Hanseníase: Diagnóstico, Manejo e Novo Tratamento
O New England Journal of Medicine publicou um estudo sobre o uso de bedaquilina para tratamento de hanseníase em dezembro de 2024 [1]. Esse tópico comenta sobre o estudo e revisa manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento de hanseníase.
Manifestações clínicas
A hanseníase afeta mais comumente a pele e o sistema nervoso periférico [2]. As manifestações clínicas da hanseníase variam conforme a resposta imune do hospedeiro ao Mycobacterium leprae. Quando há resposta imune intensa e controle do bacilo, é chamada de forma tuberculoide. Já quando a resposta imune é insuficiente e há proliferação intensa do bacilo, é chamada de forma virchoviana. Contudo, a maioria dos pacientes se apresenta entre as duas formas, chamada de forma dimórfica [3]. Essas formas fazem parte da classificação de Ridley-Joplin (tabela 1).

Outras duas formas são descritas: forma indeterminada, que corresponde ao início da doença, caracterizada por manchas hipocrômicas sem alteração de relevo, e forma neural pura, em que não há manifestação cutânea.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs uma classificação mais simples, baseada na carga bacilar, facilitando o diagnóstico e a definição do tratamento, especialmente em contextos de saúde pública [4]. Essa classificação é usada atualmente para guiar o tratamento e divide a hanseníase em:
- Paucibacilar: uma a cinco lesões cutâneas e baciloscopia obrigatoriamente negativa.
- Multibacilar: mais de cinco lesões de pele e/ou baciloscopia positiva.
De forma geral, a suspeita de hanseníase deve ser feita nas seguintes situações (veja figura 1):
- Manchas hipocrômicas ou avermelhadas na pele.
- Perda ou diminuição da sensibilidade em manchas(s) da pele.
- Edema ou nódulos na face, ou nos lóbulos auriculares.
- Hipoestesia (dormência) ou parestesia (formigamento) de mãos/pés.
- Dor ou hipersensibilidade em nervos.
- Ferimentos ou queimaduras indolores nas mãos, ou pés.

A palpação dos nervos periféricos (como nervo ulnar, nervo fibular comum, tibial posterior e auricular magno) faz parte do exame físico em casos suspeitos de hanseníase. A identificação de espessamento, dor à palpação ou alterações sensitivas localizadas aumentam a probabilidade do diagnóstico.
O Brasil é o segundo país com maior número de casos novos de hanseníase no mundo. As regiões centro-oeste, norte e nordeste são as mais afetadas [5]. A forma dimórfica é a mais comum no Brasil, correspondendo a 47% dos casos, seguida das formas virchoviana (16%), tuberculoide (14%), indeterminada (13%) e não classificada (6%).
A hanseníase é considerada uma doença contagiosa, principalmente em pacientes multibacilares. O período de incubação varia de 2 a 6 anos, mas existem relatos de incubação superior a 30 anos. O mecanismo de transmissão ainda não está totalmente esclarecido, mas acredita-se que ocorra principalmente pela via aérea, a partir de pacientes com alta carga bacilar [6].
Diagnóstico de hanseníase
O Ministério da Saúde e a OMS definem um caso de hanseníase como a presença de pelo menos um dos seguintes [4,6]:
- Lesão(ões) e/ou áreas(s) da pele com alteração de sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/ou tátil;
- Espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas;
- Presença do M. leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço intradérmico ou na biópsia de pele.
O diagnóstico é principalmente clínico. O exame de baciloscopia é recomendado em todos os pacientes, tanto para auxílio diagnóstico quanto para classificação em paucibacilar e multibacilar. Contudo, a sensibilidade é baixa, com valor de 50% em alguns estudos [7].
Caso ainda haja dúvida diagnóstica após a baciloscopia, outros exames podem ser realizados:
- Biópsia de lesão de pele ou de nervo: a presença de granuloma é característica da forma tuberculoide, enquanto na forma virchowiana são encontrados múltiplos bacilos (tabela 1).
- Ultrassom de nervos periféricos: auxilia no diagnóstico de espessamento de nervos periféricos e avaliação de neurite [8].
- Eletroneuromiografia: o achado mais comum é de mononeuropatia múltipla [9].
- Pesquisa do M. leprae por reação em cadeia da polimerase (PCR): pode ser realizado em biópsias de pele e nervo. No Brasil, está disponível no SUS nos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN).
- Teste rápido de anticorpos IgM anti-PGL1: usado para avaliação de quem teve contato com hanseníase, mas não é recomendado para diagnóstico.

