Atualizações no Tratamento de Doença Arterial Obstrutiva Periférica
Em novembro deste ano, o New England Journal of Medicine publicou o artigo BEST-CLI comparando as estratégias de revascularização na doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) [1]. Vamos ver o que essa nova evidência acrescentou e revisar o tópico.
Qual é o tratamento não farmacológico de DAOP?
O exercício supervisionado é a terapia de primeira linha para melhorar a capacidade de caminhada em pessoas com DAOP. O uso supervisionado de esteira é a terapia com exercícios mais estudada nesta população [2].
O exercício supervisionado melhora significativamente o teste de caminhada de 6 minutos e a qualidade de vida. Três ensaios clínicos randomizados com exercícios de caminhada em casa melhoraram a capacidade de caminhada, medida pelo teste de caminhada de 6 minutos e o desempenho da caminhada em esteira, em comparação com um grupo controle que não fez exercícios [3-5].
Existem alguns obstáculos na implementação dessa medida, especialmente logísticos. Destaca-se a falta de centros médicos com supervisão de exercício, os custos associados e as repetidas visitas ao centro médico.
Qual é o tratamento farmacológico e o papel do cilostazol?
O cilostazol é um inibidor da fosfodiesterase que suprime a agregação plaquetária e atua como vasodilatador arterial direto. A dose utilizada é 100 mg duas vezes ao dia.
Os efeitos colaterais observados são cefaleia, diarreia, tontura e palpitações. O medicamento é contraindicado na insuficiência cardíaca de qualquer gravidade, uma comorbidade frequente em pacientes com DAOP [6].
Uma meta-análise mais recente encontrou que o cilostazol melhora a distância caminhada em pessoas com claudicação intermitente por DAOP, embora haja um aumento nos efeitos colaterais [7]. Atualmente não há dados suficientes sobre o benefício do cilostazol em mortalidade por todas as causas e eventos cardiovasculares ou em uma melhora na qualidade de vida.
Apesar do benefício do cilostazol em claudicação intermitente, o mesmo não se aplica no cenário de isquemia crítica - definida por insuficiência arterial com dor em repouso, úlcera isquêmica não cicatrizada ou gangrena. A diretriz recente da Sociedade de Cirurgia Vascular afirma que na ausência de evidências robustas em pacientes com isquemia crítica, não há provas suficientes de que o cilostazol melhore os resultados clínicos nesse quadro [8].
Veja na tabela 1 a recomendação da última diretriz da American College of Cardiology/American Heart Association quanto à terapia antiplaquetária, estatina e demais cuidados nos pacientes com DAOP [9].
Qual é o tratamento cirúrgico?
As diretrizes da American College of Cardiology/American Heart Association e da Sociedade de Cirurgia Vascular recomendam a revascularização como tratamento de primeira linha para casos refratários de DAOP.
A orientação de reservar a revascularização para casos refratários baseia-se em dados mostrando baixa probabilidade de perda de membros em DAOP leve e que a melhoria de sintomas a longo prazo com a intervenção pode ser limitada [10]. O trabalho IRONIC observou que, após 5 anos de acompanhamento, a revascularização por claudicação perdeu qualquer benefício precoce e não resultou em melhora da qualidade de vida a longo prazo quando comparada com a terapia não invasiva [11].
A técnica da intervenção é alvo de disputa. Em um grande estudo observacional, a intervenção percutânea em comparação com a revascularização aberta foi associada com redução da mortalidade hospitalar, do tempo de permanência e do custo de hospitalização, apesar de taxas similares de amputação maior (amputação acima do tornozelo) [12]. Com o uso crescente de intervenções percutâneas, a reestenose após angioplastia é um obstáculo contínuo.
Entretanto, ainda há um grande debate sobre a eficácia da cirurgia aberta versus intervenção endovascular para o tratamento de DAOP. O ensaio clínico randomizado BASIL encontrou resultados semelhantes no tempo livre de amputação e qualidade de vida entre as duas estratégias, com maior custo no grupo cirurgia [13].
O que o trabalho acrescenta?
O BEST-CLI é um estudo multicêntrico, randomizado, cujo o desenho visava determinar se a revascularização endovascular é superior à revascularização cirúrgica - bypass/enxerto vascular - em pacientes com isquemia crítica de membros inferiores (ICMI) causada por DAOP infrainguinal.
O randomização dos 1830 pacientes ocorreu em duas coortes, na proporção 1:1. Na coorte 1 havia possibilidade de usar a veia safena magna e na coorte 2 foi usada alguma veia alternativa. Foram incluídos pacientes com diagnóstico de ICMI - dor em repouso, úlcera isquêmica não cicatrizada ou gangrena - excluindo-se pacientes com elevado risco cirúrgico para o procedimento. O seguimento foi de até 84 meses pós-randomização.
O desfecho primário foi uma combinação de eventos adversos maiores do membro (amputação acima do tornozelo, necessidade de novo bypass vascular, trombectomia ou trombólise) ou morte por qualquer causa. Os desfechos secundários de eficácia e segurança foram um evento maior do membro, morte perioperatória em 30 dias, reintervenções menores ou um evento cardiovascular maior (IAM, AVC ou morte).
Na coorte 1 - grupo que utilizou a safena magna - o desfecho primário ocorreu em 42,6% no grupo cirúrgico e em 57,4% no grupo endovascular (hazard ratio - HR 0,68, IC 95%, 0,59-0,79; p < 0,001), após um acompanhamento mediano de 2,7 anos. Na coorte 2, o desfecho primário ocorreu 42,8% no grupo cirúrgico e 47,7% no grupo endovascular (HR 0,79, IC 95% 0,58-1,06; p=0,12), após um acompanhamento mediano de 1,6 anos. A incidência de eventos adversos foi semelhante nos dois grupos nas duas coortes.
Os dados mostram melhores resultados para cirurgia aberta quando a safena magna é utilizada, porém sem diferença entre cirurgia aberta e terapia endovascular quando outras veias são usadas como enxerto vascular.
Os autores do estudo e o Uptodate sugerem que em pacientes com ICMI que são candidatos adequados para a abordagem endovascular e cirurgia aberta de revascularização, a revascularização cirúrgica deve ser a primeira opção quando um único segmento de veia safena magna estiver disponível. Caso contrário, qualquer uma das abordagens é apropriada.
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