Doença Venosa Crônica: Avaliação e Manejo Clínico
A doença venosa crônica tem manifestações que vão de alterações assintomáticas superficiais até úlceras venosas. Essa condição reduz a funcionalidade e a qualidade de vida dos pacientes. Este tópico repercute os principais pontos de uma revisão de dezembro de 2024 do New England Journal of Medicine [1], com enfoque no manejo não-cirúrgico desta condição.
Fatores de risco, sintomas e diagnóstico diferencial
O termo doença venosa crônica é abrangente e inclui todas as alterações patológicas do sistema venoso dos membros inferiores. Insuficiência venosa crônica representa manifestações clínicas mais avançadas como edema, hiperpigmentação, alterações cutâneas e úlceras [2].
A insuficiência venosa crônica pode acometer até 40% da população feminina e 17% da masculina. A prevalência de veias varicosas é ainda maior [3]. Os principais fatores de risco são idade avançada, sexo feminino, obesidade, síndrome da apneia obstrutiva do sono, gravidez, longos períodos em pé e trombose venosa profunda prévia.
Alterações estruturais e funcionais podem ocasionar doença venosa crônica, com destaque para:
- Falha no fechamento das valvas venosas com refluxo valvar: alteração estrutural mais comum.
- Trombose venosa profunda (TVP): pode causar distorções permanentes na parede das veias, mesmo após resolução da trombose e recanalização, resultando em hipertensão venosa persistente. Quando associado a sintomas, configura a síndrome pós-TVP, acometendo até 50% dos pacientes após um episódio de trombose [4].
- Compressão extrínseca acima da região inguinal: tumores pélvicos, linfonodomegalias ou síndrome de May-Thurner. Podem passar despercebidos se a avaliação ficar restrita ao membro. A ultrassonografia pode sugerir (veja mais em “Ultrassonografia com doppler venoso e exames de imagem”).
- Fatores funcionais: incluem causas de aumento da pressão venosa central (obesidade, apneia do sono e hipertensão pulmonar), disfunção linfática e fraqueza na musculatura dos membros inferiores [1].
O paciente pode ser assintomático ou queixar-se de dor, prurido, sensação de peso nas pernas e inchaço. Os sintomas tendem a piorar ao final do dia, após longos períodos em pé, em climas quentes e durante o período perimenstrual. O exame físico demonstra telangiectasias, veias varicosas, edema, alterações cutâneas e úlceras venosas.
As úlceras venosas são as feridas crônicas mais comuns, sendo responsáveis por 70% das feridas de extremidades [5]. A dermatite de estase é uma apresentação possível, cursando com eritema e dor, com difícil diferenciação de celulite. Veja mais sobre essa manifestação em "Dermatite de Estase".
A Classificação de Aspectos Clínico, Etiológico, Anatômico e Fisiopatológico (CEAP) para avaliação da doença venosa crônica é recomendada por diversas diretrizes, incluindo da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular [6-9]. O exame físico deve ser realizado em pé, a fim de observar os efeitos da gravidade e peso do paciente.
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O Venous Clinical Severity Score (VCSS) é recomendado para avaliação da gravidade do quadro e acompanhamento do tratamento [10]. As ferramentas estão resumidas nas tabela 1 e tabela 2.
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Alguns medicamentos podem induzir edema e mimetizar ou contribuir com a doença venosa. Uma cascata de prescrição comum é o uso de diuréticos para tratamento de edema induzido por medicamentos [11,12]. Nesse cenário, a melhor conduta é avaliar a possibilidade de troca do medicamento culpado antes de perseguir o diagnóstico e tratamento da doença venosa. A tabela 3 resume os principais medicamentos relacionados a edema em membros inferiores.
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Ultrassonografia com Doppler venoso e exames de imagem
A ultrassonografia com Doppler venoso (USG Doppler) é a ferramenta inicial para a avaliação de alterações estruturais, investigação da doença venosa e planejamento terapêutico, principalmente cirúrgico [6-8]. O exame pode ser realizado com as veias superficiais e profundas dos membros inferiores e sistema iliocaval.
O USG Doppler avalia a presença e o tempo de refluxo venoso, obstruções, anatomia e o padrão do fluxo. O fluxo venoso normal deve ser espontâneo, unidirecional, com fasicidade respiratória e sem refluxo em manobras provocativas, como a manobra de Valsalva.
Refluxo venoso pode ocorrer em segmentos isolados ou em todo o trajeto venoso (refluxo axial). É considerado refluxo hemodinamicamente significativo quando seu tempo excede 0,5 segundo nas veias superficiais e 1,0 segundo nas veias profundas. O tempo do refluxo não se correlaciona com a gravidade dos sintomas [13].
O USG Doppler pode sugerir obstrução venosa proximal. Onda de fluxo contínua e achatada com perda da variação respiratória na veia femoral comum ou na veia ilíaca externa sugere um comprometimento proximal decorrente de trombose, fibrose ou compressão extrínseca [14-16]. De maneira geral, a falta de modulação fisiológica do fluxo (perda de fasicidade, padrão monofásico e ausência de resposta a manobras como Valsalva) sugere obstrução proximal.
