Doença de Graves: Mudanças no Diagnóstico e Tratamento
A doença de Graves é a causa de até 70% dos casos de hipertireoidismo [1], com incidência anual de 30 a 50 casos por 100.000 habitantes [2]. Um artigo da Endocrine Society publicado em 2024 observou mudanças no diagnóstico e tratamento da doença na última década [3]. Este tópico revisa o diagnóstico, sintomas mais comuns e modalidades de tratamento utilizadas atualmente.
Diagnóstico e apresentação clínica
A doença de Graves é uma condição autoimune em que estão presentes anticorpos antirreceptor de TSH (hormônio tireoestimulante ou tireotropina). Esses anticorpos são conhecidos como TRAb (do inglês, thуrоtrорiո receptor antibodies) e na doença de Graves atuam estimulando a função da tireoide. Em outras palavras, esses anticorpos têm ação análoga ao TSH, levando a hipertireoidismo e tireotoxicose. A doença de Graves é cinco a dez vezes mais comum em mulheres e entre os fatores de risco estão história familiar de doença tireoidiana e outras doenças autoimunes [2, 4, 5].
O quadro clínico pode ser dividido em sintomas de tireotoxicose e sintomas específicos da doença de Graves. Dentro da tireotoxicose, os sintomas mais comuns são palpitações, tremores, distúrbios de ansiedade, intolerância ao calor, perda ponderal, fraqueza proximal e insônia. Cerca de 10% dos pacientes podem desenvolver fibrilação atrial [5, 6, 7] (figura 1). A tireotoxicose grave foi revisada no tópico "Tempestade Tireotóxica".
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Os achados específicos de Graves são o mixedema pré-tibial (ou dermopatia de Graves), oftalmopatia de Graves e a acropaquia tireoidiana [5] (tabela 1). No exame físico, costuma-se encontrar taquicardia e bócio difuso, sem nodulações isoladas.
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Após a suspeita de hipertireoidismo e doença de Graves, a dosagem de TSH é o exame inicial e costuma estar suprimido (< 0,01 mUI/L) [5]. Para confirmação diagnóstica, deve-se solicitar T4 livre e T3 total, ambos geralmente aumentados. Alguns casos de doença de Graves diagnosticados precocemente não apresentam aumento de T4 livre, somente T3 (conhecido como T3-tireotoxicose) [6].
A pesquisa de TRAb pode ser útil para confirmação da etiologia do hipertireoidismo, especialmente em casos duvidosos. A American Thyroid Association (ATA) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) indicam que esse exame não seria necessário em quadros clássicos de Graves, como em pacientes com dermopatia, oftalmopatia e bócio [5, 6]. A presença de TRAb tem sensibilidade de 96% e especificidade de 99% para o diagnóstico de DG [1].
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Ultrassonografia com Doppler de tireoide e cintilografia de tireoide com captação de radioiodo são exames utilizados para diagnóstico diferencial no hipertireoidismo. A ultrassonografia avalia anatomia e vascularização, é menos invasiva, sem radiação associada e pode detectar nódulos não perceptíveis ao exame físico. Na doença de Graves, espera-se um fluxo de sangue aumentado ao Doppler. A cintilografia com captação avalia o padrão de captação de iodo marcado e diferencia entre Graves, bócio multinodular, nódulo tóxico (doença de Plummer) e tireoidites (tabela 2) [5]. A cintilografia com captação é contraindicada na gestação e em lactantes.
Modalidades de tratamento e acompanhamento
Os betabloqueadores, preferencialmente os não seletivos (ex: propranolol), estão indicados para todos os pacientes com sintomas de tireotoxicose [5]. Além de reduzir os sintomas adrenérgicos, essas drogas reduzem a conversão periférica de T4 em T3.
Existem três modalidades terapêuticas para controle hormonal na doença de Graves (tabela 3):
- Drogas antitireoidianas.
- Ablação com radioiodo.
- Tireoidectomia total.
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A escolha sobre a terapia depende das características específicas de cada método, conforme descrito a seguir.
Drogas antitireoidianas
As drogas antitireoidianas utilizadas são da classe das tionamidas. Os medicamentos mais usuais são o tiamazol/metimazol (Tapazol ®) e o propiltiouracil (PTU). O tratamento é preconizado por 12 a 18 meses, com necessidade de monitorização da função tireoidiana após a suspensão pelo risco de recorrência. A remissão da doença ocorre em 30 a 50% dos casos após 24 meses de tratamento [5, 6, 8-10]. O uso mais prolongado das tionamidas parece elevar as taxas de remissão [11, 12, 13].
A diretriz da ATA sugere a seguinte regra para estimar a dose de metimazol, em tomada única diária [5]:
- 5–10 mg se o T4 livre for 1–1,5 vezes o limite superior do normal;
- 10–20 mg para T4 livre 1,5–2 vezes o limite superior do normal;
- 30–40 mg para T4 livre 2–3 vezes o limite superior do normal.
Essas doses devem ser adaptadas para cada caso, considerando sintomas e tamanho da glândula. Novas dosagens de T4 livre e T3 total podem ser feitas em 4 a 6 semanas, com ajuste progressivo da dose até alcançar o eutireoidismo. A dose de manutenção habitual é entre 5 e 10 mg.
