Linfoma de Burkitt
O linfoma de Burkitt é um linfoma agressivo com manifestações clínicas expressivas. Aproveitando uma revisão recente do New England Journal of Medicine, vamos passar pelos principais pontos dessa doença [1].
Epidemiologia
O linfoma de Burkitt (LB) é um linfoma de células B altamente agressivo. O LB responde por 1 a 2% dos pacientes com linfoma, sendo uma das neoplasias de proliferação mais rápida. A característica citogenética é a translocação e desregulação do gene MYC no cromossomo 8.
Um marco na história do LB foi a percepção de um maior número de casos na África equatorial. Isso indicava um fator ambiental na epidemiologia da doença. Pesquisando esse agrupamento de casos, descobriu-se a relação do vírus de Epstein Barr (EBV) e malária com esse linfoma.
Existem três variantes de LB, de acordo com a epidemiologia e a clínica:
- Endêmica: relacionada com locais de maior prevalência de malária e EBV. O acometimento principal é em mandíbula, órbita e abdome.
- Esporádica: o acometimento principal é o abdominal, podendo causar obstrução intestinal, perfuração ou simular apendicite. Acomete o sistema nervoso central (SNC) e medula óssea com maior frequência do que a variante endêmica, porém em menor proporção do que a variante relacionada a imunodeficiência
- Relacionado a imunodeficiência: associado principalmente com HIV. Representa 40% de todos os linfomas nesses pacientes. Um marco é a presença de um CD4 acima de 200 cel/μL. As principais manifestações são linfonodomegalia, invasão do SNC e medula.
Como fazer a avaliação?
O quadro clínico de um LB geralmente é exuberante. Linfonodomegalias formando conglomerados, espessamento intestinal ou acometimento de vísceras com infiltração hepática ou esplênica são comuns. Há risco elevado de síndrome de lise tumoral e perfuração gastrointestinal. Linfonodomegalias de crescimento rápido podem causar obstrução biliar, ureteral ou intestinal. No tórax, além de linfonodomegalias, também pode ocorrer infiltração da pleura e do pericárdio.
O acometimento do SNC ocorre em 15 a 20% dos pacientes. O mais comum é ocorrer infiltração de leptomeninges. Essa apresentação está relacionada com pior sobrevida e maior chance de recidiva da doença.
O índice internacional de prognóstico no linfoma de Burkitt inclui 4 fatores:
- Idade maior que 40 anos
- Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) de 2 ou mais (escala de avaliação de performance status)
- Lactato desidrogenase (LDH ou DHL) acima de 3x o valor de referência
- Acometimento do sistema nervoso central
A ausência de todos esses fatores está relacionado com sobrevida de 96 a 98% em três anos. Já a presença de dois ou mais fatores - o que caracteriza alto risco - confere sobrevida de 58 a 64% em três anos.
Quais exames devem ser solicitados?
Além de hemograma e pesquisa de disfunções orgânicas, lactato desidrogenase (LDH ou DHL) e ácido úrico devem ser solicitados devido à possibilidade de síndrome de lise tumoral espontânea. Sorologias para HIV, hepatite B e hepatite C também são necessárias devido a correlação dessa doença com imunodeficiência adquirida.
A avaliação diagnóstica passa por uma biópsia excisional ou biópsia de agulha grossa (core biopsy). A cirurgia não deve ser extensa ou com intuito de retirar todo o material neoplásico. Uma lenta recuperação cirúrgica pode atrasar o início da quimioterapia, tratamento que é mais efetivo nessa doença.
Tomografia computadorizada do corpo inteiro é necessária para estadiamento. Na presença de sintomas neurológicos, a realização de ressonância magnética de crânio ou neuroeixo deve complementar a avaliação. Também é necessário investigar a medula óssea com biópsia e mielograma e analisar o líquido cefalorraquidiano, já que a presença de invasão neoplásica nesses locais pode influenciar o esquema terapêutico.
A tomografia com emissão de pósitrons (PET-CT) pode auxiliar no estadiamento, mas a sua realização não deve atrasar o tratamento. Esse exame é a modalidade de escolha quando há suspeita de doença refratária ou recidivante.
O esquema terapêutico inclui antracíclicos, medicações sabidamente cardiotóxicas. Assim, como avaliação pré-quimioterapia, é necessário um ecocardiograma.
Como é feito o manejo?
A terapia depende do estadiamento da doença e do acometimento do SNC.
A terapia quimioterápica sistêmica ideal ainda não foi definida. Além de terapia sistêmica, também é realizado terapia intratecal, individualizando a dose entre terapêutica ou profilática a depender do acometimento do SNC.
Entre os esquemas quimioterápicos utilizados estão:
- R-CODOX-M/IVAC - ciclofosfamida, vincristina, doxorrubicina, metotrexato (CODOX) e ifosfamida, citarabina, etoposídeo e metotrexato intratecal (IVAC)
- DA-EPOCH-R (Dose Ajustada - etoposídeo, prednisona, vincristina, ciclofosfamida, doxorubicina + rituximabe)
A cirurgia tem o papel de corrigir complicações geradas pelos conglomerados linfonodais, sem impedir o início precoce do tratamento quimioterápico.
O manejo inicial de suporte inclui profilaxia e vigilância para síndrome de lise tumoral, profilaxia para infecções oportunistas e suporte transfusional. Os principais eventos adversos das medicações utilizadas estão sumarizados na tabela 1.
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