Novo Consenso de Síndrome Hepatorrenal
Um novo consenso sobre injúria renal aguda no paciente com cirrose do Acute Disease Quality Initiative (ADQI) e International Club of Ascites (ICA) foi publicado em 2024. O documento traz mudanças nos critérios diagnósticos e manejo da síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda [1]. Este tópico revisa as principais mudanças.
O Guia já abordou a síndrome hepatorrenal nos tópicos "Droga Vasoativa na Síndrome Hepatorrenal" e "Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose".
Novos critérios e definições
A definição de injúria renal aguda (IRA) em pacientes com cirrose deve seguir as definições do Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO):
- Aumento de 0,3 mg/dL da creatinina sérica em 48 horas OU
- Aumento de 50% do valor basal nos últimos 7 dias OU
- Débito urinário menor ou igual a 0,5 mL/kg/h por mais de 6 horas — Apesar de a diurese ter sido excluída em consensos prévios, considerando a tendência à retenção hídrica e redução na diurese do paciente com cirrose [2], neste novo consenso ela volta a ser um critério.
Com relação à creatinina basal, recomenda-se usar a menor dos últimos 3 meses. Caso não esteja disponível, usar a menor do último ano. Se nenhuma medida existir, deve-se considerar a creatinina da admissão hospitalar ou estimar a creatinina usando a taxa de filtração glomerular estimada de 75 mL/min/1,73 m² [3].
O novo consenso recomenda não utilizar os termos síndrome hepatorrenal (SHR) tipo 1 e tipo 2. O documento reforça o uso dos termos SHR-IRA (SHR com injúria renal aguda) e SHR-NIRA (SHR não injúria renal aguda, que consiste na doença renal aguda e doença renal crônica). Os critérios para SHR-IRA foram atualizados (veja um comparativo na tabela 1):
- Presença de cirrose com ascite.
- IRA definida pelos critérios do KDIGO.
- Ausência de melhora da creatinina e/ou débito urinário após 24 horas de expansão volêmica adequada (quando indicada).
- Ausência de evidências robustas de outra etiologia como causa primária da IRA.

A mudança mais significativa foi com relação à expansão volêmica. Antes, recomendava-se expansão com 1 g/kg de albumina por 48 horas para avaliação de resposta da função renal. Os autores argumentam que realizar essa estratégia para todos por 48 horas pode atrasar o diagnóstico de SHR-IRA e o início de vasoconstritores, além de acarretar risco de hipervolemia ou piora da congestão em alguns casos.
Agora, a recomendação da diretriz é avaliar o estado volêmico antes de iniciar a expansão:
- Hipovolemia: expansão com cristaloides balanceados até corrigir hipovolemia.
- Estado volêmico incerto ou difícil de avaliar: expansão com 250–500 ml de cristaloides ou 1 a 1,5 g/kg de albumina de 20 a 25%.
- Euvolemia ou hipervolemia: a administração rotineira de cristaloides ou albumina não é recomendada.
A resposta à expansão deve ser avaliada em 24 horas (pela creatinina e/ou débito urinário). Esse intervalo permite diagnóstico e tratamento mais precoces, o que poderia melhorar desfechos renais, como a necessidade de terapia substitutiva renal [4]. Em resposta a essa mudança, alguns autores pontuaram que a redução do tempo de avaliação para 24 horas poderia levar a sobrediagnóstico de SHR-IRA, indicando que alguns pacientes respondem após esse período [5].
Ainda se recomenda a busca ativa de outras causas para a IRA, como sepse, obstrução urinária e nefrotoxicidade. O consenso reconhece a possibilidade de incerteza diagnóstica e que a SHR-IRA pode coexistir com outras etiologias ou ocorrer mesmo na presença de injúria tubular ou proteinúria, por exemplo. Nesses casos, recomenda-se assumir o diagnóstico operacional de SHR-IRA para não atrasar a terapia apropriada.
Fluidoterapia na injúria renal aguda no paciente com cirrose
O consenso propõe uma avaliação contínua e multimodal para guiar a fluidoterapia em pacientes com cirrose e IRA. Deve-se preferencialmente utilizar:
- Exame físico.
- Avaliação ultrassonográfica estática e dinâmica (ver "Fluidos, Fluido-Responsividade e Fluido-Tolerância").
O consenso recomenda que os cristaloides, preferencialmente soluções balanceadas, sejam a primeira linha de terapia para ressuscitação volêmica em pacientes com cirrose e IRA. Em pacientes com cirrose e sepse ou choque séptico, o uso rotineiro da albumina não acrescenta benefício e pode gerar mais custos [6,7]. Albumina deve ser usada preferencialmente em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) ou SHR-IRA diagnosticada em uso de vasopressores.
A albumina ainda é indicada como profilaxia de IRA em pacientes com diagnóstico de PBE e para pacientes que passam por paracentese de grande volume (maior que 5 litros).
A volemia deve ser reavaliada continuamente durante a reposição, evitando sobrecarga volêmica. Se sinais de hipervolemia se tornarem evidentes, os fluidos devem ser descontinuados e diureticoterapia deve ser iniciada.
Como tratar a síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda
A base do tratamento da SHR-IRA é o uso de vasoconstritores. Devem ser utilizados o mais precocemente em caso de suspeita clínica e após a exclusão de diagnósticos diferenciais, o que deve ocorrer idealmente nas primeiras 24 horas. Além disso, os vasoconstritores tendem a ser mais efetivos quando iniciados com creatinina menor que 2,25 mg/dL [8].
O consenso reforça a terlipressina como medicamento de primeira escolha. Ela parece ser superior à noradrenalina para reversão da IRA, pode ser feita sem necessidade de monitorização e em acesso periférico [9]. Deve ser administrada com cautela em pacientes com sobrecarga volêmica pelo risco de edema pulmonar. Se indisponibilidade, a noradrenalina pode ser utilizada.
A dose inicial da terlipressina é de 2 a 4 mg ao dia de forma contínua (veja tabela 2). Se não houver redução da creatinina de 25% em 24 horas, pode ser aumentada a dose de 2 mg até uma dose máxima de 12 mg ao dia. A infusão contínua está associada a menos efeitos colaterais quando comparada à dose intermitente a cada 4 a 6 horas [10].
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Caso a noradrenalina seja usada como vasoconstritor, a meta é aumentar em 10 a 15 mmHg a pressão arterial média base do paciente [11]. Caso a meta não seja atingida, deve-se aumentar a dose a cada 4 horas. A dose recomendada pelo consenso é de 0,5 a 3 mg/h.
A albumina 20–25% deve ser feita em conjunto com o vasoconstritor na dose de 20 a 40 g/dia. Porém, não deve ser iniciada ou deve ser descontinuada se houver evidência de sobrecarga volêmica. A diureticoterapia deve ser considerada nestes casos.
O consenso coloca como critérios de descontinuação dos vasoconstritores:
- Melhora da creatinina para no máximo 0,3 mg/dL acima do valor basal do paciente.
- Ausência de resposta em 48 a 72 horas com doses máximas toleradas dos vasoconstritores — nestes casos, manter a terapia não acrescenta benefício e pode aumentar risco de eventos adversos.
- Após 14 dias de terapia.
- Necessidade de terapia substitutiva renal.
- Presença de efeitos adversos graves associados aos vasoconstritores.
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