Controle Farmacológico de Sintomas
O tema da revisão do mês é controle farmacológico dos principais sintomas do dia a dia: dor, dispneia, náuseas e vômitos. Trazemos para você um manual de prescrição de medicamentos para esses problemas!
O que fazer antes de prescrever o medicamento para dor?
Os estudos sobre dor costumam dividir esse sintoma em tempo (aguda ou crônica) e causa (doença subjacente). Por exemplo, uma das dores mais estudadas é a dor relacionada ao câncer, que é uma síndrome por si só.
Nem sempre é possível definir o motivo exato da dor, sendo frequente não haver evidências claras que indiquem o melhor tratamento. Nesses casos, os especialistas em dor costumam utilizar um raciocínio fisiopatológico para orientar condutas. Esse tipo de raciocínio tem uma força menor do que quando há ensaios clínicos disponíveis [1]. Uma sugestão de classificação fisiopatológica pode ser vista na tabela 1. A escala The Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs (LANSS) é utilizada pelo Ministério da Saúde para liberação dos medicamentos para dor neuropática e traz as características desse tipo de dor.
Rótulos fisiopatológicos resumem mecanismos complexos de maneira grosseira, mas são úteis na sugestão de tratamentos, principalmente na dor crônica.
Quatro perguntas no manejo da dor
Uma abordagem prática é organizar o manejo em quatro perguntas iniciais:
- A dor é grave?
- Se for, trate logo antes da avaliação completa.
- Como é a dor?
- Descritores clínicos (localização, intensidade, qualidade, quando começou e duração, fatores de piora e melhora), ajudam a identificar a etiologia e, consequentemente, terapias direcionadas para aquele tipo de dor.
- É alguma síndrome específica?
- Dor relacionada ao câncer? Dor óssea? Dor neuropática?
- Existem outros fatores tratáveis piorando a dor?
- Ansiedade, depressão, estresse, náuseas, dispneia?
Além de tratar a causa, o manejo da dor aguda envolve medicamentos que funcionam independentemente da etiologia e fisiopatologia. Para algumas causas existem tratamentos específicos - como triptanos para enxaqueca, por exemplo.
Quadros moderados e fortes de dor exigem tratamentos agressivos, pulando etapas da escada de analgesia da Organização Mundial de Saúde (OMS). Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), paracetamol e dipirona são utilizados nos casos leves e moderados. AINEs devem ser evitados nos idosos e pacientes com doença renal, por conta de seus efeitos colaterais renais e gastrointestinais. Para mais detalhes dos AINEs, ouça nosso Episódio 147: Anti-inflamatórios. Dipirona é pouco estudada por ser banida em diversos países e, por aqui, acaba indicada pela grande experiência brasileira com essa droga.
Opioides são a terapia padrão para dores moderadas a graves. Quetamina em doses baixas pode ser utilizada em alguns casos. Outras modalidades como bloqueios nervosos e lidocaína tópica podem trazer benefícios adicionais [2]. Veja na tabela 2 as opções e as doses recomendadas.
Quais são os medicamentos indicados para dor crônica?
Uma dor que persiste ou recorre por mais de 3 meses é definida como crônica. A dor crônica deve ser tratada com terapia multimodal. Isso significa associar estratégias que agem sinergicamente em diferentes mecanismos para controlar o quadro.
Dores crônicas podem agudizar durante alguns períodos do dia, situação conhecida como breakthrough pain ou dor irruptiva. Esses momentos de agudização são o motivo para doses de analgésico de resgate, que não necessariamente devem levar à mudanças na dose diária total do medicamento. No tópico de opioides falaremos mais sobre esse tipo de dor.
A diferenciação entre dor nociceptiva e neuropática é importante, pois o manejo é diferente. Dores nociceptivas usualmente são tratadas com AINEs e analgésicos comuns (dipirona e paracetamol). Em dores neuropáticas, a primeira linha é o uso de antidepressivos (tricíclicos ou duais - duloxetina e venlafaxina), mesmo em pacientes sem depressão, ou gabapentinoides (pregabalina e gabapentina) [3]. Opioides também fazem parte da prescrição de dor neuropática rotineiramente [4]. A terapia tópica com lidocaína e capsaicina estão na segunda linha de tratamento.
Os canabinoides - tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) - estão sendo estudados e demonstraram eficácia nas dores neuropáticas, segundo revisão de Agosto de 2022 do Annals of Internal Medicine [5]. Ainda há muitos problemas com essa classe na regulamentação e padronização dos produtos.
