Nova Medicação para Lúpus Eritematoso Sistêmico
Em setembro de 2022, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou um artigo sobre uma nova terapia para tratamento do lúpus eritematoso sistêmico (LES), o litifilimabe [1]. Vamos ver o que essa nova evidência acrescentou e revisar o tratamento de LES.
Como é o manejo não farmacológico de lúpus?
A exposição à luz ultravioleta (UV) pode exacerbar ou induzir manifestações sistêmicas de lúpus eritematoso sistêmico (LES) [2]. A maioria dos pacientes deve evitar a exposição à luz solar direta ou refletida e outras fontes de luz UV - como luzes fluorescentes e halógenas.
A orientação é usar protetores solares que bloqueiam tanto UV-A quanto UV-B e têm um fator de proteção solar (FPS) ≥ 55. Os medicamentos que podem causar fotossensibilidade também devem ser evitados em pacientes com LES (veja alguns exemplos na tabela 1).
As imunizações devem ser administradas antes de terapias imunossupressoras. As recomendações para vacinação de pacientes com doenças reumáticas sistêmicas que recebem imunossupressores estão resumidas nesta tabela da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM).
A vacinação contra o Sars-CoV-2 é recomendada para esses pacientes. As vacinas contra influenza e pneumococo são seguras, mas os títulos de anticorpos são um pouco menores nos pacientes com LES [3, 4]. A vacina quadrivalente contra o papiloma vírus humano (HPV) também é segura e razoavelmente eficaz em pacientes com LES estável, sem aumentar a atividade da doença ou crises [5]. A vacina contra a hepatite B também parece ser segura [6].
O uso de corticóides ou outros agentes imunossupressores pode contribuir para a resposta reduzida na titulação de anticorpos após imunizações.
Como é o tratamento farmacológico?
A escolha do tratamento para LES depende do sintoma predominante, envolvimento sistêmico, resposta prévia a terapias e atividade de doença. Nesse tópico vamos focar na hidroxicloroquina (HCQ) e nas terapias contra linfócitos B.
HCQ é indicada para todos os pacientes com LES independente da gravidade ou atividade de doença. A dose diária de HCQ não deve exceder 5 mg/kg, pois as evidências atuais sugerem que a toxicidade é bastante reduzida com doses abaixo desse limite.
O risco de retinopatia por HCQ é a principal preocupação no uso prolongado, com prevalência superior a 10% após 20 anos de uso contínuo. Além de dose elevada e uso prolongado, os principais fatores de risco são doença renal crônica e doença retiniana/macular pré-existente. A retinopatia pode ser evitada com doses adequadas e monitoramento anual em pacientes com alto risco e a cada 5 anos em pacientes com baixo risco.
O belimumabe é um medicamento que bloqueia a proteína estimuladora de linfócitos B, reduzindo a atividade dessas células. A medicação deve ser considerada em doença extrarrenal com controle inadequado e incapacidade de reduzir a dose de corticoide. Os preditores de resposta ao belimumabe são alta atividade de doença, dose de prednisona >7.5 mg/dia e atividade sorológica (C3/C4 baixos e anti-DNAds em altos títulos) com manifestações cutâneas e/ou musculoesqueléticas [7-9].
O rituximabe (RTX) é um anticorpo monoclonal contra o antígeno CD20, funcionando com um depletor de linfócitos B. O seu papel no tratamento de LES permanece indefinido. Os ensaios clínicos EXPLORER e LUNAR não encontraram benefícios significativos em comparação ao placebo [10, 11]. Limitações no desenho dos estudos podem ter impedido a determinação de um benefício. Por outro lado, estudos não controlados e uma revisão sistemática encontraram benefício em pacientes com doença refratária [12].
Devido aos resultados negativos dos ensaios randomizados controlados, atualmente o RTX é usado off-label em pacientes com doença renal ou extrarrenal grave refratária a outros imunossupressores. Em geral, mais de um imunossupressor precisa ter falhado antes da administração de RTX. Trombocitopenia autoimune grave e anemia hemolítica são exceções, situações em que RTX demonstrou eficácia tanto em LES quanto em pacientes com trombocitopenia imune isolada [13, 14].
O que o trabalho acrescenta?
O LILAC é um estudo de fase 2 que avaliou o litifilimabe em pacientes com lúpus cutâneo e sistêmico. Nesse tópico será explorado o resultado do segmento que estudou os pacientes com lúpus sistêmico.
O litifilimabe é um anticorpo que se liga ao antígeno de células dendríticas sanguíneas 2 (BDCA2), um receptor de superfície encontrado exclusivamente em células dendríticas plasmocitóides. Ligando-se ao receptor, a droga reduz a produção de interferon tipo 1 e citocinas.
O estudo randomizou 132 pacientes com LES para receber litifilimabe nas doses de 50, 150 ou 450mg ou placebo. O desfecho primário inicial era a melhora no escore CLASI-A [15] - uma escala de atividade cutânea - na semana 12, sendo alterado para mudança no número total de articulações acometidas na semana 24 de acordo com DAS28.
A média total de número de articulações acometidas no desfecho primário foi 19 no grupo que utilizou 450mg de litifilimabe e 21.6 no placebo. Na semana 24, a diferença média no número total de articulações acometidas no grupo intervenção comparado ao placebo foi –3.4.
Os desfechos secundários não apoiaram os achados principais. Os eventos adversos foram mais comuns no grupo litifilimabe, incluindo dois casos de herpes zoster e um de ceratite herpética.
Dados adicionais a longo prazo são necessários para determinar a segurança e eficácia do litifilimabe para o tratamento do LES. Os resultados motivam mais pesquisas para aumentar as opções terapêuticas para LES.
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