O fluxograma 1 detalha os passos para o diagnóstico de hanseníase.
Tratamento de hanseníase
O tratamento de hanseníase é padronizado no Brasil pelo Ministério da Saúde com a combinação de rifampicina, clofazimina e dapsona, conhecido como poliquimioterapia única (PQT-U).
- Dose diária autoadministrada: clofazimina 50 mg e dapsona 100 mg
- Dose mensal supervisionada: rifampicina 600 mg, clofazimina 300 mg e dapsona 100 mg
- Duração: multibacilar por 12 meses; paucibacilar por 6 meses.
Dentre os eventos adversos, a dapsona está associada à anemia hemolítica, com estudos relatando 20% dos pacientes apresentando o quadro [10-11]. Outros eventos adversos da PQT-U estão na tabela 2.

Considerando a incidência de eventos adversos com o esquema atual e a ocorrência de M. leprae resistente às drogas, novas opções de tratamento são desejáveis. Nesse contexto, um estudo brasileiro avaliou o uso de bedaquilina em monoterapia para o tratamento de hanseníase. Os resultados foram publicados pelo New England Journal of Medicine em dezembro de 2024 [1]. A bedaquilina foi aprovada em 2012 para tratamento de tuberculose resistente, sendo o primeiro novo medicamento em 40 anos. Veja mais em "Novos Tratamentos de Tuberculose".
O estudo foi do tipo prova de conceito e avaliou 9 pacientes com hanseníase multibacilar. Os pacientes foram tratados com bedaquilina por oito semanas. O desfecho primário foi o crescimento de M. leprae em lesão após o tratamento. Após oito semanas, não houve crescimento da M. leprae em 100% das amostras de lesões. Depois de oito semanas, todos os pacientes foram tratados com PQT-U.
Apesar de ser um estudo pequeno, caso os resultados sejam confirmados em trabalhos maiores, a bedaquilina tem o potencial de encurtar o tempo e diminuir eventos adversos do tratamento.
Reações hansênicas
As reações hansênicas são fenômenos inflamatórios que causam exacerbações dos sinais e sintomas da hanseníase. Podem ser divididas em dois tipos: reação do tipo 1 e reação do tipo 2. O diagnóstico das reações hansênicas é clínico.
Reação de tipo 1
É caracterizada por piora das lesões cutâneas e piora da neuropatia periférica. O sintoma cutâneo principal é hiperemia de lesões cutâneas, podendo ocorrer ulceração em quadros mais graves. Dor em nervos periféricos e perda de função de nervos, como pé caído, podem ocorrer.
O tratamento deve ser iniciado rapidamente, pois há risco de lesão neurológica. O Ministério da Saúde recomenda o tratamento com prednisona 1 mg/kg/dia, com redução gradual da dose diária em torno de 10 mg a cada 15 dias. Ao atingir a dose de 20 mg/dia, deve-se reduzir 5 mg a cada 15 dias. Ao atingir a dose de 5 mg/dia, deve-se manter a dose por 15 dias seguidos e, posteriormente, passar para 5 mg/dia em dias alternados por mais 15 dias.
Reação de tipo 2
Também chamada de eritema nodoso hansênico. É caracterizada pelo surgimento de nódulos subcutâneos difusos, dolorosos e que não se correlacionam necessariamente com lesões prévias. Podem estar associados à febre, mialgia, artralgia, linfadenomegalia e neurite.
O tratamento do eritema nodoso hansênico é preferencialmente feito com talidomida. Caso a medicação esteja indisponível ou contraindicada, o tratamento pode ser feito com corticoides, da mesma forma que a reação tipo 1 [4,6,12]. A talidomida é teratogênica e tem sua prescrição restrita no Brasil. Pode estar associada a tromboembolismo, especialmente se usada em conjunto com corticoides. Nesses casos, é recomendado o uso de ácido acetilsalicílico para prevenção de fenômenos trombóticos [4,6].
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