Desmame de Ventilação Mecânica e Testes de Respiração Espontânea
A identificação precoce do paciente capaz de respirar espontaneamente pode reduzir o tempo de ventilação mecânica. Recomenda-se o uso de testes de respiração espontânea para tentar identificar o paciente apto à extubação. Em novembro de 2022, foi publicado um artigo no New England Journal of Medicine (NEJM) comparando as duas estratégias, e aproveitamos para revisar sobre o assunto [1].
Como identificar o paciente apto para o teste de respiração espontânea?
Todo paciente intubado por mais de 24 horas deve ser avaliado diariamente para o desmame ventilatório.
Antes de considerar o desmame, o paciente deve preencher alguns critérios:
- Melhora da causa que levou à intubação
- Presença de drive respiratório - capacidade de iniciar esforço respiratório por conta própria
- Oxigenação adequada - uma definição válida seria a capacidade de manter um relação PaO2/FiO2 ≥ 150 mmHg com FiO2 ≤40% com PEEP ≤ 5 cmH2O. Essa definição pode mudar em pacientes com hipoxemia crônica.
- pH arterial > 7,25 ou próximo do basal em casos de distúrbios crônicos
- Estabilidade hemodinâmica - o uso de drogas vasoativas para manter estabilidade é aceito, mas doses de noradrenalina > 0,1 mcg/kg/min podem estar associados a aumento no risco de reintubação [2]
Rebaixamento do nível de consciência isoladamente não é critério para evitar o desmame ventilatório. Desde que o paciente seja capaz de proteger a via aérea, uma escala de Glasgow entre 8 e 15 e RASS entre +1 e -2 não parecem alterar o risco de falha de extubação.
Muitos estudos mostram superioridade dos testes de respiração espontânea quando comparados a outros meios de desmame (ex.: redução gradual dos parâmetros ventilatórios, ventilação mandatória intermitente sincronizada - SIMV), reduzindo o tempo para extubação [3-5].
Em pacientes que a aptidão para o desmame continua incerta, o índice de respiração rápida superficial (IRRS ou índice de Tobin) pode ajudar. Esse índice é calculado sem suporte ventilatório com um espirômetro acoplado ao tubo endotraqueal. O espirômetro permite calcular o volume corrente (VC), sendo que o IRRS é a relação da frequência respiratória (FR) com o VC (IRRS = FR/VC).
Um IRRS ≥ 105 respirações/min/L indica pacientes com maior probabilidade de falha do desmame.
O IRRS não deve ser usado rotineiramente, pois aumenta o tempo de ventilação mecânica em pacientes que não possuem alto risco para falha de extubação [6]. Situações que podem alterar o resultado estão na tabela 1.
Como fazer o teste de respiração espontânea?
Em pacientes aptos ao desmame, realiza-se testes para predizer a capacidade de manter a respiração espontânea após a extubação. Pacientes que não apresentam critérios de falha no teste de respiração espontânea podem ser considerados para extubação.
Os métodos mais utilizados no teste de respiração espontânea são o suporte ventilatório com parâmetros baixos e o tubo T:
- O suporte ventilatório é feito comumente no modo PSV com parâmetros baixos (pressão de suporte 5 - 8 cmH2O, PEEP de 0-5 cmH2O e FiO2 < 40%).
- O teste com tubo T consiste em retirar o paciente do suporte ventilatório e acoplar a uma peça em T com uma das vias conectada no suporte de oxigênio e outra via aberta ao ar ambiente.
Algumas evidências sugerem superioridade do uso do suporte ventilatório em PSV quando comparado ao tubo T. Um dos maiores estudos randomizados comparou PSV por 30 minutos (com pressão de suporte de 8 cmH2O) com tubo T por 2 horas [7]. Os pesquisadores encontraram maior taxa de extubação bem sucedida em 72 horas com PSV, sem aumento do risco de reintubação. Mais pacientes no grupo PSV utilizaram ventilação não-invasiva após extubação, o que pode ter interferido no sucesso dos pacientes em PSV. Além disso, taxas de reintubação foram mais baixas do que o habitual, possivelmente por ser uma população de baixo risco de falha, o que limita a generalização dos resultados.
Um outro trabalho recente não evidenciou benefício da PSV no sucesso de extubação, mas o grupo PSV teve um desmame mais rápido [8].
Estes trabalhos não avaliaram adequadamente pacientes de alto risco de falha de extubação.
O que esse estudo mostrou?
O estudo que motivou este tópico foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico em hospitais franceses e não cego. Os pesquisadores compararam o teste de respiração espontânea com PSV (pressão de suporte 8 cmH2O, FiO2 ≤ 40% e PEEP de 0) e com tubo T por uma hora em pacientes de alto risco de falha de extubação. O desfecho primário avaliado foi tempo livre de ventilação mecânica em 28 dias.
Foram incluídos 969 pacientes adultos com mais de 24 horas de intubação e com algum critério de alto risco de falha de extubação:
- Mais que 65 anos ou
- Qualquer doença cardiovascular (fração de ejeção ≤ 45%, edema pulmonar prévio, cardiopatia isquêmica ou fibrilação atrial) ou
- Qualquer doença pulmonar (DPOC, síndromes de hipoventilação ou doença pulmonar restritiva).
O número de dias livres de ventilação mecânica em 28 dias não diferiu entre os grupos. O risco de reintubação em 7 dias também foi semelhante.
A taxa de falha de extubação foi de 13 a 15%, considerada baixa quando comparada a taxas de falha em pacientes de alto risco na literatura (25 - 30%). Isso pode ter ocorrido pelo alto uso de ventilação não-invasiva ou cateter de alto fluxo após a extubação (78% e 40%, respectivamente). Em locais em que estes dispositivos não estão disponíveis, torna-se difícil avaliar a equivalência dos protocolos.
Este estudo não acrescenta benefício ao uso da PSV como indicado em estudos prévios. Contudo, a PSV associa-se à capacidade de monitorização e ajustes de alarmes durante o teste de respiração espontânea, o que pode ser vantajoso principalmente em pacientes de alto risco ou em serviços onde a relação profissional-paciente é inadequada.
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