Vasopressores e Corticoide no Choque Séptico

Criado em: 09 de Janeiro de 2023 Autor: Kaue Malpighi

Choque séptico é a principal causa de morte nas UTIs do Brasil. Apesar da crescente conscientização e de diretrizes recentes como a do Surviving Sepsis Campaign (SSC) de 2021, há incerteza na literatura sobre quando iniciar vasopressores e corticoides [1]. Em maio de 2022, foi publicada uma revisão sobre este assunto no Annals of Critical Care e aproveitamos para trazer os principais pontos [2].

Quando iniciar o vasopressor no choque séptico?

Há mais de uma definição de choque séptico na literatura. O Sepsis-3 define choque séptico como sepse que, apesar de ressuscitação volêmica adequada, mantém a necessidade de vasopressor para manter pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg e lactato sérico maior que 2 mmol/L (18 mg/dL) [3].

A necessidade de ressuscitação volêmica para definir choque séptico levanta dois questionamentos:

  • A resposta de cada paciente à ressuscitação volêmica é variável. Além disso, o efeito da ressuscitação inicial parece se dissipar após 30 a 60 minutos, limitando seu benefício [4]
  • Atraso no diagnóstico e manejo do choque séptico, postergando o uso de outras terapias potencialmente benéficas como os vasopressores

O SSC de 2021 recomenda a noradrenalina como droga de primeira linha em pacientes com choque séptico. A diretriz não apresenta recomendações sobre o momento de iniciar o vasopressor.

Hipotensão em pacientes com choque séptico associa-se à mortalidade. O uso precoce de vasopressores no choque séptico, principalmente nas primeiras seis horas, pode estar associado à menor tempo para resolução do choque e potencialmente redução de mortalidade [5, 6].

Em 2019, o estudo CENSER avaliou o início precoce de noradrenalina (1,5h) versus tardio (3h) em pacientes com choque séptico [7]. Os pesquisadores encontraram um benefício no controle do choque em 6 horas, sem efeito sobre mortalidade. Pacientes do grupo precoce também apresentaram menores taxas de edema pulmonar e arritmias.

Assim, parece adequado iniciar noradrenalina de forma precoce, idealmente em menos de uma hora, em pacientes com sepse e sinais de hipoperfusão tecidual e hipotensão, mesmo durante a ressuscitação endovenosa com cristalóides.

Quando iniciar o segundo vasopressor?

O segundo vasopressor frequentemente é introduzido após a identificação de choque séptico refratário. A definição de choque séptico refratário é variável na literatura, mas uma definição comum é um choque que não responde a uma dose de 0,5 mcg/kg/min de noradrenalina ou equivalente [8].

O SSC de 2021 recomenda iniciar vasopressina para pacientes com resposta inadequada a noradrenalina na faixa de dose de 0,25 a 0,5 mcg/kg/min.

Uma revisão sistemática de dez estudos encontrou um benefício de mortalidade da associação de vasopressina e noradrenalina quando comparada à norepinefrina em doses altas em monoterapia. Porém, o limiar para se associar a vasopressina não é consensual entre os estudos avaliados.

O estudo VASST, que comparou a associação de vasopressina e noradrenalina versus noradrenalina em monoterapia, encontrou um benefício da associação na sobrevida do subgrupo de pacientes com choque menos grave (uso de dose de noradrenalina de até 15 mcg/min) [9]. Estudos retrospectivos acrescentam ao possível benefício do início precoce da vasopressina, podendo-se considerar a sua introdução quando a noradrenalina alcança doses de 10 a 15 mcg/min (o que corresponde a 0,1 a 0,2 mcg/kg/min em um paciente de 80kg) [10, 11].

Quando iniciar corticoides?

O SSC de 2021 sugere iniciar o corticóide quando a necessidade de droga vasoativa dura pelo menos 4 horas e a dose de noradrenalina é de pelo menos 0,25 mcg/kg/min. A diretriz recomenda hidrocortisona na dose de 200mg/dia (50 mg de 6 em 6 horas ou infusão contínua em 24 horas).

Dois estudos randomizados, CORTICUS e ADRENAL, compararam hidrocortisona contra placebo [12, 13]. Ambos não encontraram diferença no desfecho primário de mortalidade. Como desfecho secundário, os dois estudos encontraram uma redução do tempo para resolução de choque.

Outros dois estudos, de Annane et al. e o estudo APROCCHS, viram um benefício de mortalidade na associação de hidrocortisona com fludrocortisona [14, 15]. Os pacientes destes trabalhos apresentavam maior gravidade e necessidade de doses maiores de vasopressores quando comparados aos outros dois estudos.

Os critérios de inclusão destes estudos variaram em relação à dose e tempo de vasopressores que disparavam o início do corticoide. Isso gera incerteza de qual é o melhor momento para início dos corticoides. A maioria dos trabalhos iniciou o corticoide com doses de 0,5-1 mcg/kg/min de noradrenalina. Em média, o tempo para início de corticoide variou de 8 a 72 horas a partir do diagnóstico do choque. Uma coorte avaliou a associação de tempo de início do corticóide com mortalidade em UTI, com a menor mortalidade sendo vista quando o corticoide foi introduzido em até 12 horas do início do choque [16].

Aproveite e leia:

6 de Maio de 2024

Imitadores de Sepse

Sepse é uma das principais causas de óbito no mundo e está frequentemente envolvida em erros diagnósticos. Um trabalho recente avaliou quais os diagnósticos finais de pacientes conduzidos inicialmente como sepse na UTI. Neste tópico são revistos os critérios de sepse e a conduta recomendada em casos de incerteza diagnóstica.

27 de Junho de 2024

Caso Clínico #21

Homem de 48 anos procura o pronto-socorro por diarreia e vômitos há um dia.

19 min
Ler Tópico
12 de Junho de 2023

Tomografia de Crânio no Delirium

Delirium é uma síndrome com várias causas e manifestações. Os exames complementares que fazem parte da investigação do delirium não são consensuais. O Journal of the American Geriatric Society publicou um trabalho que tenta responder como a tomografia de crânio pode ajudar no esclarecimento das causas de alteração do estado mental ou delirium. Este tópico revisa o diagnóstico e a investigação de delirium e traz os resultados do estudo.

11 min
Ler Tópico
17 de Abril de 2023

Corticoides na Pneumonia Adquirida na Comunidade

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é responsável por mais de 600 mil internações anuais no Brasil. A estratificação de risco ajuda a guiar o tratamento. Atualmente, o uso de corticoides como medida terapêutica em PAC grave é controverso. Em março de 2023, o estudo CAPE COD, publicado no New England Journal of Medicine (NEJM), analisou o uso de corticoides na PAC grave e aproveitamos para revisar o assunto.

11 min
Ler Tópico
8 de Abril de 2024

Dengue: Dúvidas Comuns no Manejo

Segundo dados do Ministério da Saúde, até 19 de março de 2024, foram notificados mais de 1.937.000 casos de dengue no Brasil. Com o aumento do número de casos nas cidades, surgem dúvidas sobre o manejo de pacientes em situações especiais. Este tópico tem como objetivo responder dúvidas frequentes na condução de dengue.

10 min
Ler Tópico