Ácido Tranexâmico no Peri-Operatório

Criado em: 05 de Dezembro de 2022 Autor: Raphael Coelho

O estudo POISE-3, publicado em maio de 2022 no New England Journal of Medicine, trouxe novidades sobre o uso do ácido tranexâmico no perioperatório de cirurgias [1]. O Guia TdC de hoje revisa as aplicações dessa droga e traz uma análise dessa publicação recente.

O que é o ácido tranexâmico?

O ácido tranexâmico (AT) é um antifibrinolítico que impede a ligação entre plasminogênio e fibrina. Sua principal função é reduzir sangramentos. O AT tem papel em doenças hemorrágicas clínicas e cirúrgicas pelas vias venosa, oral, tópica ou inalatória.

Quando devemos usar ácido tranexâmico?

As melhores evidências para o uso de AT estão no trauma e no perioperatório de cirurgias cardíaca, ginecológica, obstétrica, ortopédica e neurológica.

No traumatismo crânio encefálico leve a moderado, o AT usualmente está indicado [2]. A maior eficácia para o controle hemorrágico se dá nas primeiras 3 horas do início do sangramento. Apesar de reduzir a expansão do hematoma, uma metanálise da Intensive Care Medicine não encontrou redução de mortalidade ou limitação funcional nesse cenário [3].

Ainda no trauma, é bem estabelecida a indicação no choque hemorrágico, quando sangramentos graves ameaçam a vida [4].

Tabela 1
Evidências para o uso do ácido tranexâmico
Evidências para o uso do ácido tranexâmico

Outras situações em que o AT está indicado rotineiramente estão na tabela 1 e são elas:

  • Prevenção de sangramento no perioperatório de cirurgia de revascularização coronariana [5]
  • Hemorragia pós parto [6, 7]
  • Sangramento uterino anormal agudo intenso [8]
  • Miomectomia [9]
  • Neurocirurgia de coluna [10]
  • Artroplastia total de quadril e joelho [11]

Resumindo as indicações para cirurgias não cardíacas, a diretriz europeia de perioperatório recomenda o AT na vigência de sangramentos maiores [12].

Fora do cenário cirúrgico, há um pequeno ensaio clínico randomizado indicando benefício do uso inalatório de AT na hemoptise, por redução do volume de sangue expectorado e tempo para sua resolução [13].

Existem cenários em que o AT não se mostrou efetivo. Os pesquisadores não encontraram benefício em hemorragia subaracnoidea aneurismática, epistaxe, sangramento gastrointestinal e neoplasia hematológica ou aplasia com plaquetopenia [14-17]. Há críticas individuais de cada um desses estudos, porém o AT não está indicado rotineiramente em todas essas situações.

Cada vez mais os estudos indicam segurança nas doses de AT usualmente utilizadas em relação ao risco de trombose. O estudo de sangramento gastrointestinal HALT-IT usou doses maiores do que outros trabalhos, o que poderia explicar o aumento do risco de eventos trombóticos encontrado [18]. Apesar dos dados de segurança, o AT nunca deve ser administrado na coagulação intravascular disseminada [19].

Estudo POISE-3

O POISE-3 foi o maior trabalho até hoje de AT em cirurgias não cardíacas. O estudo foi um ensaio clínico randomizado e controlado feito em mais de 20 países de 2018 a 2021, incluindo 9500 pacientes.

Os pesquisadores procuravam saber se o AT, quando comparado com placebo, seria capaz de reduzir sangramentos. O desfecho primário foi uma composição de sangramento ameaçador a vida, sangramento maior e sangramento de órgão crítico nos primeiros 30 dias.

Foram selecionadas pessoas com 45 anos ou mais que realizaram cirurgias não cardíacas com risco de sangramento ou complicações vasculares. Foram excluídos pacientes que fizeram neurocirurgias e aqueles com taxa de filtração glomerular menor que 30 mL/min. Mais de 70% das cirurgias foram não ortopédicas e a idade média foi de 70 anos.

A intervenção consistiu em 1 grama endovenoso de AT no início da cirurgia e outra dose de 1 grama no final da cirurgia.

Houve melhora no desfecho primário favorecendo o AT (9.1% vs 11.7%, HR 0,76; Intervalo de Confiança de 95%) , com uma diferença absoluta de 2.6% e p < 0.001. Esse resultado se manteve mesmo nas cirurgias não ortopédicas.

Havia também um desfecho primário de segurança, na intenção de pesquisar não inferioridade em relação ao placebo. O limite de não inferioridade não foi atingido. Isso significa que o AT foi pior do que o placebo em relação ao desfecho composto: injúria miocárdica pós-operatória, AVC isquêmico, trombose venosa e trombose arterial. Apesar disso, a diferença entre os grupos foi pequena.

O POISE-3 mostrou que o AT é capaz de reduzir em 25% os sangramentos maiores em cirurgias não cardíacas, com eventos trombóticos raros. Esses resultados favorecem o uso de AT em pacientes de risco para sangramentos, especialmente quando o risco cardiovascular é baixo.

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