Piúria, Bacteriúria e Delirium

Criado em: 07 de Novembro de 2022 Autor: Frederico Amorim Marcelino

O diagnóstico de infecção do trato urinário (ITU) pode ser feito sem o exame de urina se os sintomas forem clássicos. Contudo, se os sintomas forem atípicos ou naqueles com dificuldade em demonstrar seus sintomas, existe dúvida sobre o papel dos exames de urina. Nesse contexto, trouxemos um estudo publicado em setembro de 2022 no American Journal of Medicine sobre a correlação entre piúria e bacteriúria [1].

Piúria

Os métodos principais para avaliar leucócitos na urina são a esterease leucocitária, a detecção por microscopia e a hemocitometria.

A esterase leucocitária faz parte da fita reagente de urina (dipstick), uma das etapas habituais do exame de urina. O resultado é medido em cruzes. A detecção por microscopia é descrita como leucócitos por campo (high power field) e a hemocitometria como leucócitos por microlitro ou mililitro.

A definição de piúria é de mais de 5 leucócitos por campo, mais de 10 leucócitos por microlitro ou de 10.000 leucócitos por mililitro, mas há variação dos cortes na literatura.

Piúria é uma alteração comum em ITU, mas também pode ocorrer em pacientes com bacteriúria assintomática. O achado está presente em 32% de mulheres na pré-menopausa, 76% de mulheres diabéticas, 90% de pacientes institucionalizados e 90% de pacientes em hemodiálise [2].

O estudo que motivou este tópico tentou avaliar se a presença de piúria está associada à bacteriúria. Foram avaliados retrospectivamente 46.127 adultos com diagnóstico de infecção urinária em prontuário. Os resultados de microscopia urinária foram estratificados em 0-5, 5-10, 10-25 e mais de 25 células por campo. Os intervalos se correlacionaram com bacteriúria de maneira crescente com 25.4%, 28.2%, 33% e 53,8% de culturas positivas respectivamente. O estrato que melhor se correlacionou com bacteriúria foi o de mais de 25 células por campo, com sensibilidade de 57,67% e especificidade de 67,24%.

Diante dos resultados, o autor traz três conclusões:

  • A presença de piúria tem baixa especificidade e sensibilidade para predizer bacteriúria
  • Piúria isoladamente é um teste inadequado para diagnosticar infecção do trato urinário
  • O melhor corte encontrado para predizer bacteriúria é de mais de 25 células por campo

Piúria estéril significa piúria na ausência de bacteriúria. Doenças infecciosas diferentes da ITU habitual - como tuberculose urinária e uretrite por Chlamydia - assim como doenças inflamatórias - como nefrite intersticial e neoplasias - podem ocasionar piúria estéril [3].

Bacteriúria

Bacteriúria pode fazer parte do diagnóstico de ITU e pode ocorrer em outros cenários.

Bacteriúria assintomática significa o crescimento de bactérias na urocultura de um paciente assintomático. Bacteriúria está presente em 3-5% das mulheres em idade fértil, 10-16% das mulheres com diabetes, 15-50% dos pacientes institucionalizados e quase 100% dos pacientes com cateter vesical há mais de 1 mês [4, 5].

Existe recomendação pela diretriz de 2019 da Infectious Disease Society of America (IDSA) de rastreio e tratamento de bacteriúria assintomática em 2 cenários: gestantes e pacientes que realizarão procedimentos urológicos. Em gestantes, o tratamento previne pielonefrite e possivelmente baixo peso ao nascer. Em procedimentos urológicos associados a trauma de mucosa (cirurgia transuretral da próstata ou bexiga, litotripsia, etc), o tratamento previne ITU febril no pós-operatório.

Em pacientes com transplante renal, existe uma dúvida sobre o benefício do tratamento de bacteriúria assintomática. A diretriz de 2019 da American Society of Transplantation (AST) recomenda não realizar o rastreio e tratamento em pacientes transplantados de órgão sólidos [6].

Delirium e infecção urinária

Os sintomas típicos de ITU são: disúria, polaciúria e urgência miccional. Dor suprapúbica pode ocorrer na cistite e dor em flancos, febre, astenia, náuseas e vômitos na pielonefrite.

É comum considerar o diagnóstico de ITU em pacientes idosos com delirium, mesmo na ausência de sintomas típicos. O tratamento de pacientes em delirium sem sintomas urinários ou infecciosos e com bacteriúria foi associado a baixa recuperação funcional e aumento de tempo de hospitalização [7, 8]. O uso de urocultura também não auxiliou na investigação de sintomas inespecíficos em idosos [9]. A própria diretriz da IDSA de 2019 recomenda não pesquisar bacteriúria em idosos com alteração cognitiva e/ou funcional sem sintomas geniturinários ou infecciosos [10].

Em pacientes com delirium sem sintomas urinários ou com sintomas inespecíficos, outras etiologias além de ITU devem ser buscadas. Os achados de piúria e bacteriúria parecem não auxiliar nesses cenários.

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