Tratamento de Neurossífilis
Nos últimos anos há um aumento de casos de sífilis no Brasil [1]. A neurossífilis é uma manifestação rara em que se recomenda o tratamento com penicilina endovenosa, diferente do habitual com penicilina benzatina intramuscular. Existem esquemas alternativos com ceftriaxona ou doxiciclina, mas as diretrizes internacionais e nacionais dão preferência à penicilina. O tratamento endovenoso tem problemas como a necessidade de internação e via de administração, além do possível desabastecimento de penicilina como o que ocorreu de 2014 a 2017 [2]. Em 2021 foi publicado no Lancet um trabalho que compara ceftriaxona e penicilina no tratamento da neurossífilis [3]. Vamos aproveitar o artigo para revisar o tema.
O espectro da doença
A sífilis é dividida em três estágios: primária, secundária e terciária. Contudo, a neurossífilis tem uma divisão própria: precoce e tardia. O motivo é que a manifestação neurológica pode surgir em diversos estágios da doença, não só na sífilis terciária. As manifestações são as seguintes:
- Neurossífilis precoce: meningite assintomática, meningite sintomática, sífilis ocular, otossífilis, sífilis meningovascular e goma sifilítica de sistema nervoso central (veja figura 1).
- Neurossífilis tardia: paralisia geral, tabes dorsalis, meningovascular e goma sifilítica de sistema nervoso central.
Veja a descrição desta manifestações na tabela 1.
Como fazer o diagnóstico?
Na neurossífilis, os testes treponêmicos e os não treponêmicos séricos são positivos praticamente em todos os casos. A exceção são alguns casos de neurossífilis tardia em que os testes não treponêmicos podem estar negativos [4].
A principal ferramenta diagnóstica é a dosagem do VDRL no líquido cefalorraquidiano (LCR). VDRL positivo no LCR confirma o diagnóstico de neurossífilis. Já os testes treponêmicos no LCR, como FTA-ABs, têm seu uso restrito por sua baixa especificidade. Seu uso seria restrito à exclusão do diagnóstico pela alta sensibilidade (90-100%), mas essa afirmação já foi contestada [5]. O PCR para sífilis no LCR ainda está em estudo, não sendo recomendado o uso rotineiro.
Apesar do VDRL no LCR ser o principal teste diagnóstico, a sensibilidade é variável, em alguns estudos chegando a 27% [6]. Assim, um cenário possível é suspeitar de neurossífilis, o VDRL no LCR vir negativo e a suspeita ainda se manter. Nesses casos, a presença de pleocitose (> 5 células/microlitro) e/ou hiperproteinorraquia (> 45 mg/dL) favorecem o diagnóstico e o tratamento deve ser considerado [7]. Em pacientes com HIV a situação é mais desafiadora, pois o próprio HIV pode causar pleocitose, dificultando o diagnóstico nessa população.
O estudo
O tratamento recomendado atualmente para neurossífilis é com penicilina endovenosa [8]. A dose é de 18 a 24 milhões UI ao dia, divididas em doses de 3 a 4 milhões UI a cada 4 horas por 10 a 14 dias. O tratamento com ceftriaxona 2g/dia por 10 a 14 dias é considerado segunda linha. Essa recomendação não é baseada em estudos clínicos randomizados, mas na concentração treponemicida de penicilina em LCR e no tempo de replicação da bactéria.
O estudo publicado no Lancet avaliou retrospectivamente 208 pacientes com diagnóstico de neurossífilis tratados com ceftriaxona (42 pacientes) ou penicilina (166 pacientes). O desfecho primário foi alguma resposta clínica (parcial ou completa), tendo como desfechos secundários resposta completa em 1 mês, resposta sorológica em 6 meses e tempo de internação hospitalar.
Ceftriaxona foi superior a penicilina no desfecho primário. Os resultados foram similares nos desfechos secundários, com exceção de internação hospitalar em que a ceftriaxona resultou em menos dias de internação. O estudo foi retrospectivo, idealmente deve ser complementado com um estudo prospectivo randomizado. Apesar da ressalva, os resultados reforçam o uso de ceftriaxona como uma alternativa razoável à penicilina em pacientes com neurossífilis.
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