Tratamento de Bactérias Resistentes: ESBL e AmpC

Criado em: 03 de Fevereiro de 2025 Autor: Frederico Amorim Marcelino Revisor: João Mendes Vasconcelos

Infecções causadas por bactérias produtoras de betalactamases de espectro estendido (conhecidas pela sigla em inglês ESBL) e AmpC são frequentes em ambientes hospitalares. Essas cepas conseguem resistir a cefalosporinas de terceira geração (como ceftriaxona e ceftazidima) e até mesmo de quarta geração (cefepima). Neste tópico, revisamos os principais métodos para identificação dessas betalactamases, bem como as estratégias de tratamento mais atuais e respaldadas por diretrizes internacionais.

O que são beta-lactamases?

As beta-lactamases são enzimas produzidas por bactérias para inativar antibióticos que contêm o anel beta-lactâmico (como penicilinas, cefalosporinas, carbapenêmicos e monobactâmicos). Essas enzimas são classificadas segundo o grupo de antibióticos inativados (figura 1) [1,2].

Figura 1
Beta-lactamases
Beta-lactamases

As ESBLs (do inglês, beta-lactamase de espectro estendido) são um subtipo de beta-lactamases frequentemente associadas a bactérias gram-negativas como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae. Conferem resistência a cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona, ceftazidima) e monobactâmicos (aztreonam). Em alguns casos, ocorre também resistência a cefalosporinas de quarta geração (cefepima).

As bactérias produtoras de AmpC também são resistentes a cefalosporinas de terceira geração, como ceftriaxona e ceftazidima. Contudo, diferente das ESBLs, podem ser divididas em dois grupos:

  • Induzível: a bactéria não produz a enzima, mas após exposição a antibiótico começa a produzir. No antibiograma, inicialmente a bactéria se apresenta como sensível à ceftriaxona, mas após o tratamento pode se tornar resistente (ex.: Enterobacter cloacae).
  • Não-induzível: a enzima é produzida continuamente, resultando em resistência identificada no antibiograma inicial (ex.: E. coli com AmpC plasmidial).

Apenas algumas bactérias possuem a capacidade de produzir resistência durante o tratamento (tabela 1). Mnemônicos como MYSPACE (as iniciais de Morganella, Yersinia, Serratia, Proteus, Providencia, Pseudomonas, Aeromonas, Citrobacter, Enterobacter) agrupam tanto bactérias que produzem constitutivamente a enzima quanto bactérias que possuem a capacidade de produzir durante o tratamento. Agrupar ambos os tipos de bactérias pode trazer confusão no momento do tratamento [1]. 

Tabela 1
Bactérias com risco de AmpC induzível
Bactérias com risco de AmpC induzível

Esse tópico revisa o tratamento de enterobactérias, como E. coli, Klebsiella spp., Proteus spp. e Enterobacter spp. Bactérias gram-negativas não fermentadoras, como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp., também podem produzir beta-lactamases como ESBL ou AmpC, mas possuem peculiaridades no seu tratamento que não serão abordadas aqui. 

As bactérias podem exibir resistência a antibióticos beta-lactâmicos não apenas por meio de beta-lactamases. Por exemplo, o Staphylococcus aureus apresenta variantes da proteína ligadora de penicilina (PBP2a), que tornam as penicilinas e outros beta-lactâmicos convencionais ineficazes. 

Bactérias capazes de desenvolver resistência a cefalosporinas de 3⁠ª geração durante o tratamento

O fenômeno de surgimento de resistência durante o tratamento é descrito com mais frequência em infecções por Enterobacter cloacae. Alguns estudos observacionais sugerem que 5% a 47% dos pacientes com Enterobacter spp. sensível a cefalosporinas apresentam nova cultura, durante o tratamento, com Enterobacter spp. resistente a cefalosporina [3-5]. Fenômenos semelhantes são descritos para Citrobacter freundii e Klebsiella aerogenes (anteriormente conhecida como Enterobacter aerogenes), embora com menor frequência [6]. Outras bactérias nas quais o fenômeno já foi descrito estão na tabela 1.

Alguns autores sugerem que, caso uma das bactérias da tabela 1 seja identificada em cultura, não seria necessário um teste específico para detecção de AmpC (por exemplo, testes fenotípicos ou genotípicos). Nesse raciocínio, deve-se presumir que há risco de indução de resistência ao longo do tratamento [7-9]. Contudo, o risco difere entre os agentes isolados, com mudanças na terapia a depender do risco.

O tratamento ideal para infecções sensíveis à ceftriaxona, mas com potencial de induzir AmpC, ainda é controverso. Embora alguns estudos observacionais não tenham encontrado aumento de mortalidade com uso de ceftriaxona, outros mostram melhores resultados com cefepima (cefalosporina de quarta geração) ou carbapenêmicos [10-14]. O MERINO 2 é único estudo randomizado disponível e comparou piperacilina-tazobactam ao meropenem [15]. Poucos pacientes foram incluídos e os resultados foram inconclusivos.  

