Profilaxia de Tromboembolismo no Paciente Internado

Criado em: 10 de Março de 2025 Autor: Letícia Dal Moro Angoleri Revisor: João Mendes Vasconcelos

Cerca de 50% dos eventos tromboembólicos venosos diagnosticados na comunidade ocorrem como resultado de uma hospitalização atual ou recente [1]. A maioria dos pacientes hospitalizados tem pelo menos um fator de risco para tromboembolismo venoso e cerca de 40% possui três ou mais fatores [2]. Esse tópico revisa a profilaxia de tromboembolismo venoso em pacientes hospitalizados.

A profilaxia em pacientes oncológicos e cirúrgicos ortopédicos foi abordada em "Profilaxia Primária de Trombose no Paciente com Câncer", "Tromboembolismo no Paciente com Câncer" e "Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva". 

Benefício e indicação de profilaxia

A profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV) reduz o risco de TEV em pacientes clínicos e cirúrgicos [3]. O benefício dessa intervenção em mortalidade depende do grupo estudado, sendo mais claro em pacientes cirúrgicos [4]. Entre os clínicos, pode existir um benefício de mortalidade nos pacientes de UTI [5]. O risco de TEV não é totalmente eliminado pela profilaxia, sendo maior que 4% em pacientes de UTI mesmo em uso dessa estratégia [6,7]. 

A decisão de iniciar a profilaxia de TEV em pacientes hospitalizados requer avaliação do risco individual de trombose. Pacientes com câncer, AVC com paralisia de membro inferior, doentes críticos e gestantes têm risco especialmente elevado [8]. A imobilização prolongada do paciente ao leito devido a condições clínicas agudas está associada a um risco aumentado de TEV [9]. Fatores associados ao desenvolvimento de TEV e tromboembolismo pulmonar (TEP) durante a internação são descritos na tabela 1.

Tabela 1
Fatores de risco para trombeoembolismo venoso em pacientes clínicos
Fatores de risco para trombeoembolismo venoso em pacientes clínicos

A avaliação de fatores de risco pode ser feita de três maneiras: empiricamente (sem ajuda de protocolos/escores), por protocolos institucionais ou por calculadoras de risco. Entre as calculadoras de risco mais utilizadas estão a de Padua, Genebra e a IMPROVE, as três para pacientes clínicos e descritas na tabela 2. Uma coorte prospectiva suíça publicada em 2024 comparou escores de risco de TEV (Genebra, IMPROVE e Padua) e encontrou baixa acurácia e poder discriminatório em pacientes clínicos. Entre as quatro avaliadas, a que apresentou melhor sensibilidade foi a de Genebra original e melhor especificidade a IMPROVE [10]. 

Tabela 2
Calculadoras de risco de trombeoembolismo venoso e sangramento em pacientes clínicos
Calculadoras de risco de trombeoembolismo venoso e sangramento em pacientes clínicos

Não existe um estudo que estabeleça um método padrão para indicar a profilaxia. Muitos médicos fazem uma avaliação empírica, por vezes auxiliados por protocolos institucionais, considerando que os escores têm limitações. Os pacientes podem ser estratificados em três grupos:

  • Alto risco: pacientes com AVC e paresia de membro, com neoplasia, gestantes e doentes críticos. Esses pacientes têm indicação de profilaxia, exceto se tiverem contraindicação específica.
  • Médio risco: pacientes sem fatores de alto risco, mas com doenças agudas e fatores da tabela 1, especialmente se restritos ao leito. Esses pacientes se beneficiam de profilaxia. Esse grupo é heterogêneo e o benefício pode variar conforme a quantidade de fatores de risco agregados. Os escores de risco podem auxiliar na tomada de decisão nesse grupo.
  • Baixo risco: pacientes internados com quadros não críticos, principalmente quando estão aptos a caminhar ou realizar fisioterapia, sem fatores da tabela 1. A profilaxia com heparina eleva provavelmente os custos e gera desconforto, sem apresentar um impacto expressivo na prevenção de TEV [11].

O risco de TEV pode variar ao longo da internação e deve ser reavaliado se novos eventos ocorrerem. 

A avaliação do risco de sangramento deve sempre ser realizada ao considerar a profilaxia de TEV e pode contraindicar a profilaxia com anticoagulantes. Pacientes com sangramento ativo importante, AVC hemorrágico, coagulopatias e plaquetas abaixo de 50.000/mm³ são considerados de alto risco para sangramento e não devem receber profilaxia farmacológica. A coorte que derivou o escore IMPROVE também avaliou os fatores de risco para sangramento, destacando três com maior associação:

  • Úlcera péptica ativa. 
  • Sangramento nos últimos três meses.
  • Contagem de plaquetas abaixo de 50.000/mm³. 
Tabela 3
Calculadoras de risco para sangramento - na decisão sobre profilaxia
Calculadoras de risco para sangramento - na decisão sobre profilaxia

Outros fatores também foram associados a maior risco de sangramento e todos foram incluídos na calculadora de risco IMPROVE-bleeding, apresentada na tabela 3 [12]. 

Profilaxia farmacológica e mecânica

A profilaxia de TEV pode ser feita de duas maneiras:

  • Farmacológica: heparina de baixo peso molecular (HBPM), fondaparinux, heparina não fracionada (HNF) e anticoagulantes orais direita (DOAC).
  • Mecânica: compressão pneumática intermitente ou meias de compressão.

