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Dobutamina: Uso Clínico

Criado em: 03 de Março de 2025 Autor: Matheus Ribeiro Revisor: Frederico Amorim Marcelino

A dobutamina é um medicamento que atua principalmente nos receptores β-1 adrenérgicos, com ação menor em β-2 e 𝝰. O medicamento aumenta a contratilidade do coração (ação inotrópica positiva) e a frequência cardíaca (ação cronotrópica positiva). A dobutamina pode ser utilizada principalmente em três situações: choque com baixo débito cardíaco, bradiarritmias e em exames com estresse farmacológico. Este tópico revisa as indicações, evidências, prescrição e desmame da dobutamina.

Indicações no paciente com baixo débito cardíaco

A Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca de 2018 [1] recomenda o uso da dobutamina em pacientes com hipotensão e sinais de baixo débito cardíaco (indicação IIa, nível de evidência C). As diretrizes da European Society of Cardiology (ESC) de 2021 e a da American Heart Association (AHA) de 2022 também recomendam o uso nesse cenário (tabela 1) [2, 3]. As principais causas de baixo débito cardíaco são o choque cardiogênico e a disfunção miocárdica no contexto de sepse.

Tabela 1
Recomendações das diretrizes para uso de dobutamina
Recomendações das diretrizes para uso de dobutamina

Choque cardiogênico

Choque cardiogênico ocorre quando uma doença cardíaca primária reduz o débito cardíaco e causa hipoperfusão tecidual, seja por uma insuficiência cardíaca crônica descompensada ou por uma insuficiência cardíaca aguda nova. Até 5% dos casos de choque cardiogênico podem ocorrer sem hipotensão. Aguardar a redução da pressão arterial para considerar esse diagnóstico pode atrasar o tratamento. A identificação do choque cardiogênico deve se concentrar nos sinais clínicos e laboratoriais de hipoperfusão tecidual e disfunção orgânica (tabela 2) [4].

Tabela 2
Sinais de baixo débito cardíaco
Sinais de baixo débito cardíaco

O reconhecimento de pacientes com baixo débito cardíaco somente pelo exame físico tem limitações.  O cateter de artéria pulmonar (cateter de Swan-Ganz) e o ecocardiograma podem auxiliar nessa avaliação. Veja mais em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". Na ausência desses métodos, o tratamento deve ser guiado pela impressão clínica, principalmente em pacientes com histórico de insuficiência cardíaca ou infarto. Contudo, a ausência de ecocardiografia dificulta a confirmação diagnóstica e a avaliação direta da função cardíaca. 

As sociedades médicas recomendam a dobutamina no contexto de choque cardiogênico, mas reconhecem a falta de estudos randomizados que indiquem redução da mortalidade ou apoiem melhor a recomendação [2, 5]. Há associação com piores desfechos pelos efeitos colaterais (como arritmias) com o uso de doses elevadas e infusões prolongadas. No entanto, os inotrópicos continuam sendo utilizados no manejo do choque cardiogênico e estados de baixo débito cardíaco, por melhorarem parâmetros hemodinâmicos. A condução de estudos comparados com placebo nesse cenário agudo é difícil, mas existem tentativas em curso, como o estudo CAPITAL DOREMI2 [6-10].

Além do uso no contexto agudo do choque cardiogênico, em pacientes com disfunção sistólica grave e refratária, a dobutamina em uso prolongado pode ser utilizada para cuidados paliativos ou como terapia de ponte até um tratamento definitivo (como transplante cardíaco ou dispositivo de assistência miocárdica). O posicionamento das diretrizes está na tabela 1.

Disfunção miocárdica e sepse

Para pacientes com choque séptico e disfunção cardíaca que estão com volemia e pressão arterial adequadas, mas que persistem com sinais de hipoperfusão, a Surviving Sepsis Campaign sugere adicionar dobutamina à noradrenalina [11]. Outra opção sugerida pelos autores é utilizar adrenalina isoladamente.

Nesse cenário, as evidências para associação de inotrópicos também são conflitantes. Estudos observacionais incluindo outros inotrópicos, como levosimendan, demonstram aumento ou diminuição de mortalidade a depender da análise [12-16]. A adrenalina é uma alternativa à associação de noradrenalina e dobutamina na sepse, pelo seu efeito inotrópico em doses menores.

Bradiarritmias e exames diagnósticos

Bradiarritmias

Em bradiarritmias com sinais de instabilidade hemodinâmica, a recomendação do Advanced Cardiac Life Support (ACLS) é de utilizar dopamina ou adrenalina para estabilização clínica até a passagem de marcapasso transvenoso. As principais bradiarritmias consideradas são bloqueios atrioventriculares de 2º e 3º grau. A diretriz da AHA de bradiarritmias de 2018 sugere que a dobutamina é uma opção nesse cenário, além de dopamina e adrenalina [17, 18]. Esse documento também sugere a dobutamina como alternativa para bradicardia sintomática associada à disfunção do nó sinusal. Em alguns serviços, a dobutamina pode ser preferível devido à disponibilidade e experiência com o uso do medicamento. 

Exames diagnósticos

A dobutamina é usada em testes diagnósticos como no ecocardiograma e na cintilografia de perfusão com estresse farmacológico [18].

