto os crônicos são hipodensos. 

Apresentação clínica e diagnóstico do hematoma subdural crônico

Os pacientes com hematoma subdural crônico mais comumente apresentam três fases distintas de evolução [7]:

  • Fase inicial: caracterizada pelo trauma ou fator causal responsável pela ruptura venosa.
  • Fase de latência: período assintomático ou oligossintomático, em que ocorre a expansão do hematoma e a formação de uma cápsula ao redor do sangramento. Dura aproximadamente de 4 a 12 semanas [7]. 
  • Fase clínica: manifestação dos sintomas, decorrente do aumento do volume do hematoma ou ressangramentos.

A apresentação clínica é variada e o intervalo entre o evento inicial (trauma ou outro fator precipitante) e o surgimento dos sintomas difere de paciente para paciente. Em estudos de coorte, o tempo entre o trauma e a indicação de tratamento cirúrgico pode chegar a até 98 dias [8].

Os pacientes mais comumente apresentam cefaleia, rebaixamento do nível de consciência e sintomas motores (tabela 1). Sinais de hipertensão intracraniana, crises epilépticas, dificuldade de marcha, declínio cognitivo, alteração comportamental e achados neurológicos focais podem ocorrer. Mais raramente, pode haver parkinsonismo [9]. Os sintomas podem ser inicialmente transitórios, com característica progressiva no decorrer do tempo [10].

Tabela 1
Apresentação clínica de pacientes com hematoma subdural em coorte brasileira
Apresentação clínica de pacientes com hematoma subdural em coorte brasileira

O diagnóstico é confirmado por exames de imagem. A imagem inicial mais disponível é a tomografia computadorizada de crânio sem contraste. Parece não haver diferença de sensibilidade entre a tomografia e a ressonância magnética [11]. Na imagem, observa-se a formação de uma coleção no espaço subdural, entre a dura-máter e a aracnoide. 

As principais características para distinguir o hematoma subdural de outros sangramentos intracranianos são:

  • Formato côncavo-convexo (formato de “lua crescente”)
  • Não respeita suturas cranianas
  • Não preenche sulcos cerebrais (ao contrário da hemorragia subaracnoide)

Este vídeo revisa a identificação dos principais sangramentos intracranianos.

O hematoma subdural crônico tem aspecto hipodenso na tomografia. Pacientes com anemia ou com sangramento subagudo podem ter densidade semelhante à do córtex cerebral, dificultando a visualização. As localizações possíveis estão demonstradas na figura 1.

Figura 1
Figura esquemática da localização de um hematoma subdural
Figura esquemática da localização de um hematoma subdural

Em até 25% dos casos, o hematoma subdural pode ser bilateral. A hipotensão liquórica é uma causa importante desse tipo de hematoma subdural. Essa condição pode ocorrer por falhas na dura-máter decorrentes de lesões por osteófitos, fístulas veno-liquóricas ou de maneira iatrogênica (pós-punção lombar ou manipulação cirúrgica). Hipotensão liquórica também é uma importante causa de cefaleia que piora em ortostase [3,12].

Tratamento do hematoma subdural crônico

O tratamento cirúrgico é realizado para evacuação do hematoma. O procedimento pode ser por craniotomia, craniostomia (burr hole) e craniectomia, a depender de características como tamanho do hematoma e presença de edema cerebral. A intervenção está indicada nas seguintes situações:

  • Sintomas decorrentes do hematoma: devem ser considerados sintomas progressivos, alteração do nível de consciência ou sinais de herniação cerebral como alteração pupilar ou de motricidade ocular. 
  • Hematoma > 10 mm: medição deve ser feita perpendicular ao crânio no ponto de maior espessura.
  • Desvio de linha média > 5 mm.

Pacientes assintomáticos, com hematomas pequenos e sem sinais de irritação cortical (como crises epilépticas), podem ser candidatos a tratamento conservador ambulatorial [13]. Aqueles com sintomas leves e não progressivos devem permanecer em monitorização na UTI por pelo menos 24 horas. Após esse período, é recomendável repetir a imagem para confirmar a ausência de sangramento agudo ou aumento do hematoma antes de se considerar o seguimento ambulatorial.

Estatinas, ácido tranexâmico e glicocorticoides foram estudados no manejo conservador do hematoma subdural, mas não apresentaram benefícios claros e não tem indicação nesse contexto. Veja mais em "Ácido Tranexâmico no Peri-Operatório". 

Anticoagulantes e antiplaquetários

Pacientes em uso de anticoagulantes devem ser avaliados individualmente e as evidências sobre manejo de terapia antitrombótica no hematoma subdural são escassas. Geralmente, está indicado interromper o uso e reverter a anticoagulação. Em pacientes com condições graves que exigem anticoagulação contínua (como próteses valvares metálicas, tromboses extensas ou isquemia de membros), pode-se considerar manter um agente de ação rápida e reversível, como a heparina não fracionada, com vigilância neurológica intensiva. Essa possibilidade deve ser avaliada conforme os sintomas neurológicos e tamanho do hematoma [14]. 

Antiplaquetários devem ser mantidos em situações de alto risco, como intervenção coronariana com stent recente. Quando usados para profilaxia secundária de eventos cardiovasculares, não parecem aumentar significativamente o risco de ressangramento. Podem ser reconciliados precocemente (3 a 7 dias) no pós-operatório, avaliando riscos e benefícios [15].

O que o artigo EMBOLISE acrescentou?

​​Acredita-se que a recorrência do hematoma subdural crônico tenha a participação de ressangramentos que ocorrem devido à fragilidade da neovascularização desenvolvida durante a formação do hematoma. Essa neovascularização conta com a contribuição de ramos da artéria meníngea média. Por isso, a embolização da artéria meníngea média foi estudada como estratégia para reduzir a recorrência do hematoma subdural crônico.

O estudo EMBOLISE incluiu 400 pacientes com hematoma subdural subagudo e crônico que já apresentavam indicação de cirurgia. Eles foram recrutados em 39 centros nos Estados Unidos. O grupo controle realizou apenas o procedimento cirúrgico para evacuação do hematoma, enquanto o grupo intervenção foi submetido a embolização da artéria meníngea média em até 48 horas após a randomização.

O desfecho primário analisado foi recorrência ou piora do hematoma subdural em 90 dias. Os resultados mostraram:

  • Grupo controle: 11,3% dos pacientes apresentaram recorrência ou piora do hematoma.
  • Grupo intervenção: 4,1% dos pacientes apresentaram recorrência ou piora (RR 0,36; IC 0,11–0,8).

Esses resultados indicam um NNT (número necessário para tratar) de 14 para prevenir um evento de recorrência ou piora do hematoma subdural no grupo intervenção.

Houve maior mortalidade por causa neurológica no grupo intervenção, porém sem significância estatística e não relacionada à embolização. Esse achado não foi reproduzido por outros estudos como o STEM [16] e o MAGIC-MT [17]. Este último encontrou menor mortalidade em 90 dias para o grupo intervenção na população chinesa.

Os resultados desses estudos colocam a embolização da artéria meníngea média como opção para reduzir o risco de recorrência em pacientes com hematoma subdural crônico submetidos à cirurgia.

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