Novo Paradigma de Infarto: Oclusão Coronariana Aguda

Criado em: 17 de Fevereiro de 2025 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno Revisor: João Mendes Vasconcelos

Uma nova classificação propõe distinguir o infarto agudo do miocárdio conforme a presença ou ausência de oclusão coronariana, em contraste com a abordagem tradicional baseada no supradesnivelamento do segmento ST. Duas publicações recentes reforçam essa proposta [1, 2]. Este tópico explora essa nova perspectiva.

Infarto com e sem supradesnivelamento do segmento ST

O diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) é feito por variação dos níveis de troponina associado a evidências clínicas, eletrocardiográficas ou radiológicas de isquemia miocárdica aguda, conforme a tabela 1. Pacientes com IAM são atualmente classificados conforme a presença ou ausência de supradesnivelamento do segmento ST no eletrocardiograma (ECG). A ideia dessa classificação é acelerar o tratamento dos pacientes com supradesnivelamento do segmento ST, sendo esse um grupo de maior risco e que se beneficia de reperfusão coronariana imediata.

Tabela 1
Critério diagnóstico de infarto agudo do miocárdio
Critério diagnóstico de infarto agudo do miocárdio

Para definir um IAM com supradesnivelamento de segmento ST (IAMCSST), é necessário a presença de um dos seguintes [3, 4]:

  • Nova elevação do segmento ST em pelo menos duas derivações contíguas, na ausência de hipertrofia ventricular esquerda ou bloqueio de ramo esquerdo. Para ser considerado patológico, o supradesnivelamento do segmento ST, medido a partir do ponto J, deve ser ≥ 1 mm em todas as derivações, exceto V2 e V3. Em V2 e V3, os cortes são os seguintes:
    • ≥ 2 mm para homens ≥ 40 anos
    • ≥ 2,5 mm para homens < 40 anos
    • ≥ 1,5 mm em mulheres.
  • Novo bloqueio de ramo. 

Na avaliação inicial, a presença de um desses achados eletrocardiográficos em conjunto com sintomas clínicos é suficiente para o diagnóstico operacional de IAMCSST. O tratamento deve ser imediato, sem aguardar o resultado da troponina. Esses pacientes possuem isquemia grave e devem receber uma terapia de reperfusão coronariana com urgência, com duas opções:

  • Angioplastia transluminal percutânea coronariana (ATC): primeira escolha. Deve ser realizada em até 90 minutos da chegada (tempo porta-balão).
  • Trombólise: indicada se o tempo porta-balão exceder 90 minutos ou quando a expectativa de transferência para um serviço com ATC ultrapassar 120 minutos. Deve ser realizada em até 30 minutos (tempo porta-agulha).

O diagnóstico de infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de segmento ST (IAMSSST) é feito quando existem critérios de IAM (tabela 1) e ausência dos critérios de IAMCSST.

Alterações eletrocardiográficas diferentes de supra de ST podem ser encontradas em pacientes com IAMSSST, porém o ECG desses pacientes pode ser normal. Exemplos de padrões eletrocardiográficos associados a IAMSSST incluem:

  • Inversão de onda T
  • Infradesnivelamento de ST (> 0,5 mm em V2 e V3 ou > 1 mm nas demais derivações)
Tabela 2
Seleção da estratégia e tempo para tratamento invasivo de pacientes com infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de segmento ST (IAMSSST)
Seleção da estratégia e tempo para tratamento invasivo de pacientes com infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de segmento ST (IAMSSST)

Pacientes com IAMSSST não devem receber trombolíticos. A intervenção recomendada é a angiografia coronariana por cateterismo e o momento do procedimento depende da estratificação de risco do paciente. Pacientes de muito alto risco devem realizar o procedimento em 2 horas e pacientes de alto risco devem realizar o procedimento em até 24 horas [3]. A tabela 2 exibe os critérios de risco. Apesar da recomendação, apenas 6% dos pacientes com IAMSSST de muito alto risco fazem o procedimento em até 2 horas e 30% em até 24 horas. [5].

Problemas com a abordagem atual

A classificação baseada no supradesnivelamento do segmento ST busca identificar pacientes que provavelmente possuem uma oclusão coronariana aguda e que se beneficiam de reperfusão imediata. Essa abordagem possui limitações, entre elas:

Falsos positivos: outras condições causam supradesnivelamento de ST (tabela 3). Um trabalho encontrou que 36% dos pacientes com supradesnivelamento de ST não apresentavam oclusão coronariana na angiografia [6]. Os principais diagnósticos alternativos para supradesnivelamento de ST são doença cardíaca estrutural e insuficiência cardíaca. 