A diretriz da Infectious Disease Society of America (IDSA) de 2024 recomenda que o tratamento de bactérias de alto risco para AmpC (Enterobacter cloacae, Citrobacter freundi e Klebsiella aerogenes) seja feito com cefepima. Para bactérias com baixo risco de indução, os antibióticos devem ser usados conforme a sensibilidade do antibiograma. No caso de infecções com alta carga bacteriana (endocardite e sistema nervoso central) por bactérias com baixo risco de indução, também pode-se considerar o uso de cefepima. 

Bactérias resistentes a cefalosporinas de 3⁠ª geração

A identificação de betalactamases pode ser realizada no laboratório por métodos fenotípicos e genotípicos. Os testes fenotípicos inferem o mecanismo de resistência a partir da adição de substâncias à colônia de bactérias. Já os testes genotípicos identificam diretamente os genes associados à produção de beta-lactamases. 

No caso das ESBLs, procede-se inicialmente a um teste de triagem com cefotaxima, ceftazidima ou cefpodoxima. Se houver resistência ou “sensibilidade diminuída” (i.e., MIC elevada ou próxima do ponto de corte), aplicam-se testes confirmatórios. Para AmpC, a triagem utiliza cefoxitina. Se houver resistência ou alteração sugestiva (por exemplo, “sensibilidade diminuída”), são realizados testes confirmatórios específicos [8,16]. 
Quando esses testes não são realizados no laboratório, padrões de resistência podem sugerir a presença de ESBL ou AmpC:

  • ESBL: geralmente a bactéria é sensível à amoxicilina-clavulanato e à cefoxitina, porém resistente à cefepima.
  • AmpC: geralmente a bactéria é resistente à amoxicilina-clavulanato e à cefoxitina, porém sensível à cefepima.

Contudo, outros mecanismos de resistência (p. ex. OXA) podem coexistir, gerando erros de classificação.

O tratamento ideal para infecções por enterobactérias produtoras de ESBL não é totalmente consensual. As diretrizes da IDSA de 2024 e da European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases (ESCMID) de 2022 recomendam o uso de carbapenêmicos em pacientes com infecções graves (p. ex., sepse, infecção de corrente sanguínea) por enterobactérias resistentes às cefalosporinas de terceira geração [1,2].

Tabela 2
Possíveis tratamentos para bactérias resistentes e com risco de criar resistência a cefalosporinas de 3a geração
Possíveis tratamentos para bactérias resistentes e com risco de criar resistência a cefalosporinas de 3a geração

Para infecções do trato urinário ou da via biliar sem sepse, com adequado controle de foco, a diretriz da ESCMID sugere piperacilina-tazobactam, amoxicilina-clavulanato ou ciprofloxacino, dependendo do perfil de sensibilidade [2]. A diretriz da IDSA menciona que, se o paciente iniciou piperacilina-tazobactam em uma infecção urinária não complicada e apresenta melhora clínica, é possível manter o esquema. O uso de cefepima não é recomendado [1]. A tabela 2 reúne os esquemas de tratamento das bactérias resistentes a cefalosporinas de 3⁠ª geração.

Piperacilina-tazobactam versus meropenem

Existe dúvida na literatura sobre o uso de piperacilina-tazobactam em bactérias resistentes a ceftriaxona. O estudo MERINO randomizou 379 pacientes com infecção de corrente sanguínea por E. coli ou Klebsiella pneumoniae com resistência a ceftriaxona [17]. Os participantes foram randomizados para meropenem ou piperacilina-tazobactam. O desfecho primário foi mortalidade em 30 dias.

A mortalidade nos pacientes que utilizaram piperacilina-tazobactam foi de 12,3%, comparado com 3,7% no grupo meropenem. As principais infecções foram do trato urinário e intra-abdominais e em 86% das bactérias foi confirmada a presença de ESBL.

Contudo, em uma reavaliação posterior, no grupo de pacientes que utilizou piperacilina-tazobactam, algumas cepas inicialmente consideradas sensíveis, eram resistentes à piperacilina-tazobactam. Além disso, muitos pacientes oncológicos foram incluídos no estudo e a principal causa de morte foi a neoplasia, sem relação direta com a infecção. 

Em outro estudo, com apenas 66 pacientes com infecção do trato urinário associada a assistência a saúde por bactérias produtoras de ESBL, 33 pacientes receberam piperacilina-tazobactam e 33 pacientes receberam ertapenem. O estudo encontrou eficácia terapêutica semelhante entre os dois grupos. 

Considerando essas inconsistências, as diretrizes se posicionam com cautela, sugerindo piperacilina-tazobactam apenas em infecções de menor risco (infecção do trato urinário ou biliar com adequado controle de foco e sem sepse). Veja mais detalhes em “Bactérias resistentes a cefalosporinas de 3⁠ª geração”. Novos estudos podem mudar as recomendações ou dar mais confiança as orientações atuais.

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