Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - GOLD 2023
Este tópico foi atualizado. Acesse "Atualização de DPOC: GOLD 2024" para ver as novidades.
Anualmente, o Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) lança diretrizes de tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). A última revisão do ano de 2022 do Guia é sobre o GOLD 2023, revisando os conceitos importantes e trazendo as atualizações de DPOC [1].
Definição e impacto
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a terceira causa mais comum de morte no mundo . Em 2012, 6% das mortes em todo o mundo foram por DPOC.
O GOLD define DPOC como:
"Condição pulmonar heterogênea caracterizada por sintomas crônicos em consequência de anormalidades na via aérea e/ou alvéolos levando a obstrução persistente e comumente progressiva no fluxo aéreo''.
Essa definição contém duas diferenças de DPOC e asma: obstrução persistente do fluxo aéreo (na asma a obstrução é variável) e anormalidades alveolares (na asma as alterações tendem a se restringir a via aérea).
O modelo tradicional de desenvolvimento da DPOC era de uma perda acelerada da função pulmonar induzida por fatores de risco - como tabagismo - em pessoas predispostas. Entende-se hoje que os pacientes também podem desenvolver DPOC por outra trajetória.
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Algumas pessoas não tiveram o crescimento pulmonar normal e tem um pico de função pulmonar menor. Isso ocorre por problemas nos primeiros anos de vida (exposição intrauterina a agentes nocivos, baixo peso ao nascer, prematuridade, infecções respiratórias na infância e outros fatores). Mesmo perdendo função na velocidade habitual, podem acabar desenvolvendo DPOC se viverem o suficiente (veja figura 1).
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Essa perspectiva explica por que muitos pacientes desenvolvem DPOC sem nunca terem sido tabagistas. Diante de um quadro clínico sugestivo, a ausência de tabagismo não exclui a possibilidade de DPOC. O GOLD propõe uma divisão dos tipos de DPOC de acordo com sua etiologia, conforme a tabela 1.
Diagnóstico
A espirometria é mandatória para o diagnóstico de DPOC. As indicações clínicas para considerar DPOC e realizar espirometria estão na tabela 2.
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Tosse crônica é um indicativo de DPOC, mesmo sem secreção. Secreção excessiva deve levantar a suspeita de bronquiectasia. Crises de tosse podem causar síncope ou fraturas de arcos costais.
Alguns pacientes sem diagnóstico se apresentam em uma exacerbação. Nesses casos, a hipótese de DPOC deve ser levantada especialmente na presença de fatores de risco. Alguns relatam que tem resfriados/gripes prolongadas e mais intensas que as outras pessoas, um relato que também é suspeito para DPOC em pessoas de risco.
O rótulo de "DPOC presumido", assumindo o diagnóstico apenas com base em dados clínicos, é perigoso e deve ser temporário. Estudos mostram que muitos pacientes não realizam espirometria após a suspeita de DPOC [2]. A história e o exame físico não são bons preditores de obstrução ao fluxo de ar na espirometria [3]. Muitos pacientes tratados para DPOC sem espirometria não tem obstrução de fluxo de ar quando realizam o exame [4].
O exame físico ajuda pouco no diagnóstico. Os sinais de obstrução ao fluxo aéreo estão presentes apenas em casos avançados. A ausência desses sinais não exclui a possibilidade de DPOC.
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Os diagnósticos diferenciais principais estão na tabela 3. A diferenciação mais difícil é com asma. Asma e DPOC podem estar presentes no mesmo paciente. O termo ACOS - denotando uma sobreposição entre asma e DPOC - não deve ser mais utilizado.
Espirometria
Deve-se utilizar os resultados de velocidade expiratória forçada no primeiro segundo (VEF1) e capacidade vital forçada (CVF) na relação VEF1/CVF. Os valores utilizados devem ser obtidos após a administração de broncodilatador.
O critério espirométrico permanece o mesmo. Uma relação VEF1/CVF pós broncodilatador menor que 0,7 é diagnóstica de obstrução ao fluxo de ar não totalmente reversível. Esse achado não é específico de DPOC, podem ocorrer na asma e em outras doenças pulmonares.
O GOLD introduz dois conceitos novos de condições precursoras de DPOC: pré-DPOC e PRISm. Pré-DPOC são pessoas com sintomas respiratórios e/ou alterações estruturais pulmonares (ex.: enfisema em tomografia) e/ou alterações fisiológicas (ex.: VEF1 reduzido), mas com a relação VEF1/CVF preservada. PRISm - do inglês Preserved Ratio Impaired Spirometry - agrupa pessoas com espirometria alterada, mas VEF1/CVF normal. Essas pessoas têm risco de evoluírem para DPOC, mas nem todas evoluem. Mais estudos são necessários para caracterizar melhor a história natural desses grupos.