Tabela 3
Causas de supradesnivalmento de ST
Causas de supradesnivalmento de ST

Falsos negativos: é possível ter oclusão coronariana aguda sem supradesnivelamento de ST. Em um trabalho de 2001, as oclusões de artéria circunflexa não apresentam ECG compatível com IAMCSST em 39% dos casos [7]. Esses pacientes com oclusão coronariana, porém sem supradesnivelamento de ST, podem apresentar padrões eletrocardiográficos específicos que não são enfatizados na abordagem atual. 
 
O ECG de 12 derivações pode não detectar uma oclusão coronariana: é possível ter supradesnivelamento de ST em derivações não captadas em um ECG padrão de 12 derivações. Supradesnivelamento de ST em V3R, V4R, V7 ou V8 pode gerar imagem-espelho no ECG de 12 derivações. Um exemplo é o supradesnivelamento de V7 e V8, que pode gerar um infradesnivelamento de V1 a V3.

Variabilidade entre médicos: a interpretação do ECG pelos médicos é subjetiva e existe variação na determinação do supradesnivelamento no ECG. [8]. Um estudo com inteligência artificial conseguiu reduzir esse erro, identificando melhor os pacientes com supradesnivelamento de ST, com redução significativa do tempo porta-balão [9].

Um novo paradigma na abordagem de infarto foi elaborado para tentar superar essas limitações. Segundo essa nova proposta, os infartos seriam divididos em dois tipos: oclusão coronariana aguda (OCA) ou não-oclusão coronariana aguda (NOCA). A classificação foca na alteração estrutural e não na alteração eletrocardiográfica. Um dos objetivos desse paradigma é aumentar a atenção sobre outros padrões de ECG que podem representar uma oclusão coronariana total e elevado risco de óbito. 

No estudo DIFOCCULT, cerca de 28% dos pacientes com IAMSSST foram classificados como IAM com OCA com base nos padrões eletrocardiográficos adicionais [10]. Esse grupo teve maior frequência de oclusão coronariana no cateterismo e maior mortalidade do que aqueles com IAMSSST que não foram reclassificados como IAM com OCA.

Padrões eletrocardiográficos de oclusão coronariana aguda

O supradesnivelamento de ST está associado com oclusão coronariana, porém o termo OCA inclui outros achados também relacionados. 

Um supradesnivelamento de ST por IAM da parede anterior pode ser confundido com alterações da repolarização ventricular, principalmente quando o supradesnivelamento ocorre de V2 a V3. A calculadora “4-Variable” ajuda a fazer a diferenciação entre essas duas condições.

Alguns padrões de OCA são discutidos a seguir. Outros padrões eletrocardiográficos estão na figura 1.

Figura 1
Padrões eletrocardiográficos compatíveis com oclusão coronariana aguda
Padrões eletrocardiográficos compatíveis com oclusão coronariana aguda

Onda T hiperaguda 

Achado presente na fase inicial da oclusão coronariana (figura 2). Ela é definida como uma onda T de base larga e formato simétrico. Essa alteração está presente nos 30 minutos iniciais da oclusão coronariana, momento em que a troponina pode ainda não ter elevado [11].

Figura 2
Evolução do supra de segmento ST
Evolução do supra de segmento ST

O padrão de “de Winter”

Está presente em até 3% dos casos de infarto de parede anterior [12]. Esse padrão pode vir antes ou após um supradesnivelamento de ST. Os critérios diagnósticos do padrão de “de Winter” incluem:

  • Ondas T elevadas e simétricas nas derivações precordiais (V1 a V6)
  • Depressão do segmento ST com inclinação ascendente maior que 1 mm nas derivações precordiais
  • Ausência de elevação do ST nessas mesmas derivações
  • Elevação simultânea do segmento ST entre 0,5 mm e 1 mm em aVR. 

Padrão de Aslanger

Alguns pacientes apresentam supradesnivelamento de ST, mas em derivações não contíguas, não preenchendo o critério do paradigma atual. A nova proposta reconhece esses casos em alguns padrões. O primeiro é o padrão de Aslanger, que pode ocorrer em infartos de parede inferior. Esse padrão necessita de todos os critérios abaixo:

  • Supradesnivelamento de segmento ST na derivação D3 
  • Infradesnivelamento de segmento ST em qualquer derivação de V4 a V6
  • Ausência de supradesnivelamento de segmento ST em V2
  • ponto j do segmento ST em V1 mais elevado do que V2. 

