Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva
A partir da década de 1960, as artroplastias começaram a ser feitas de maneira mais efetiva e duradoura. Com isso, percebeu-se um grande risco de tromboembolismo venoso (TEV) associado a artroplastias de quadril e joelho. O recente estudo CRISTAL, publicado no Journal of the American Medical Association, jogou luz nessa questão [1]. Aproveitando a publicação, vamos revisar o tema.
Qual o risco?
O risco de tromboembolismo venoso (TEV) após cirurgia ortopédica varia conforme o procedimento e o paciente. Apesar disso, as seguintes situações são intrinsecamente de alto risco:
- Artroplastia de quadril e joelho
- Fratura de quadril ou pélvica
- Múltiplas fraturas
A incidência de TEP já foi tão alta quanto 3%, mas atualmente caiu para menos de 0,2%, o que não pode ser inteiramente atribuído à profilaxia. Melhorias no cuidado perioperatório também são responsáveis por esse avanço.
Estratégias de profilaxia
Como profilaxia farmacológica, três opções são mais utilizadas: enoxaparina, anticoagulantes orais diretos (DOACs) e ácido acetilsalicílico (AAS).
Existem dois períodos de risco de TEV após uma artroplastia eletiva [2, 3]:
- Período inicial (10 a 14 dias): a maior parte do risco se concentra nessa fase;
- Período estendido (até 35 dias): ainda existe risco, porém menor.
A enoxaparina foi extensamente estudada nesse contexto e é classicamente o agente de escolha. A evidência é forte para redução de TEV assintomático, porém variável para TEV sintomático e embolia pulmonar.
Estudos comparando enoxaparina e DOAC mostram eficácia similar [4]. Quando testada contra AAS, a enoxaparina parece ter uma discreta tendência à superioridade em alguns estudos, porém com possível maior risco de sangramento [5]. A comparação de enoxaparina com heparina não fracionada e varfarina encontrou que a enoxaparina foi superior a esses agentes. Quando comparada com fondaparinux, enoxaparina parece ser inferior, porém fondaparinux tem um maior risco de sangramento [6].
A medicação deve ser iniciada pelo menos 12 horas depois da cirurgia, mas alguns introduzem apenas após 24 horas. As doses mais estudadas são:
- Enoxaparina 30mg de 12/12 horas ou 40mg 1x/dia, via subcutânea.
- Rivaroxabana 10mg VO 1x/dia.
- Apixabana 2,5mg VO 12/12h.
- AAS 81 a 160mg VO 1x/dia.
Os anti-inflamatórios não esteroidais podem anular o efeito profilático do AAS, assim o AAS deve ser tomado 2 horas antes desses agentes se ambos forem utilizados em conjunto.
Nos pacientes de alto risco de sangramento, a compressão pneumática intermitente pode ser utilizada.
O que dizem as referências?
Não há consenso entre as principais fontes a respeito do tema.
Recentemente foi publicada no Journal of Bone and Joint Surgery uma diretriz com mais de 600 especialistas sobre esse tema [7]. Essa referência coloca AAS como melhor opção, considerando eficácia, segurança, facilidade de administração e custo efetividade.
Já o UptoDate coloca a enoxaparina ou DOAC como opção preferencial no período inicial, com a opção de utilizar AAS no período estendido.
Um dos maiores estudos que utilizou o AAS foi o EPCAT II [8]. Mais de 3000 pacientes que realizaram artroplastia de quadril ou joelho eletivas foram randomizados, após utilizar 5 dias de rivaroxabana, para AAS ou rivaroxabana por mais 9 (no caso de joelho) ou 30 dias (no caso de quadril). A taxa de TEV e sangramento foi similar entre os grupos. Os pacientes deste estudo tinham baixo risco de TEV e estavam deambulando 24 horas após a cirurgia.
Em geral, recomenda-se a profilaxia por 10 a 14 dias após a cirurgia. Em casos de artroplastia de quadril, pode-se prolongar esse período até o dia 30 a 35 de pós-operatório.
O que essa nova evidência acrescentou?
Incluindo mais de 9000 pacientes, o estudo CRISTAL randomizou centros que realizavam mais de 250 artroplastias por ano. Os pacientes realizaram artroplastia de quadril ou joelho eletivas e logo após a cirurgia utilizavam AAS ou enoxaparina. O desfecho avaliado foi trombose sintomática em até 90 dias, incluindo trombose venosa profunda acima e abaixo do joelho.
Ao final do estudo, o AAS foi inferior à enoxaparina. A inferioridade se deveu principalmente a trombose venosa profunda abaixo do joelho, um evento de significância clínica debatida na literatura.
A mortalidade no estudo foi pequena, independente do método utilizado (0,1% nos dois grupos). Apesar da inferioridade, a incidência de TEV acima do joelho e embolia pulmonar com AAS foi baixa. É possível que essa nova evidência não leve a um consenso, com argumentos razoáveis para uso das duas estratégias.
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