DPOC estável: avaliação e classificação
Após o diagnóstico, três pontos devem ser avaliados:
- Gravidade da obstrução ao fluxo de ar
- Risco de exacerbações
- Intensidade dos sintomas
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A obstrução ao fluxo de ar é avaliada pela VEF1 após o broncodilatador em porcentagem em relação ao predito. O paciente então é classificado conforme a tabela 4. A espirometria deve ser repetida anualmente.
A avaliação clínica dos pacientes mudou. Antes, risco de exacerbações (alto/baixo) e intensidade dos sintomas (alta/baixa) se combinavam em quatro grupos (A, B, C e D) para guiar o tratamento.
Considerando a relevância clínica das exacerbações, a orientação agora é primeiro avaliar o risco delas acontecerem. Se o paciente for de alto risco - pelo menos uma exacerbação com hospitalização ou duas idas ao pronto socorro - ele está na categoria E.
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Se o risco de exacerbações for baixo, aí avalia-se a intensidade dos sintomas. Se a intensidade for alta - questionário mMRC ≥ 2 ou CAT ≥ 10 - o paciente está na categoria B. Se a intensidade for baixa, está na categoria A.
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A saturação de oxigênio deve ser aferida em toda consulta. Se ≤ 92%, deve-se solicitar uma gasometria arterial.
Tomografia de tórax deve ser considerada nas seguintes situações:
- Exacerbações frequentes, com tosse intensa e produção excessiva de secreção - pelo diagnóstico diferencial com bronquiectasia.
- Sintomas desproporcionais ao achados da prova de função pulmonar.
- VEF1 < 45% do predito e candidatos a intervenção cirúrgica - cirurgia redutora de volume pulmonar é uma opção para pacientes com hiperinsuflação e enfisema predominando nos lobos superiores.
- Pacientes que entram no critério de rastreio de câncer de pulmão.
Todo paciente com DPOC deve ser rastreado uma vez para deficiência de alfa-1 antitripsina.
DPOC estável: terapia não farmacológica
As principais intervenções não farmacológicas de DPOC estável são:
- Cessar o tabagismo
- Vacinas
- Reabilitação pulmonar
- Oxigenoterapia domiciliar
- Ventilação não invasiva
- Cirurgias
Todo paciente tabagista com DPOC deve ser aconselhado a cessar o tabagismo. Um programa de cessação tabagismo com disponibilidade de medicações deve ser oferecido. Para mais informações, ouça Episódio 11: Tabagismo. Outros fatores de risco como fogão a lenha, ambientes mal ventilados e poluição devem ser abordados e, se possível, afastados do paciente.
O GOLD recomenda vacinas para os seguintes agentes, a depender das diretrizes locais: influenza, Sars-CoV-2, pneumococo, coqueluche (dTPa, para aqueles não vacinados na infância), zoster (se mais de 50 anos). Para saber mais sobre a vacina de penumococo, acesse "Vacina Pneumocócica no Adulto".
A reabilitação pulmonar é uma intervenção ampla que envolve treinamento com exercícios, educação e auto-manejo. A reabilitação reduz desfechos significativos, incluindo mortalidade e hospitalizações. O benefício maior é em pacientes com exacerbações. A terapia está indicada em DPOC GOLD B e E.
A oxigenoterapia domiciliar é capaz de reduzir a mortalidade. Os critérios e o seguimento estão sumarizados no fluxograma 1. A reavaliação em 60 a 90 dias é necessária, pois muitos pacientes saem do critério após algumas semanas.
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Ventilação não invasiva (VNI), sempre lembrada nas exacerbações, pode ser utilizada em casos selecionados de DPOC estável. Os pacientes que podem se beneficiar são aqueles com hospitalização recente e hipercapnia persistente (pCO2 > 53 mmHg).
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Intervenções cirúrgicas e broncoscópicas são opções para alguns pacientes com DPOC. A cirurgia mais respaldada é a cirurgia de redução dos volumes pulmonares, indicada para pacientes com predomínio de enfisema em lobo superior. Esse tipo de cirurgia pode reduzir a mortalidade. A colocação de válvulas endobrônquicas unidirecionais é uma alternativa em pacientes com enfisema grave. O transplante de pulmão pode ser realizado na DPOC avançada, pesando risco de complicações e disponibilidades de órgãos.