O padrão da “bandeira da África do Sul” 

Caracterizado por supradesnivelamento em D1, aVL e V2 com infradesnivelamento em derivações inferiores, especialmente D3. O supradesnivelamento pode estar presente somente em aVL e V2. Também representa uma situação de supradesnivelamento de ST em derivações não contíguas. Esse padrão pode ocorrer quando há oclusão do ramo diagonal, afetando a parede anteromedial do coração. Essa parede corresponde às derivações D1, aVL e V2. No entanto, a ocorrência de supradesnivelamento de ST em aVL (derivação lateral) e V2 (derivação anterosseptal) pode não ser identificado como padrão de paredes contíguas, portanto levando à interpretação inadequada. Esse padrão tipicamente apresenta infra de D3 como imagem-espelho

Conduta segundo o paradigma de oclusão coronariana

As diretrizes atuais utilizam o paradigma baseado no supradesnivelamento do segmento ST. Alguns autores defendem a mudança do paradigma para OCA/NOCA [1]. 

O Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia elaborou um documento defendendo essa mudança [2]. A proposta é de uma abordagem em cinco passos na avaliação do paciente com dor torácica e fatores de risco para eventos ateroscleróticos (fluxograma 1): 

  1. Checagem imediata do eletrocardiograma. 
  2. Pesquisar se há ou não supradesnivelamento de ST.
  3. Procurar outros sinais de OCA.
  4. ECG seriado para encontrar mudanças dinâmicas que modifiquem a conduta.
  5. Avaliar se o paciente respondeu ao tratamento inicial. Considerar cateterismo caso mantenha dor torácica refratária.
Fluxograma 1
Algoritmo de decisão proposto para o manejo de dor torácica no departamento de emergência
Algoritmo de decisão proposto para o manejo de dor torácica no departamento de emergência

Pacientes com supradesnivelamento de ST no passo 2 possuem indicação de trombólise caso não seja possível um tempo porta-balão adequado. Não há respaldo sobre o uso de trombolíticos em pacientes caracterizados como IAM com OCA sem supradesnivelamento de ST. 

Uma vantagem do novo paradigma é enfatizar que alguns pacientes sem supradesnivelamento de ST se beneficiam de angioplastia imediata. Essa mudança necessitará de tempo para implementação em demais serviços e mais estudos são necessários visando testes diagnósticos e tratamento nessa população. 

Aproveite e leia:

14 de Outubro de 2024

Ácido Acetilsalicílico (AAS) no Perioperatório

O artigo ASSURE-DES, publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em agosto de 2024, avaliou a suspensão ou manutenção do ácido acetilsalicílico como prevenção secundária no perioperatório. Este tópico aborda o ácido acetilsalicílico no perioperatório e os resultados do estudo.

16 de Janeiro de 2023

Avaliação de Dor Torácica Estável com Angiotomografia

Em abril de 2022, o New England Journal of Medicine publicou o trabalho DISCHARGE comparando o uso de angiotomografia de coronárias com cineangiocoronariografia para avaliação de dor torácica estável. Vamos ver o que essa nova evidência acrescenta.

17 de Junho de 2024

Isquemia Mesentérica

Em 2024, o New England Journal of Medicine — Evidence trouxe dois artigos de revisão sobre isquemia mesentérica, uma condição grave e de difícil reconhecimento. Este tópico aproveita as publicações para discutir o tema.

25 de Março de 2024

Fluidos, Fluido-Responsividade e Fluido-Tolerância

A administração de fluidos é uma intervenção que passou por mudanças significativas nas últimas décadas. Antes feita de maneira liberal e genérica, atualmente busca-se guiar essa terapia por parâmetros que possam minimizar o risco e aumentar o benefício. Essa revisão aborda o paradigma atual da fluidoterapia.

14 de Agosto de 2023

Quando Iniciar Anticoagulação de Fibrilação Atrial Após AVC?

Nos pacientes com fibrilação atrial, os anticoagulantes são a principal medida para prevenir eventos embólicos. O momento ideal de início da anticoagulação após um AVC nestes pacientes não é claro. Em junho de 2023 um estudo publicado no New England Journal of Medicine buscou responder este questionamento. Este tópico revisa o tema e traz os resultados do trabalho.