Aproximadamente metade dos pacientes com dor neuropática usam duas ou mais drogas [6]. Veja na tabela 3 como prescrevê-las. Uma revisão da Cochrane encontrou que a combinação de duas drogas é mais efetiva do que a utilização de uma isoladamente. Não há indicação de uma combinação específica sobre outra [7].
Um ensaio clínico randomizado, de agosto de 2022 do Lancet, avaliou o melhor tratamento para neuropatia diabética. Pacientes que não responderam após 6 semanas de monoterapia com amitriptilina, pregabalina ou duloxetina, foram randomizados para associar uma das outras duas drogas. Todas as combinações reduziram a dor em mais de 50% e nenhuma foi superior [8].
Apesar da orientação baseada na fisiopatologia da dor, os quadros são complexos. Frequentemente há sobreposição entre mecanismos, o que permite tentar todos esses medicamentos, independentemente da fisiopatologia inferida.
O uso de opioides para dor crônica não oncológica é controverso e não é recomendado inicialmente. O benefício a longo prazo é semelhante às alternativas não opioides e os riscos de efeitos adversos e transtorno do uso de opioides prevalecem [9, 10]. Essa afirmação é influenciada pela crise de opioides dos Estados Unidos, onde o esforço para evitar a prescrição dessa classe é prioridade [11].
Casos específicos de dor crônica
Algumas evidências são específicas de determinadas síndromes. A dor crônica associada ao câncer é muito estudada, pois é um problema que acomete pelo menos 30% dos pacientes com neoplasias [12]. A maior arma nesses casos são os opioides, considerados agentes de “amplo espectro” que atuam em todo o tipo de dor. AINEs e paracetamol podem ter efeito adicional e reduzir as doses necessárias de opioides [13]. Também entram aqui as indicações específicas das dores neuropáticas, já comentadas.
Dentro da dor oncológica, a dor óssea metastática tem destaque por ser uma das mais comuns. As metástases podem levar a fraturas patológicas [14]. AINEs são usados frequentemente apesar da ausência de evidência de superioridade sobre outras opções [15]. Radioterapia está indicada na dor óssea metastática e corticoides podem ser associados, principalmente nas fraturas vertebrais [16]. Bisfosfonatos e denosumabe, drogas utilizadas para osteoporose, são indicados na prevenção da dor óssea e é controverso se têm efeitos analgésicos [17].
Síndromes obstrutivas que causam dor devem ser avaliadas pela equipe de cirurgia, pois a descompressão por cirurgia aberta ou stent pode ser uma opção.
Algumas dicas sobre os opioides
Os opioides são úteis para tratamento de dor, dispneia e tosse [18]. Sempre deve haver a ponderação sobre os benefícios do uso contra os riscos, como a adicção e efeitos colaterais. As melhores evidências no contexto da dor são para tratamento da dor crônica no paciente com câncer e na dor aguda.
Antes de prescrever um opióide, os seguintes passos precisam ser seguidos: o motivo da prescrição deve ser explicado para o paciente, o medicamento deve ser tomado de horário, doses de resgate devem ser prescritas e efeitos adversos previstos e prevenidos. Laxativos, por exemplo, devem ser prescritos para todos os pacientes em uso crônico de opioides [19]. A breakthrough pain é manejada com resgates de 1/6 a 1/10 da dose total diária e 3 resgates por dia indicam necessidade de ajuste da dose total diária [20].
As opções de opioides no Brasil e suas particularidades estão na tabela 4. Não existe evidência de superioridade de um sobre o outro em relação ao controle de dor. A escolha deve ser baseada em via, preço, disponibilidade, farmacologia e sua experiência com a droga. Na dor aguda, a prioridade é para opioides de liberação imediata (codeína, tramadol, morfina ou tapentadol), evitando a alta com a prescrição do opióide [21]. Na dor crônica, a titulação da dose efetiva é feita com apresentações de liberação imediata e depois a troca é feita para liberação prolongada (morfina, oxicodona, metadona e adesivos).
A receita A1, a amarela, é a utilizada para prescrição dos opioides. Tramadol, codeína e buprenorfina são exceções, pois são liberados com a receita C1, especial branca, a mesma dos antibióticos. Para mais detalhes dos opioides, ouça o Episódio 117: 4 Clinicagens sobre Opioides.
O que ficar de olho no paciente com dispneia?
