Psilocibina para Depressão Resistente
Depressão resistente é um desafio de tratamento. Muitas pesquisas têm estudado os alucinógenos nesse contexto. Um estudo de fase 2 publicado em novembro no New England Journal of Medicine (NEJM) testou várias doses de psilocibina, um alucinógeno presente em cogumelos, para depressão resistente [1]. Vamos revisar esse tema e ver os resultados do trabalho.
O que é psilocibina?
Psilocibina é um alcalóide encontrado em vários cogumelos. Alguns desses cogumelos são conhecidos como “cogumelos mágicos” por suas características alucinógenas derivadas da psilocibina e da psilocina - um metabólito da psilocibina.
A psilocibina exerce seu efeito psicodélico através da interação com receptores de serotonina do tipo 2A. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina disponíveis não são agonistas diretos desse receptor.
Sintetizadas e isoladas em 1958, psilocibina e psilocina foram inicialmente recebidas com entusiasmo. As propriedades alucinógenas eram vistas como uma ferramenta de estudo e tratamento de transtornos mentais. Contudo, por conta de eventos adversos e questões políticas e culturais, as pesquisas ficaram paradas por décadas [2].
Os últimos anos mostraram resultados encorajadores no uso de substâncias psicodélicas no tratamento de depressão, ansiedade, transtorno de uso de substâncias e cuidados paliativos [3].
O que já existe de evidência?
Um estudo aberto publicado no Lancet em 2016 testou a psilocibina em depressão resistente [4]. Esse estudo preliminar não teve grupo controle e contou com apenas 12 pacientes. Duas doses de psilocibina foram administradas - uma de 10 e outra de 25 mg - separadas por 7 dias. Os efeitos psicodélicos agudos eram percebidos 30 a 60 minutos após a dose, com o pico em 2 a 3 horas e se resolviam em 6 horas. Todos os pacientes tiveram ansiedade transitória no início de ação da droga, além de outros efeitos temporários. Não aconteceram eventos graves. Os sintomas depressivos melhoraram em 1 semana e 3 meses.
Em 2021, o NEJM publicou um artigo comparando escitalopram e psilocibina em depressão moderada a grave [5]. Envolvendo 59 pacientes no total, o grupo psilocibina recebia duas doses de 25mg separadas por 3 semanas. A melhora dos sintomas depressivos foi similar entre os grupos. Os desfechos secundários favoreceram a psilocibina, porém não foram ajustados para múltiplas comparações.
Outros trabalhos testaram psilocibina no mesmo contexto [6]. Alguns estudos usaram como critério de exclusão história de psicose, tentativa de suicídio grave e transtorno de uso de substâncias. As sessões em que a psilocibina era administrada duravam até 8 horas em um estudo.
O que o trabalho encontrou?
Esse estudo randomizado duplo-cego de fase 2 tinha como objetivo avaliar a eficácia e segurança de várias doses de psilocibina sintética. O trabalho incluiu 223 participantes, todos com depressão resistente.
Os pacientes foram distribuídos em 3 grupos conforme a dose de psilocibina - 1, 10 ou 25 mg. Apenas uma dose era administrada em uma sessão que durava de 6 a 8 horas. Nas sessões, os pacientes eram acompanhados por um terapeuta, ouviam uma playlist desenvolvida para o estudo e usavam viseiras para direcionarem sua atenção internamente.
O grupo 25mg teve melhora dos sintomas em 3 semanas. Os grupos 10mg e 1mg não mostraram melhoria significativa dos sintomas depressivos em 3 semanas. A resposta obtida com 25 mg não se sustentou até a semana 12.
Eventos adversos ocorreram em 77% dos participantes, sendo a maioria leves, como cefaleia, nauseas e vertigem. Dois pacientes no grupo 10mg e 25mg apresentaram ideação suicida.
Perspectivas
Alguns vieses afetam as pesquisas com psicodélicos. O poder dos estudos é limitado, faltam comparações com placebo ou antidepressivos já aprovados, monitorização breve e dificuldade em cegar os participantes por conta dos intensos efeitos alucinógenos.
Dúvidas logísticas também surgem. Os protocolos dos estudos exigem recursos. As sessões demoram e exigem treinamento específico do terapeuta. Caso essas substâncias sejam um dia aprovadas, a regulação não será simples.
O interesse no campo é alto e muitas dúvidas ainda existem. Trabalhos com mais pacientes e maior tempo de seguimento, comparando com tratamentos existentes, são necessários. Além disso, existem pesquisas na tentativa de desenvolver antidepressivos que interagem com o receptor 2A de serotonina sem causar efeitos alucinógenos.
Aproveite e leia:
Antidepressivos
Os antidepressivos formam uma classe de medicamentos diversa, usados mais comumente para tratar depressão e outras doenças psiquiátricas. O Brasil é um dos países mais atingidos por depressão e ansiedade e o uso dessas medicações cresce progressivamente. Esta revisão aborda a prescrição, efeitos colaterais, suspensão, troca e escolha entre os antidepressivos mais comuns.
Dermatite de Estase
Dermatite de estase é uma doença inflamatória comum, que acomete os membros inferiores. Pode haver dificuldade para diferenciar de outras condições como as infecções de pele. Este "síndrome e cenários" revisa a condição e seu tratamento.
Bicarbonato na Doença Renal Crônica
Foi publicada em abril de 2024 a diretriz de doença renal crônica do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). Não houve recomendação de reposição de bicarbonato de sódio para acidose metabólica por ausência de ensaios clínicos grandes que embasam o uso. Essa mudança revisita a pergunta: será que tem evidência para uso do bicarbonato na doença renal crônica? Este tópico revisa o assunto.
Varfarina: Bulário e Quando Preferir em Relação aos DOACs
A varfarina é um anticoagulante antagonista da vitamina K. Ela atua inibindo os fatores de coagulação dependentes desse nutriente: proteína C, proteína S e fatores de coagulação II, VII, IX e X. Os anticoagulantes orais diretos (DOAC) são a primeira escolha em muitas situações, mas a varfarina ainda tem espaço na prática. Uma recente revisão do Journal of the American College of Cardiology avaliou essa questão e um ensaio clínico de janeiro de 2024 publicado no Circulation estudou a varfarina em indivíduos frágeis. Este tópico revisa o uso atual de varfarina.
Anemia Ferropriva
A deficiência de ferro é a causa mais comum de anemia no mundo. A anemia ferropriva tem impacto em todos os países, afetando especialmente crianças, mulheres em idade reprodutiva e pessoas com doenças crônicas. Esta revisão aborda as manifestações clínicas, diagnóstico laboratorial e tratamento desta condição