DPOC estável: medicações iniciais
Não existem ensaios clínicos randomizados para guiar o início da terapia. O GOLD propõe dois algoritmos, um para início e outro para ajuste medicamentoso. O início da terapia é guiado pela classificação A, B e E.

Pacientes do grupo A - pouco sintomáticos e com baixo risco de exacerbação - devem usar um broncodilatador, seja beta agonista ou antimuscarínico. Drogas de longa ou curta ação podem ser usadas, mas a de longa ação são preferíveis.
Pacientes do grupo B - muito sintomáticos e com baixo risco de exacerbação - devem usar um beta agonista de longa ação (LABA) e um antimuscarínico de longa ação (LAMA) associados. O estudo EMAX encontrou superioridade da combinação LABA+LAMA em relação ao LAMA em vários desfechos [5]. Se a combinação não for possível, um LABA ou LAMA podem ser usados isoladamente, sem evidência de superioridade de um sobre o outro. As coortes mostram que esses pacientes comumente têm comorbidades que pioram os sintomas e estas devem ser pesquisadas ativamente.
Pacientes do grupo E - alto risco de exacerbação, independente de sintomas - devem usar uma combinação de LABA+LAMA. Essa combinação garante maior redução de exacerbações.
Para pacientes do grupo E, se os eosinófilos forem maiores que 300 células/mcL, deve-se considerar iniciar já com a tripla terapia contendo corticoide inalatório (ICS), LABA e LAMA. Os ICS não têm papel na redução de sintomas de DPOC, mas podem ajudar alguns pacientes a terem menos exacerbações. Existe uma relação direta entre o benefício dos ICS e a contagem de eosinófilos no sangue.
A combinação de LABA e ICS, muito utilizada na asma, é desencorajada na DPOC. Se existe possibilidade de benefício com ICS, a combinação de ICS+LABA+LAMA deve ser prescrita. Se um paciente tem asma e DPOC ao mesmo tempo, deve-se seguir primariamente a linha de tratamento da asma. Nesses casos, o tratamento sempre deve conter um ICS.
DPOC estável: medicações adicionais
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O ajuste medicamentoso depende do componente que está persistindo apesar do tratamento: os sintomas (especialmente a dispneia) ou as exacerbações. Em todos os casos, o primeiro passo é sempre checar aderência, técnica de uso dos dispositivos inalatórios e presença de comorbidades.
Se o paciente persiste com dispneia, deve-se associar LABA+LAMA. Se mesmo assim persistir, as opções são:
- Combinar as medicações em um único dispositivo
- Trocar o dispositivo inalatório
- Instituir ou escalonar tratamentos não farmacológicos
- Investigar outras causas de dispneia
Se o paciente persiste com exacerbações, deve-se checar a contagem de eosinófilos e se > 300 células/mcL prescrever a associação ICS+LABA+LAMA. Se os eosinófilos forem < 300 células/mcL, a orientação é associar LABA+LAMA. Se mesmo com a associação LABA+LAMA o paciente tem exacerbações, vale a tentativa de ICS+LABA+LAMA se eosinófilos> 100 células/mcL.
Alguns pacientes continuam tendo exacerbações mesmo com tripla terapia de ICS+LABA+LAMA ou com LABA+LAMA e eosinófilos < 100 células/mcL. Nesse cenário, existem duas opções. Para aqueles com VEF1 < 50% do predito e com bronquite crônica (tosse produtiva por pelo menos 3 meses por ano em dois anos consecutivos), está indicada a adição de inibidor de fosfodiesterase-4 como o roflumilaste. Outra opção, esta para aqueles com DPOC por tabagismo, é acrescentar azitromicina 500mg três vezes por semana.
Os ICS, apesar de reduzirem exacerbações, aumentam o risco de pneumonia. Se após a introdução do ICS começarem a ocorrer pneumonias, deve-se suspender o ICS. Em pacientes com eosinófilos > 300 células/mcL, existe maior risco de exacerbações após a retirada do ICS.
DPOC exacerbado: avaliação
O GOLD 2023 define uma exacerbação de DPOC como:
"piora da dispneia e/ou tosse com secreção que ocorre em menos de 14 dias que pode ser acompanhada por taquipneia e/ou taquicardia comumente associada a aumento da inflamação local e sistêmica causada por infecção, poluição ou outros insultos".
O quadro de exacerbação de DPOC é inespecífico. Os diagnósticos diferenciais mais comuns são pneumonia, insuficiência cardíaca e embolia pulmonar. Os três devem ser procurados ativamente.