A diretriz da Sociedade Americana de Cirurgia Vascular não recomenda a realização rotineira de USG com Doppler venoso para avaliação de pacientes assintomáticos com CEAP C1 (teleangiectasias ou veias reticulares). Esta condição está mais relacionada a alterações estéticas e não há evidências de benefício em tratamento cirúrgico para prevenir progressão da doença. Nos pacientes sintomáticos CEAP C1, pode ser considerado o USG para identificar insuficiência venosa, porém raramente alguma intervenção cirúrgica será necessária [17].
Nos demais casos (CEAP C2 ou superior), a avaliação complementar do sistema venoso superficial e profundo é indicada. Na suspeita de obstrução/estenose suprainguinal, o USG doppler transabdominal (avaliação do sistema ileocava) é recomendado [8].
Outros exames de imagem (angiotomografia, angiorressonância, ultrassom intravascular e/ou venografia) são reservados para avaliação de vasos suprainguinais, principalmente quando o USG com Doppler venoso apresentar limitações técnicas na avaliação [8].
Tratamento: abordagem focada para o clínico
A avaliação do cirurgião vascular é recomendada em todos os casos com objetivos estéticos ou em úlceras ativas ou cicatrizadas (CEAP C5 e C6) [14]. O ensaio clínico EVRA encontrou que a ablação endovenosa precoce pode diminuir o tempo para a cicatrização de úlceras [18]. Pacientes com pele em risco de formação de úlcera (CEAP C4b) ou com sintomas refratários ao tratamento conservador também podem se beneficiar de intervenções. Procedimentos invasivos tendem a ser mais efetivos quando há alterações estruturais relevantes ou presença de lesões ulceradas.
O manejo clínico é uma parte relevante do tratamento da doença venosa crônica, pois frequentemente há um componente funcional que precisa ser abordado independente dos procedimentos cirúrgicos [8].
O foco do tratamento é o alívio sintomático. As quatro principais medidas são:
- Redução da hipertensão venosa central;
- Exercícios envolvendo panturrilha e extensão/flexão do pé;
- Elevação do membro;
- Terapia compressiva.
Em relação à hipertensão venosa central, a obesidade e outros fatores que agravam esse componente devem ser abordados. Uma avaliação funcional da musculatura da panturrilha e do pé auxilia a identificar restrições de mobilidade, flexibilidade ou deformidades anatômicas. Exercícios para fortalecimento dessa musculatura são recomendados [8].
Medicamentos
Não é recomendado o uso de rotina de diuréticos para controle de edema de membros inferiores. A diureticoterapia pode levar a hipovolemia e não tem efeito no controle de edema de maneira geral. O uso deve ser reservado para quando há evidência de hipervolemia sistêmica. Os diuréticos tiazídicos ou antagonistas mineralocorticoides são preferidos em relação aos diuréticos de alça, que podem aumentar a complacência e a vasodilatação, sem efeito em reduzir a pressão venosa central [19].
Drogas venoativas são conhecidas no tratamento medicamentoso para doença venosa, porém carecem de evidência robusta e o benefício é incerto. Uma revisão da Cochrane encontrou alguma evidência para redução de edema, sem benefício em qualidade de vida ou cicatrização de úlceras [20]. Não há clareza nas recomendações entre qual droga escolher e dose efetiva [6-8]. A diretriz americana traz a recomendação fraca do uso (classe 2B) para controle de edema.
O tratamento deve ser guiado e compartilhado com as preferências do paciente e controle de sintomas. Dentre os agentes, os flavonoides na fração micronizada (diosmina-hesperidina) são os fármacos mais consensuais [20]. A pentoxifilina é citada como alternativa para tratamento de úlcera venosa [14] e o dobesilato de cálcio também é citado para redução de edema [8]. Um resumo dos principais medicamentos e posologias sugeridas está na tabela 4 [21].
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Terapia compressiva (meias, talas e bombas de compressão)
A terapia compressiva auxilia no controle sintomático, como edema, dor e na cicatrização de úlceras venosas [8,22]. Existem diversas modalidades de compressão (meias, talas e bombas de compressão). A escolha da altura da compressão dependerá da clínica do paciente (se as alterações são mais distais ou proximais). A escolha da pressão de compressão depende da presença de úlceras. Em pacientes com úlceras ativas ou em cicatrização, recomendam-se pressões mais elevadas de compressão (acima de 30 mmHg) [23]. Em outros cenários, níveis de pressões mais baixos (entre 20–30 mmHg) são adequados. O principal desafio é a aderência terapêutica, pois a compressão pode causar desconforto.
Após procedimentos venosos, a terapia compressiva é recomendada de maneira contínua (dia e noite) durante 1 a 2 semanas [24]. Nos demais cenários, a terapia compressiva pode ser mantida por tempo indefinido para alívio sintomático. O tempo de uso deve ser ajustado conforme a clínica e as preferências do paciente, visando melhorar a aderência ao tratamento [25]. É importante avaliar a coexistência de doença arterial periférica; em pacientes com índice tornozelo braquial < 0,5, a terapia compressiva é contraindicada, e com valores < 0,8 deve-se prosseguir com cautela [14].
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