Colonoscopia no Rastreio de Câncer de Cólon
A colonoscopia é um método utilizado para rastreio de câncer de cólon, mas seus efeitos em reduzir riscos ainda geram discussões. Em outubro de 2022, foi publicado no New England Journal of Medicine o estudo NordICC, avaliando o impacto da colonoscopia nesse contexto [1]. Vamos ver os achados do estudo e rever o tema.
Como é feito o rastreio hoje?
Neoplasia de cólon é o terceiro câncer mais comum do mundo e o segundo em mortalidade. A maioria das neoplasias de cólon tem uma fase inicial de pólipo que pode ser detectado e removido na colonoscopia. Assim, esse exame sempre foi considerado muito efetivo no rastreio.
O nível de recomendação da United States Preventive Service Task Force (USPSTF) sobre rastreio de neoplasia do cólon é a seguinte:
- 50 a 75 anos - Recomendação A
- 45 a 49 anos - Recomendação B
- 76 a 85 anos - Recomendação C - Selecionar com cuidado o paciente, já que o benefício populacional é pequeno. É preciso considerar as condições de saúde do paciente, história prévia de rastreio e preferências.
Os métodos de rastreios estudados são a colonoscopia, retossigmoidoscopia e detecção de sangue nas fezes. Os detalhes de cada indicação estão na tabela 1. Discutimos as medidas de rastreio no Episódio 106: 4 Clinicagens de Rastreio de Câncer Colorretal.
O que é preciso para o rastreio?
Para realizar um rastreio, independente da doença, algumas condições precisam ser preenchidas:
- A doença tem que ser relativamente comum - é difícil fazer rastreio de condições raras.
- A história natural deve ser bem conhecida - a doença precisa ter uma fase precoce e que ao fazer o diagnóstico nessa etapa, seja possível reduzir morbidade e mortalidade.
- Método de rastreio de alta sensibilidade - é esperado que um exame de rastreio tenha uma taxa de falso negativos baixos.
- Método de rastreio tolerável - espera-se que muitos exames sejam normais em um rastreio populacional, por isso objetiva-se um método fácil de fazer e com pouco desconforto
- Os benefícios do rastreio devem ultrapassar os malefícios - alguns exames podem causar danos aos pacientes (sangramento, perfuração, bacteremia).
Sobre o estudo
O trial NordICC é um trabalho pragmático feito na Polônia, Noruega, Suécia e Holanda. Eles selecionaram pessoas entre 55 e 64 anos de idade e que nunca tinham feito o rastreio antes. Os pacientes eram randomizados em dois grupos: os que recebiam o convite para fazer a colonoscopia e os que não recebiam o convite. Os desfechos primários foram diagnóstico de adenocarcinoma colorretal e morte por neoplasia colorretal em uma média de seguimento de 10 a 15 anos.
O estudo envolveu 84.585 participantes. O grupo que recebeu o convite para colonoscopia teve 28.220 pessoas e 42% realizaram o procedimento. Câncer colorretal e adenomas foram encontrados em 0,5% e 30% das colonoscopias, respectivamente. Não houve casos de óbitos ou cirurgias relacionados ao procedimento.
O risco em 10 anos de diagnóstico de adenocarcinoma colorretal foi de 0,98% no grupo convite e 1,20% no grupo controle, resultando em um risco relativo de 0,82 (intervalo de confiança 0,70 a 0,93). O número necessário de colonoscopias para diagnosticar uma neoplasia é de 455. O risco de óbito por adenocarcinoma colorretal não teve diferença entre os grupos estudados.
Problemas do estudo
A ausência de diferença de mortalidade por câncer colorretal criou uma dúvida no valor do rastreio.
O estudo avaliou o convite da colonoscopia e não a colonoscopia em si. Isso é claro na baixa taxa de realização do exame (42%). Ao fazer a análise apenas das pessoas que de fato fizeram a colonoscopia - ao invés de todos que receberam o convite - a diferença estatística de risco de diagnóstico aumenta, assim como a de risco de óbito, que passa a ser significativa. Esse tipo de análise é chamada de "análise por protocolo".
Outra questão é que a colonoscopia é um exame que depende do operador. A taxa de detecção de adenomas é um parâmetro para avaliar se o operador tem um bom desempenho na colonoscopia. O editorial do NEJM pontua que 29% dos endoscopistas envolvidos nesse estudo tinha uma taxa de detecção de adenomas menor que o limite mínimo recomendado de 25% [2].
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