Pacientes que mantêm TRAb positivo durante ou após o tratamento têm taxas de remissão inferiores a 20% [14]. A diretriz da European Thyroid Association sugere que as tionamidas podem ser mantidas além do período de 18 meses em pacientes com TRAb persistentemente positivo [15], mas essa não é uma recomendação homogênea entre outras sociedades.
Dois efeitos colaterais dessas drogas merecem destaque: agranulocitose (0,1% dos pacientes) e hepatotoxicidade (0,2% dos pacientes) [3, 16]. Alguns estudos encontraram maior efeito hepatotóxico associado ao PTU [17]. No primeiro trimestre de gestação deve-se evitar tionamidas, especialmente metimazol, pelo risco teratogênico [17].
Ablação com radioiodo
Procedimento onde a tireoide é impregnada com iodo radioativo, gerando lesão tecidual e reduzindo a produção hormonal. Resulta em hipotireoidismo em 2 a 6 meses após sua realização [17, 18]. Deve-se suspender amiodarona e evitar contraste iodado nos 3 meses anteriores ao procedimento [17]. É contraindicado na gestação.
A ablação pode piorar quadros de oftalmopatia. O uso de corticoides é recomendado em pacientes com oftalmopatia moderada a grave para reduzir a chance de piora [1].
Tireoidectomia
Tratamento cirúrgico definitivo. Tem como riscos a lesão do nervo laríngeo recorrente e de paratireoide, com consequente hipoparatireoidismo. Em gestantes pode ser uma opção, considerando os riscos das outras alternativas terapêuticas.
Oftalmopatia de Graves
A oftalmopatia ocorre em até 25% dos pacientes com Graves e a maioria tem um quadro leve. Essa manifestação é diferente da exoftalmia que ocorre em qualquer tipo de tireotoxicose e ocorre por estimulação de fibroblastos e adipócitos pelos autoanticorpos antirreceptor de TSH. Fatores de risco para o acometimento ocular incluem tabagismo, tratamento com ablação por radioiodo e dislipidemia [1, 18].
Os sintomas incluem irritação ocular, sensação de “areia nos olhos”, escotomas, dor ocular, turvação visual e diplopia. Perda visual é um sintoma pouco comum, mas pode ocorrer em pacientes mais graves com neuropatia óptica. O exame físico mostra proptose e edema periorbital.
A gravidade é definida por alterações no exame físico e exames complementares. Proptose acima de 3 mm (medida com exoftalmômetro), diplopia, lesão de córnea e compressão do nervo óptico configuram oftalmopatia moderada a grave, com indicação de tratamento específico [18].
Nos casos leves, estão indicados sintomáticos, lubrificantes oculares, suspensão do tabagismo e o tratamento do Graves habitual. Nos casos moderados a graves, está indicado o teprotumumabe (anticorpo monoclonal anti-IGF-1) ou pulsoterapia com metilprednisolona, a depender do contexto do serviço de saúde e custos envolvidos [18]. Não foram encontrados estudos comparando diretamente os dois tratamentos, mas comparações indiretas sugerem que teprotumumabe está mais associado à melhora de proptose e à diminuição da diplopia [20]. A metilprednisolona é habitualmente administrada na dose de 0,5 g uma vez por semana por 6 semanas, seguido de 250 mg por mais 6 semanas, totalizando 4,5 g ao final da semana 12 [21]. Doses cumulativas maiores que 8 g devem ser evitadas.
Pacientes com neuropatia ótica e risco de perda de visão devem ser internados. Recomenda-se metilprednisolona na dose de 0,5 a 1,0 g em três dias consecutivos. Pacientes que não respondem são candidatos a cirurgia de descompressão orbitária [22].
Mudanças no tratamento da última década
A Endocrine Society conduziu uma pesquisa epidemiológica com 1252 médicos, distribuídos em 85 países de todos os continentes, para avaliar o processo diagnóstico e as modalidades terapêuticas mais empregadas na doença de Graves atualmente [3]. O diagnóstico tem sido cada vez mais fundamentado em dados clínicos e laboratoriais. Além do TSH e dos hormônios tireoidianos, 77% dos especialistas relataram solicitar TRAb para confirmação diagnóstica.
Observou-se uma queda no uso de cintilografia com captação na última década: de 47%, em 2012, para 15%, em 2023. Em contrapartida, a ultrassonografia com doppler tornou-se a primeira escolha para avaliação de imagem inicial, passando de 25% para 61% no mesmo período.
Em relação ao tratamento, as tionamidas foram usadas por 91% dos especialistas. Mesmo em situações de recaída após um ciclo inicial de drogas antitireoidianas, 59% dos médicos optam por um segundo ciclo terapêutico. Houve também prolongamento do tempo de uso das tionamidas, sobretudo em pacientes sem remissão após 18 meses ou com TRAb persistentemente positivo.
O uso de ablação com radioiodo diminuiu de 69% para 7% na última década, reforçando a tendência pelo tratamento medicamentoso com tionamidas.
A escolha pela tireoidectomia é baixa em pacientes com doença de Graves. Em pacientes que desejam engravidar, a probabilidade de optar pela cirurgia aumenta em 10 vezes (1,5% para 15,6% dos casos). Em indivíduos com oftalmopatia moderada a grave, a terapia cirúrgica também é oferecida em maior frequência (22,9% dos casos).
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