Fluidos na Pancreatite Aguda
Recentemente o New England Journal of Medicine publicou o Waterfall, um estudo sobre ressuscitação volêmica na pancreatite aguda [1]. Um tema muito discutido e com poucas evidências. Vamos ver o que essa nova evidência acrescentou e revisar o tópico.
Ressuscitação volêmica na pancreatite aguda
Pancreatite aguda (PA) grave é caracterizada por disfunção orgânica persistente e PA moderadamente grave por disfunção orgânica que reverte em até 48 horas. Essas formas da doença ocorrem em aproximadamente 35% dos pacientes. Estudos retrospectivos encontraram que nos estágios iniciais (dentro das primeiras 12 a 24 horas), a reposição de fluidos se associou a redução na morbidade e mortalidade.
A diretriz norte americana defende que a taxa ótima de infusão para reposição inicial de fluidos é de 5 a 10ml/kg/hora até atingir as metas de ressuscitação [2]. As metas preconizadas são as descritas abaixo:
- Frequência cardíaca < 120/min
- Pressão arterial média entre 65-85 mmHg
- Débito urinário > 0,5-1 ml/kg/h
- Hematócrito 35-44%
Considerando que comorbidades como insuficiência cardíaca precisam de individualização no manejo de fluidos, a taxa de infusão sugerida nestas diretrizes deve ser interpretada com cautela e adaptada à condição do paciente.
Ensaios randomizados e controlados comparando diferentes volumes de fluido intravenoso foram limitados pelo tamanho reduzido e por critérios de inclusão muito específicos, proporcionando resultados conflitantes.
O que o trabalho acrescenta?
O Waterfall foi um estudo multicêntrico, randomizado, controlado e aberto comparando a estratégia de ressuscitação volêmica agressiva e moderada na PA. A solução utilizada foi o ringer lactato.
Na modalidade agressiva, a ressuscitação consistia em um bolus de 20 ml/kg nas primeiras 2 horas seguido de 3 ml/kg/hora. No grupo moderado, fazia-se um bolus de 10 ml/kg nas primeiras 2 horas apenas em pacientes hipovolêmicos, seguidos de 1,5 ml/Kg/hora. Nos pacientes euvolêmicos não era realizado o bolus inicial, somente 1,5 ml/Kg/hora. Os pacientes eram avaliados em 3, 12, 24, 48 e 72 horas com ajustes necessários de fluidos.
O diagnóstico de PA era definido pelo critério de Atlanta revisado (veja tabela 1) [3]. O trabalho incluiu pacientes admitidos na emergência com até 24 horas do início da dor e diagnóstico em até 8 horas antes do recrutamento. Pacientes que na admissão já apresentavam critérios para PA moderadamente grave e grave foram excluídos.
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O desfecho primário era desenvolvimento de pancreatite aguda moderadamente grave e grave durante a hospitalização. O principal desfecho de segurança foi a sobrecarga hídrica. A amostra planejada para o trabalho eram 744 indivíduos com uma primeira análise interina após o recrutamento de 248 pacientes.
Pacientes do grupo de ressuscitação agressiva receberam uma mediana de 7,8 litros de Ringer lactato durante as primeiras 48 horas em comparação com os 5,5 litros no grupo de ressuscitação moderada.
O estudo foi interrompido na primeira análise interina devido às diferenças entre os grupos nos resultados de segurança sem um diferença na incidência de pancreatite moderadamente grave ou grave (22,1% no grupo de ressuscitação agressiva e 17,3% no grupo de ressuscitação moderada; risco relativo ajustado 1.30; IC 95% 0,78 a 2,18; p = 0,32). A sobrecarga hídrica ocorreu em 20,5% dos pacientes com ressuscitação agressiva comparado com 6,3% dos pacientes com ressuscitação moderada (risco relativo ajustado 2.85; IC 95% 1,36 a 5,94; p = 0.004). A duração média de hospitalização foi de 6 dias no grupo agressivo e 5 dias no grupo moderado.
Estes achados não suportam o atual manejo definido nas diretrizes, que recomendam o uso precoce de ressuscitação para o tratamento de pancreatite aguda. No entanto, o fato do trabalho ser encerrado na primeira análise interina confere um baixo poder para avaliar a eficácia desse desfecho em definitivo. Além disso, acredita-se que a exclusão de pacientes com alto risco para sobrecarga volêmica selecionou pacientes com doença leve.
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