Ao aumentar a demanda energética do coração com o uso da dobutamina, é possível evidenciar áreas com hipocaptação do radiofármaco no esforço, no caso da cintilografia, ou alterações segmentares da contratilidade, no caso do ecocardiograma. Essa manobra farmacológica permite o diagnóstico de coronariopatia e a avaliação de viabilidade miocárdica (recomendação I, nível de evidência B, para pacientes com probabilidade pré-teste moderada a alta de doença arterial coronariana).

Como prescrever

A dobutamina está disponível em ampolas com concentração de 250 mg/20 ml e pode ser diluída em solução glicosada a 5% ou solução fisiológica a 0,9%, sem necessidade de proteção à luz. Pode ser iniciada em acesso venoso periférico, mas soluções mais concentradas apresentam maior risco de flebite.

Como os pacientes que necessitam de dobutamina geralmente apresentam restrição hídrica devido ao quadro de insuficiência cardíaca, uma estratégia para reduzir o volume infundido é preparar uma solução mais concentrada. 

Exemplo de solução concentrada: 

  • Diluir 4 ampolas de dobutamina (1.000 mg/80 ml) em 170 ml de soro.  
  • Solução final: 1.000 mg em 250 ml → concentração de 4 mg/ml (4.000 mcg/ml).  

A dose varia de 2,5 a 20 mcg/kg/min, sendo ajustada a cada 10 minutos conforme a resposta clínica.

A dobutamina é contraindicada em pacientes sem sinais de baixo débito cardíaco (recomendação classe III pela diretriz brasileira de insuficiência cardíaca). Na cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, pode agravar a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, resultando em aumento do gradiente pressórico. Além disso, em casos de feocromocitoma, pode desencadear crises adrenérgicas.

Os principais efeitos colaterais durante o uso são taquiarritmias, com possibilidade de agravo da isquemia miocárdica em pacientes com doença coronariana. Outros efeitos menos comuns estão na tabela 3.

Tabela 3
Eventos adversos relacionados ao uso de dobutamina
Eventos adversos relacionados ao uso de dobutamina

Recomendações específicas

  • Pacientes hipotensos: para pacientes com pressão arterial sistólica abaixo de 85-90 mmHg, recomenda-se iniciar um vasopressor (preferencialmente noradrenalina) antes da infusão de dobutamina para assegurar a perfusão sistêmica e coronariana. À medida que a dose de dobutamina é ajustada e ocorre aumento do volume sistólico, pode-se considerar o desmame progressivo da noradrenalina.
  • Uso de beta-bloqueadores: devido ao efeito inotrópico negativo dos beta-bloqueadores, recomenda-se suspender temporariamente esses fármacos durante o uso de dobutamina. Pode ser necessário utilizar doses mais elevadas de dobutamina para atingir o efeito desejado nesses pacientes.

Como fazer o desmame

O desmame da dobutamina deve ser realizado de forma gradual após a resolução da causa da descompensação e da congestão sistêmica. 

Em pacientes com insuficiência cardíaca crônica, utilizam-se vasodilatadores para redução da pós-carga, reduzindo o trabalho cardíaco para manter o débito. Apesar de empregada na prática, não são encontradas na literatura descrições detalhadas de como realizar esse desmame. Deve-se considerar particularidades de cada paciente. A seguir, descrevemos uma sugestão de desmame comum.

Os principais vasodilatadores empregados são:

  • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) – O captopril é frequentemente utilizado devido à sua curta meia-vida, permitindo ajustes rápidos.
  • Hidralazina e nitratos – Indicados em pacientes com disfunção renal, como alternativa ao iECA [19].

Para pacientes com pressão arterial limítrofe, os nitratos intravenosos (como o nitroprussiato de sódio) são preferidos, por possuírem titulação mais precisa e rápida resolução do efeito após suspensão. Após alcançar a dose máxima tolerada do nitrato, assegurando uma pressão arterial média (PAM) acima de 65 mmHg, realiza-se a transição para a via oral (tabela 4).

Tabela 4
Doses dos vasodilatadores
Doses dos vasodilatadores

Após garantir a vasodilatação adequada, o desmame do inotrópico pode ser iniciado. A redução da dose de dobutamina deve ser feita conforme a tolerância individual de cada paciente, geralmente entre 1 a 3 mcg/kg/min a cada 6 a 24 horas. Em alguns casos, pode ser necessário conduzir o processo de forma mais lenta, ao longo de dias.

Durante o desmame, deve-se reavaliar parâmetros clínicos e laboratoriais de perfusão, como alteração no nível de consciência, náuseas, tontura, perfusão periférica e diurese, assim como função renal e níveis séricos de lactato.

Refratariedade

Tabela 5
Mnemônico INEEDHELP para insuficiência cardíaca avançada
Mnemônico INEEDHELP para insuficiência cardíaca avançada

Alguns pacientes com insuficiência cardíaca podem não tolerar a retirada do inotrópico, indicando doença avançada (tabela 5). Nesses casos, a dobutamina pode ser mantida para garantir a estabilidade clínica, funcionando como ponte para outras terapias, como dispositivos de assistência circulatória de longa duração (como HeartMate 3) ou transplante cardíaco (classificação INTERMACS 3, que confere prioridade na fila, conforme tabela 6). Outra aplicação nesse cenário é para alívio de sintomas no contexto de cuidados paliativos. [20].

Tabela 6
Classificação INTERMACS - interagency registry for mechanically assisted circulatory support
Classificação INTERMACS - interagency registry for mechanically assisted circulatory support

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