Metenamina para Prevenção de Infecção Urinária
Faltam alternativas para profilaxia de infecção urinária de repetição, além do uso de antibióticos. O British Medical Journal (BMJ) publicou o estudo ALTAR que testou metenamina, um antiséptico das vias urinárias, com resultados que devem ser incorporados em futuras diretrizes [1]. Vamos rever as evidências sobre o tema.
O que é infecção urinária de repetição (ITUr) não complicada e por que é um problema?
A definição de ITUr é 2 ou mais episódios em 6 meses ou 3 episódios em um ano. Deve haver resolução completa dos sintomas entre os episódios para diferenciar recaída e de nova infecção. Recaída é a piora da infecção inicial e deve ser considerada quando o intervalo entre os sintomas é menor do que 2 semanas após o término do antibiótico [2].
Em torno de 30% das mulheres jovens que têm cistite aguda apresentam novo episódio dentro dos 6 meses seguintes [3]. Os principais fatores de risco para recorrência são: comportamento sexual (especialmente a frequência de coitos), uso de espermicida, história familiar materna, incontinência urinária e prolapso de bexiga. Há controvérsia se existe associação com outros fatores como urinar após o coito, padrões de limpeza genital e anal, ducha e roupas íntimas específicas [4, 5].
Pacientes com suspeita de infecção urinária alta não estão contemplados nesta revisão, assim como pacientes com anormalidades funcionais ou anatômicas do trato urinário e imunossupressão [2].
A Sociedade Americana de Urologia exige a confirmação de ITUr com urocultura [2]. Outras instituições sugerem que a análise da urina ou cultura devem ser solicitadas apenas se os sintomas não forem típicos. Sintomas clássicos de cistite tem boa acurácia, havendo custo-efetividade adequada para o manejo, mesmo sem a confirmação por exame de urina [6].
Manejo da cistite aguda de repetição não complicada
O exame ginecológico para avaliação de atrofia vaginal e prolapso é indicado.
Exames complementares como cistoscopia, ultrassonografia ou tomografia têm baixo rendimento e devem ser considerados na suspeita de neoplasia urotelial (cultura de urina persistentemente positiva com bactéria não E. coli ou hematúria que persiste após tratamento com antibiótico).Também podem ser solicitados quando houver pielonefrite recorrente ou suspeita de nefrolitíase.
As medidas para profilaxia contra ITUr em mulheres estão na tabela 1. As melhores evidências de eficácia são o uso profilático de antibióticos e a reposição vaginal de estrogênio. Algumas medidas têm benefícios incertos, mas são recomendadas por tentarem modificar fatores de risco, sem levar a efeitos adversos importantes. Estratégias que não envolvam o uso de antibiótico são importantes para evitar aumento da resistência bacteriana e efeitos adversos dos antibióticos.
Metenamina para prevenção de ITUr
A Metenamina é uma substância que é filtrada pelos rins e hidrolisada em formaldeído, que é bactericida. Uma revisão da Cochrane de 2012 considerava que parecia ser eficaz, mas afirmava ser necessário um ensaio clínico randomizado grande e bem conduzido para melhorar a qualidade da evidência [7]. Nesse cenário se encaixa o ALTAR.
O ALTAR foi um estudo de não inferioridade, aberto, multicêntrico, randomizado, pragmático, feito no Reino Unido de 2016 a 2018. Foram incluídas 240 mulheres adultas com ITUr com idade média de 50 anos, sendo 40% pré-menopausa. Foram excluídos pacientes com anormalidades do trato urinário e disfunção neurogênica do trato urinário baixo.
Após um ano da intervenção, o uso de metenamina 1 grama 2 vezes ao dia atingiu o critério de não inferioridade aos antibióticos (nitrofurantoína, trimetoprim ou cefalexina) em relação ao desfecho primário que foi incidência de ITU sintomática.
Apesar de ter atingido a não-inferioridade, pacientes que utilizaram metenamina tiveram maior incidência de ITU (0.49 episódios/ano a mais). Essa diferença absoluta foi pequena e sem grandes consequências clínicas, mas houve quatro pacientes internados por ITU, todos do grupo metenamina. A taxa de eventos adversos foi semelhante entre grupos.
A resistência microbiana foi maior no grupo que utilizou antibióticos durante o período de intervenção. Essa diferença se inverteu nos 6 meses de acompanhamento após intervenção, sendo maior no grupo metenamina.
Uma das limitações do estudo foi o alto crossover entre grupos, o que diminui a confiança no resultado. Além disso, o início do tratamento não exigiu confirmação por cultura, o que pode gerar viés já que o estudo não foi cego. Por outro lado, esse trabalho foi pragmático, ou seja, semelhante ao que se observa no dia a dia, quando a maior parte das ITU são tratadas antes da confirmação por cultura.
Em troca de uma incidência um pouco maior de ITUs, o tratamento evita o consumo diário de antibióticos. Os dados desse trabalho permitem considerar a metenamina como uma das estratégias, em uma tomada de decisão conjunta entre médico e paciente.
Há registro no site da NICE de que a nova diretriz de 2023 irá incorporar essas novas evidências sobre metenamina [8].
A metenamina está disponível no Brasil, mas as apresentações são em doses menores do que as estudadas.
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