Tratamento de Síndrome do Intestino Irritável
O tratamento de síndrome do intestino irritável (SII) é desafiador, focando em manejo sintomático e mudança de estilo de vida. Com a publicação do estudo DOMINO, avaliando se a terapia dietética é melhor que a terapia medicamentosa, vemos uma boa oportunidade de revisitar o tema [1].
Diagnóstico de síndrome do intestino irritável (SII)
A SII acomete 4,1% da população adulta e seu diagnóstico é guiado pelos critérios de ROMA IV:
- Dor ou desconforto abdominal recorrente por pelo menos 3 dias no mês ou 1x na semana, nos últimos 3 meses, associado a 2 ou mais dos seguintes:
- Melhora do quadro com a defecação
- Início associado com mudança do aspecto das fezes
- Início associado com mudança da frequência das fezes
Além do diagnóstico, podemos identificar o padrão do quadro, que pode ser:
- Predomínio constipante
- Predomínio diarreia
- Padrão misto
- Padrão não classificado
Além dos sintomas presentes no critério de Roma, os pacientes podem apresentar flatulência e sensação de plenitude abdominal. Outros sintomas estão presentes no critério diagnóstico de Manning, que envolve também sensação evacuação incompleta, passagem de muco nas fezes e distensão abdominal.
Como é o tratamento de SII?
Não há medicamentos disponíveis que alterem a história natural da SII. O manejo passa por afastar diagnósticos diferenciais importantes (como neoplasia de intestino ou doença celíaca, se houver fatores de risco ou sinais sugestivos), explicar a doença ao paciente e controlar sintomas. Esse estudo encontrou um maior controle de sintomas após melhor compreensão da doença pelo paciente [2].
O tratamento sintomático é guiado principalmente pelo padrão predominante (diarreia ou constipação), além de antiespasmódicos para analgesia.
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Uma terapia validada é a restrição de alimentos FODMAPs (veja a tabela 1). FODMAPs são sacarídeos de cadeia pequena, fermentáveis, que por não serem digeridos no intestino provocam sintomas gastrointestinais. A restrição de FODMAPs é comprovadamente superior a placebo no manejo de SII, porém a dificuldade está na aderência. Tentando contornar esse problema, as publicações mais recentes têm almejado uma dieta reduzida, porém não completamente restrita, em FODMAPs. Alguns estudos indicam que outras estratégias dietéticas, como refeições menores e regulares, evitar alimentações que desencadeiam sintomas, café e álcool, podem ser tão efetivas quanto.

Um painel de especialista representando a American Gastroenterological Association (AGA) liberou um documento com 9 recomendações sobre dieta em pacientes com síndrome do intestino irritável [3]. Resumimos as recomendações na tabela 2.
E o que o trabalho acrescentou?
O DOMINO foi um trabalho prospectivo, pragmático, na atenção primária, que comparou um antiespasmódico com uma dieta reduzida em FODMAPs.
O antiespasmódico de escolha foi o brometo de otilônio, um bloqueador de canal de cálcio tipo L, utilizado na dose de 40mg 3 vezes ao dia. Esse medicamento já foi comparado com placebo e apresentou menor taxa de recorrência dos sintomas após 4 semanas de uso.
A dieta reduzida, mas não privada, em FODMAPs era orientada por um aplicativo que fornecia instruções sob medida. Além do que precisava ser evitado, o aplicativo fornecia 105 receitas para as refeições do dia. O aplicativo está em francês e holandês e pode ser encontrado na play store.
O desfecho primário foi medido através do questionário IBS-SSS, medido antes do início da intervenção, com 4 e com 8 semanas. O paciente era considerado respondedor se tivesse uma redução maior ou igual a 50 pontos comparando com o escore no início do estudo.
Com 472 pacientes, houve mais respondedores no grupo da dieta do que no grupo antiespasmódico ao final de 8 semanas (71% x 61%), uma diferença já percebida com 4 semanas. A redução de FODMAPs foi bem aceita pelos pacientes deste grupo. Os dois tratamentos tiveram impacto positivo na qualidade de vida e saúde mental.
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