A American Thoracic Society define dispneia como uma experiência subjetiva de desconforto ao respirar. É resultado de múltiplas interações fisiológicas, psicológicas e socioambientais, que devem ser avaliadas para que a causa seja tratada. Dispneia pode ser causada por hipoxemia, acidose, hipercapnia, alterações estruturais cardiopulmonares e anemia. Além disso, doenças psiquiátricas, como o transtorno do pânico, podem causar o sintoma [22].
Medicamentos para alívio da dispneia
Como qualquer sintoma, o tratamento se divide em drogas específicas para a causa - como furosemida na congestão - e terapias inespecíficas que aliviam o sintoma [23-25].
Oxigênio é a terapia padrão para pacientes hipoxêmicos no repouso ou que dessaturam aos mínimos esforços. Para pacientes não hipoxêmicos, ou seja, com pO2 > 55 mmHg, não houve benefício da suplementação de oxigênio em comparação com ar por cânula nasal [26]. Há debate sobre o possível uso em pacientes mais ansiosos e que valorizam essa intervenção. A melhora da dispneia nesses pacientes é provavelmente explicada por efeito placebo ou pela simples passagem de um gás pelas vias aéreas. O uso de ventiladores no rosto reduziu a dispneia em ensaio clínico randomizado [27].
Independente da causa, os opioides podem ser usados para alívio da dispneia a nível central. Morfina e codeína são os dois mais estudados nesse cenário. Os estudos com morfina têm origem em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Pacientes utilizaram até 30 mg de morfina por dia, via oral, com melhora do sintoma e sem impactos negativos na mortalidade ou hipercapnia [28]. Vem daí a orientação do uso de morfina 5 mg a cada 4 horas ou 2 mg EV a cada 4 horas. Essa dose é considerada baixa em comparação com as doses utilizadas para dor. Especialistas sugerem que a dose diária pode ser aumentada além do teto de 30 mg. Deve-se ter cuidado com os pacientes de maior risco de hipercapnia por hipoventilação, como na apneia do sono e uso concomitante de benzodiazepínicos.
Benzodiazepínicos não são indicados de rotina, pois não há evidências claras de benefício [29]. O uso pode ser considerado nos pacientes com ansiedade intensa. Há risco de hipoventilação quando associados com opioides.
Náuseas e Vômitos
Existem muitas explicações fisiopatológicas para náuseas e vômitos. Não há evidência de que o tratamento baseado na fisiopatologia inferida seja melhor do que o tratamento empírico. Apesar disso, esse tipo de raciocínio frequentemente guia as opiniões dos especialistas.
A figura 1 resume os complexos mecanismos por trás desse sintoma. Os receptores associados às náuseas e vômitos são principalmente os seguintes: dopaminérgico, serotoninérgico (5 HT3), NK1, colinérgico muscarínico e de histamina. Além disso, receptores canabinoides agem inibindo o vômito [30]. Náuseas parecem ser causadas por vias diferentes dos vômitos, assim, nem sempre um medicamento que trata vômitos consegue controlar bem as náuseas.
Veja agora algumas recomendações para situações clínicas específicas em que há diretrizes de sociedades! A tabela 5 indica os principais antieméticos por grupos farmacológicos.
Para náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, drogas antagonistas dos receptores 5-HT3 (ex.: ondansetrona) e NK1 (ex.: aprepitanto) são as preferidas [31]. Essas medicações podem ser associadas à olanzapina e corticoides como estratégia adicional de controle do sintoma [32]. Quando as náuseas são causadas por radioterapia, drogas antagonistas 5-HT3 e antidopaminérgicas (ex.: metoclopramida, haloperidol) devem ser escolhidas [33].
Segundo o Multinational Association of Supportive Care in Cancer (MASCC), os antieméticos de primeira linha para pacientes com câncer avançado são a metoclopramida e o haloperidol, seguidos de olanzapina como segunda escolha [34].
Canabinoides são opção nos casos refratários às terapias iniciais, principalmente após quimioterapia [35]. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) ainda considera as evidências insuficientes para a prescrição de canabinoides para prevenção das náuseas induzidas por quimioterapia [36].
Para náuseas ocasionadas pelo movimento, anti-histamínicos (ex.: meclizina) e anticolinérgicos (ex.: escopolamina) são as drogas de escolha.
Dispepsia, gastroparesia e constipação podem causar ou agravar náuseas e vômitos e devem ser sempre pesquisados.
Existem muitas situações com tratamentos específicos e não é possível mencionar todas na revisão. Resumimos na tabela 6 as sugestões da Academia Americana de Medicina da Família para tratamento de náuseas e vômitos em diferentes cenários [37].
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