Muitos pacientes com tromboembolismo pulmonar (TEP) tem apresentação clínica similar a exacerbação de DPOC. Eles podem ter queixas respiratórias, hipoxemia e imagem pulmonar sem imagem sugestiva de pneumonia. Deve-se desconfiar de TEP em exacerbações com pouca secreção, hipoxemia e ausência de melhora.
O GOLD recomenda dosar a proteína C reativa em pacientes com suspeita de exacerbação de DPOC. Além de ajudar na decisão de iniciar antibióticos, quando está menor que 10 mg/L se associa com exacerbações mais leves (veja o tópico "Antibióticos para DPOC Exacerbada").
Os sintomas mais intensos de exacerbação duram de 7 a 10 dias. Em 8 semanas, até 20% dos pacientes ainda não se recuperaram completamente.
DPOC exacerbado: tratamento
A primeira medida válida para todas as exacerbações é o uso de broncodilatadores de curta ação. Beta agonistas (SABA), com ou sem antimuscarínicos (SAMA), devem ser usados. Mesmo com a adição dos agentes de curta ação, não se deve suspender os agentes de longa ação caso o paciente já fizesse uso (apesar que isso nunca foi estudado). Se o paciente não usava agentes de longa ação, estes devem ser adicionados sempre antes da alta hospitalar.
Os corticóides sistêmicos podem reduzir o tempo de recuperação, abreviar a internação, diminuir a chance de recorrência e melhorar a oxigenação. Esses resultados foram obtidos principalmente em pacientes tratados dentro do hospital. A dose é de 40mg de prednisona por 05 dias.
O GOLD recomenda o uso de antibióticos nas seguintes situações:
- Presença de purulência do escarro e pelo menos um dos critérios a seguir: piora da dispneia e aumento do volume do escarro.
- Necessidade de ventilação mecânica invasiva ou não invasiva.
O tempo de antibiótico é de 5 a 7 dias, preferindo 5 dias em pacientes fora do hospital. A escolha inicial do antibiótico envolve amoxicilina/clavulanato ou macrolídeo. Deve-se coletar cultura do escarro em pacientes com exacerbações frequentes, limitação grave ao fluxo de ar ou necessidade de ventilação mecânica. Há maior chance de bactérias resistentes nessas situações.
A ventilação não invasiva é a estratégia ventilatória preferencial em DPOC exacerbada. A taxa de sucesso é de 80 a 85%. A VNI reduz a mortalidade na DPOC exacerbada. As indicações estão na tabela 8. Se o paciente tolera 4 horas sem VNI, já pode suspender sem necessidade de desmame.
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Além de condição clínica em deterioração, o GOLD recomenda admissão em UTI para pacientes com pO2 menor que 40 e acidose respiratória com pH menor que 7,25.
Após a alta, orienta-se um retorno entre 1 semana e 1 mês e um segundo retorno entre 3 a 4 meses.
Aproveite e leia:
Oxigenoterapia Domiciliar
Oxigenoterapia domiciliar pode reduzir a mortalidade de pacientes com hipoxemia grave. Há dúvidas sobre quantas horas diárias são necessárias para atingir esse benefício. O estudo REDOX comparou 15 horas por dia contra 24 horas por dia. Esse tópico traz os resultados do trabalho e discute aspectos práticos sobre o tema.
DPOC Refratária e Dupilumabe
Em maio de 2023, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou um trabalho com dupilumabe para o tratamento de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) com alto risco de exacerbação. Aproveitando a publicação, este tópico revisa o tratamento dessa fase da doença e a possível aplicação da nova medicação.
Atualização de DPOC: GOLD 2024
Anualmente é publicada a diretriz do Global Initiative for Chronic Obstrutive Lung Disease (GOLD), um programa internacional sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento do paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O GOLD 2023 já foi coberto no Guia. Este tópico traz as atualizações do GOLD 2024.
Macrolídeos
Os macrolídeos são antibióticos usados principalmente para infecções respiratórias, gastrointestinais e infecções sexualmente transmissíveis. Em janeiro de 2024, o Lancet Respiratory Medicine publicou um artigo avaliando o tratamento combinado de macrolídeos com beta-lactâmicos para pneumonia. Explorando o tema, o tópico “Macrolídeos” revisa os principais usos, apresentações, espectro de ação e efeitos adversos dessa classe de antibióticos.
Antibióticos para DPOC Exacerbada
O exato papel dos antibióticos nas exacerbações de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ainda é controverso. Um estudo publicado na Therapeutic Advances in Respiratory Disease em junho de 2022 comparou sete dias versus dois dias de antibióticos para DPOC exacerbada. Vamos ver os achados do estudo e revisar esse tema.