A profilaxia farmacológica é a preferencial. A mecânica costuma ser reservada para pacientes com contraindicação à profilaxia farmacológica. Combinar ambos os tipos de profilaxia não tem benefício clínico comprovado na redução de TEP, TVP ou mortalidade em pacientes clínicos [7,13].

Profilaxia farmacológica

A tabela 4 mostra as medicações disponíveis para a profilaxia de TEV com as doses recomendadas. 

Tabela 4
Medicamentos utilizados na profilaxia de tromboembolismo venoso
Medicamentos utilizados na profilaxia de tromboembolismo venoso

A HBPM (como a enoxaparina) na dose de 40 mg/dia é a escolha para a maioria dos pacientes hospitalizados, segundo a diretriz da American Society of Hematology (ASH) de 2018 [8]. A diretriz da América Latina de 2022 pontua que a HBPM é significativamente mais cara nos países da região, com barreiras de acesso importantes. Esses autores colocam HBPM e HNF como alternativas razoáveis, com a decisão final dependendo de disponibilidade e custos. Se não existirem limitações nesse sentido, a HBPM é a opção mais conveniente, por ser administrada em dose única diária [11]. Análises de custo efetividade favorecem a HBPM, considerando uma maior eficácia e redução de eventos adversos (como trombocitopenia induzida por heparina) em relação à HNF [14-16].  

A HNF (heparina sódica) pode ser feita na dose de 5.000 UI de 8/8 h ou 12/12 h. A evidência sobre superioridade de algum desses regimes é controversa. Duas metanálises de 2007 mostraram resultados conflitantes em relação aos desfechos de TVP, TEP ou mortalidade [17,18]. Uma terceira metanálise de 2011 não encontrou diferença entre os dois regimes [19]. A decisão pode ser individualizada considerando fatores como peso (em pacientes com obesidade, o regime de 8/8 h pode ser mais adequado) e idade do paciente (em pacientes idosos, a frequência de 12/12 h pode expor a menor risco de sangramento).

Um DOAC é uma alternativa em pacientes que não podem receber HBPM, mas não são a primeira escolha, principalmente pelo maior risco de sangramento associado [20,21]. Antiagregantes plaquetários e varfarina não devem ser utilizados como medidas de escolha para profilaxia de TEV na população geral [22]. O ácido acetilsalicílico tem espaço na profilaxia após cirurgias ortopédicas. Veja mais em "Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva". 

Profilaxia mecânica  

O paciente que apresenta contraindicação à profilaxia farmacológica deve receber profilaxia mecânica. A evidência de benefício dessa terapia isolada é baseada em um ensaio clínico randomizado realizado em 2011 e dados extrapolados de pacientes vítimas de trauma e AVC isquêmico [23,24]. 

A diretriz da ASH não se posiciona sobre a superioridade de compressão pneumática intermitente ou meias elásticas. A diretriz da American College of Chest Physicians ressalta o risco de lesões cutâneas e úlceras com as meias [22]. Se o risco de sangramento reduzir em algum momento, a profilaxia mecânica deve ser trocada para farmacológica.

Duração da profilaxia

A diretriz da ASH recomenda que a profilaxia dure o tempo de internação em detrimento de internação associada ao período pós-alta, seja para pacientes críticos ou não-críticos [8]. As metanálises publicadas sobre o tema mostraram redução de complicações de TEV às custas de aumento de sangramentos maiores ou fatais com a terapia estendida nos pacientes clínicos [25,26]. 

Considerações especiais

Extremos de peso

A escolha das doses dos medicamentos para pacientes com obesidade é incerta, especialmente naqueles com IMC > 40. Em relação à enoxaparina, alternativas incluem aumentar a dose empiricamente em 30% (baseado em experiência clínica e dados de farmacodinâmica), prescrever conforme o peso na dose de 0,5 mg/kg (distribuído em uma a duas aplicações por dia) e ajustar conforme a medida do fator anti-Xa [27-30]. 

Em pacientes com baixo peso (< 50 kg) a dose de 30 mg de enoxaparina pode ser considerada, no entanto, não há evidências quanto ao benefício em desfechos clínicos [31-33]. 

Doença renal crônica

Para pacientes com doença renal estágio com taxa de filtração glomerular < 30 mL/min/1,73 m², o uso de enoxaparina em dose reduzida (30 mg por dia) é considerado off-label e deve ser utilizado com cautela [34]. Uma alternativa é a escolha pela profilaxia com HNF [35]. 

Pacientes cronicamente doentes e institucionalizados

Pacientes com mobilidade reduzida, acamados ou internados em instituições de longa permanência não são candidatos à terapia farmacológica prolongada, pela baixa evidência de redução de eventos e provável aumento de sangramentos [25]. A diretriz latino-americana sugere que a profilaxia não seja implementada nesse grupo. A indicação deve ser reconsiderada se o paciente desenvolver uma condição aguda [8]. 

Trombocitopenia induzida por heparina

Pacientes com história de trombocitopenia induzida por heparina podem se beneficiar da profilaxia na internação atual com fondaparinux ou DOAC. Veja mais em "Trombocitopenia Induzida por Heparina".  

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