Avaliação de Dor Torácica Estável com Angiotomografia
Em abril de 2022, o New England Journal of Medicine publicou o trabalho DISCHARGE comparando o uso de angiotomografia de coronárias com cineangiocoronariografia para avaliação de dor torácica estável [1]. Vamos ver o que essa nova evidência acrescenta.
Estratégias de diagnóstico
A diretriz da ESC organiza a avaliação de dor torácica em 6 etapas [2]:
- Avaliação da dor torácica e investigação inicial
- Presença de comorbidades
- Avaliação complementar (bioquímica, eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma)
- Avaliação da probabilidade pré teste para doença arterial coronariana (DAC)
- Escolha do teste adequado
- Terapia apropriada
Estimar a probabilidade pré teste de DAC é fundamental para a escolha do teste diagnóstico. Os testes diagnósticos são mais úteis quando a probabilidade é intermediária a alta. A diretriz americana define a probabilidade pré teste intermediária a alta como > 15% quando utiliza apenas sexo, idade e sintomas para essa avaliação [3].
A performance dos métodos diagnósticos depende da prevalência de DAC na população assim como apresentação clínica do paciente. Um modelo simples para avaliar probabilidade pré teste é o modelo de Juarez-Orozco (tabela 1). Outro modelo disponível é a calculadora CAD consortium.
Cada teste diagnóstico não invasivo tem um poder para confirmar ou excluir DAC. Considerando a probabilidade clínica pré teste de DAC e o desempenho de um determinado exame, pode-se avaliar a probabilidade pós-teste de DAC, reclassificando a probabilidade do paciente.
Você pode ouvir mais sobre o tema no Episódio 136: Dor Torácica no Ambulatório.
Uso da angiotomografia de coronárias
Em pacientes com suspeita clínica intermediária para DAC, recomenda-se um teste diagnóstico não invasivo para estabelecer esse diagnóstico. A angiotomografia de coronárias (angioTC) pode ser uma alternativa à cineangiocoronariografia (CATE) quando o teste não invasivo for duvidoso ou não diagnóstico.
A angioTC é o teste preferido em pacientes com baixa probabilidade clínica de DAC, sem diagnóstico prévio de isquemia e com características associadas a boa qualidade de imagem. O exame detecta aterosclerose coronariana subclínica, mas também pode descartar com precisão DAC funcional significativa. Tem maior precisão quando populações de baixa probabilidade clínica são submetidas ao exame. Os estudos avaliando os resultados após angioTC incluíram, em sua maioria, pacientes com uma probabilidade clínica pré teste baixa [4, 5].
Deve-se evitar a angioTC quando há calcificação coronariana extensa, frequência cardíaca irregular, obesidade, incapacidade do paciente em cooperar com comandos durante o exame ou qualquer outra condição que prejudique a obtenção de boa qualidade de imagem.
A avaliação do escore de cálcio coronariano é diferente da angioTC de coronárias para avaliar dor torácica. O escore de cálcio não exclui DAC e é um preditor fraco para obstrução, já que a obstrução pode ser causada por placas não calcificadas. O escore de cálcio é utilizado na avaliação de risco cardiovascular de pacientes assintomáticos.
Uso da cineangiocoronariografia
O CATE é o padrão ouro para o diagnóstico de DAC e permite a revascularização coronária durante o mesmo procedimento [6].
Em um paciente com uma alta probabilidade clínica de DAC com sintomas que não respondem à terapia farmacológica ou com angina típica aos pequenos esforços, o CATE precoce é uma opção para identificar lesões potencialmente suscetíveis de revascularização. A angioTC, além de descartar DAC em alguns pacientes, auxilia a identificar os pacientes que são candidatos adequados para revascularização coronariana [7].
Apesar de serem raras, o CATE eletivo está associado a importantes complicações relacionadas ao procedimento como dissecção coronariana, tamponamento cardíaco, taquiarritmias e parada cardiorespiratória.
A eficácia comparativa da angioTC e do CATE no manejo de DAC para reduzir a frequência de grandes eventos cardiovasculares adversos é incerta.
O que o trabalho acrescenta?
O DISCHARGE é um trabalho multicêntrico, pragmático e randomizado com 3.561 pacientes. O estudo comparou angioTC e CATE como estratégias iniciais de diagnóstico de pacientes com dor torácica estável com probabilidade pré teste intermediária para DAC. Os critérios de exclusão eram hemodiálise, ausência de ritmo sinusal e gravidez.
Nos dois grupos, os pacientes sem DAC receberam alta e foram encaminhados para o médico assistente. Os pacientes com DAC eram tratados de acordo com as diretrizes vigentes.
O desfecho primário do estudo era avaliar prevenção de eventos adversos cardiovasculares maiores (morte por causa cardiovascular, infarto agudo do miocárdio não fatal e AVC não fatal) no seguimento médio de 3,5 anos.
Os desfechos secundários eram necessidade de revascularização ou complicações maiores relacionadas aos procedimentos que ocorreram em até 48 horas após angioTC ou CATE.
O desfecho primário ocorreu em 2.1% dos pacientes do grupo angioTC e em 3% dos pacientes do grupo CATE (hazard ratio 0.70; IC 95% 0.46-1.07; p = 0.10). A porcentagem de pacientes que identificaram DAC foi igual nos dois grupos (25.7%).
Quanto aos desfechos secundários, complicações maiores relacionadas aos procedimentos foram menos comuns no grupo angioTC do que no grupo CATE (hazard ratio 0,26; IC 95% CI 0,13-0,55). O risco de complicação foi quatro vezes maior entre os pacientes que foram submetidos à revascularização do que entre os que não foram submetidos (4,2% versus 0,9%).
O estudo não encontrou diferenças em ocorrência de eventos adversos cardiovasculares maiores. A incidência de eventos foi abaixo da esperada, possivelmente por melhorias nos métodos usados para o CATE e nos cuidados cardiovasculares.
Esse trabalho confirma a segurança de utilizar a angioTC de coronárias na investigação de dor torácica estável com probabilidade pré-teste intermediária para DAC.
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