Síndrome de Wellens

Criado em: 23 de Janeiro de 2023 Autor: João Mendes Vasconcelos

A análise do eletrocardiograma (ECG) na dor torácica tem como divisor de águas a presença de supradesnivelamento do segmento ST (supra de ST). Alguns argumentam que o foco excessivo no supra de ST pode desviar a atenção de outros padrões relevantes no ECG [1]. Aproveitando publicações, vamos revisar o padrão de Wellens, um ECG que sempre deve ser lembrado [2, 3].

O que é o padrão eletrocardiográfico de Wellens?

O padrão de Wellens é um achado eletrocardiográfico caracterizado por ondas T bifásicas ou profundamente invertidas nas derivações V2 e V3. Apesar da descrição clássica em V2 e V3, os achados podem ocorrer em outras derivações.

Figura 1
Padrão eletrocardiográfico de Wellens
Padrão eletrocardiográfico de Wellens

Ele é dividido em tipos A e B. O tipo A representa o padrão com ondas T bifásicas em V2 e V3, ocorrendo em aproximadamente 25% dos casos. O tipo B representa o padrão com ondas T profundamente invertidas em V2 e V3, respondendo pelos outros 75%. Os achados podem progredir do tipo A para o tipo B no mesmo paciente.

A primeira percepção de que esses achados merecem atenção ocorreu em 1982 [4]. Esse trabalho avaliou 145 pacientes internados por angina instável, dos quais 26 (18%) apresentavam o ECG com esse padrão. Dos 26 pacientes, 16 não tiveram abordagem coronariana e desses 16, 12 evoluíram com infarto anterior extenso em semanas após a admissão.

O padrão tem alta correlação com estenose crítica da artéria descendente anterior. Um trabalho encontrou sensibilidade de 69% e especificidade de 89% para a presença de estenose significativa da artéria descendente anterior na presença do padrão [5].

A história natural de pacientes com o padrão de Wellens é extremamente desfavorável. A maioria infarta ou tem recorrência dos sintomas em dias a semanas. Por isso, a condição é caracterizada como um estado de pré-infarto.

O que caracteriza a síndrome de Wellens e quais os diagnósticos diferenciais?

Muitas condições alteram a onda T. Alguns autores propuseram critérios para diferenciar o padrão de Wellens de causa coronariana de outros diagnósticos. Assim, a síndrome de Wellens seria composta pelo padrão eletrocardiográfico de Wellens e os seguintes critérios [6]:

  • Segmento ST isoelétrico ou minimamente (< 1 mm) elevado
  • Ausência de ondas Q precordiais
  • História de angina
  • Presença do padrão mesmo em momentos sem angina
  • Marcadores de lesão miocárdica normais ou minimamente elevados

Os pacientes com essa condição têm risco de atraso no diagnóstico, já que podem se apresentar sem dor e com marcadores de lesão miocárdica normais.

Tabela 1
Causas de inversão de onda T
Causas de inversão de onda T

As causas mais importantes de alteração da onda T que não são síndrome de Wellens estão na tabela 1. Já as causas de síndrome de Wellens com coronárias normais, também conhecida como pseudo-Wellens, são mais restritas, incluindo:

  • Ponte miocárdica
  • Uso de cocaína
  • Uso intenso de cannabis
  • Colecistite aguda
  • Miocardiopatia por estresse (veja mais sobre no "Caso Clínico #4").

Qual é a conduta diante do padrão de Wellens?

Os pacientes com síndrome de Wellens devem ser admitidos e ter as artérias coronarianas investigadas com angiografia (cateterismo diagnóstico). Além disso, as medicações habituais para infarto devem ser iniciadas empiricamente até que a hipótese de doença coronariana seja avaliada.

Se uma estenose crítica for confirmada, a revascularização é obrigatória, seja por via cirúrgica ou percutânea. A extensão da doença coronariana é que decide se a melhor opção é angioplastia percutânea ou revascularização cirúrgica. Não há indicação de trombólise para esses pacientes, a não ser que evoluam com infarto com supra de ST sem a disponibilidade de cateterismo.

Testes de estresse devem ser evitados. O aumento na demanda de oxigênio em um paciente com estenose crítica pode precipitar infarto agudo do miocárdio, arritmias e morte súbita.

Aproveite e leia:

12 de Janeiro de 2023

Caso Clínico #4

Uma mulher de 61 anos é levada para a sala vermelha do hospital por fadiga, palpitações e dispneia iniciados no dia anterior.

26 de Fevereiro de 2024

Encefalopatia Hepática

A encefalopatia hepática é a complicação mais frequente da hepatopatia crônica, está associada a menor sobrevivência e tem alto risco de recorrência. Esta revisão abordará a definição, apresentação clínica, fatores precipitantes e tratamento.

14 de Novembro de 2022

Droga Vasoativa na Síndrome Hepatorrenal

A síndrome hepatorrenal (SHR) é uma causa de lesão renal no paciente com cirrose e ascite. Sua definição passou por modificações nas últimas duas décadas. Em setembro de 2022, foi publicada na Critical Care uma meta-análise comparativa dos efeitos das drogas vasoativas usadas na SHR. Aproveitamos para revisar o diagnóstico e tratamento desta síndrome.

26 de Agosto de 2024

Doença Arterial Periférica: Diretriz AHA/ACC 2024

Em junho de 2024, o American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA) publicaram uma diretriz sobre manejo da doença arterial periférica. Esse documento substitui a diretriz de 2016. Esta revisão aborda a apresentação clínica, diagnóstico e tratamento dessa condição com base nessa nova publicação.

5 de Junho de 2023

Etomidato na Intubação de Sequência Rápida

O etomidato é um dos sedativos mais utilizados na intubação por ter uma ação rápida e relativa estabilidade hemodinâmica. Em abril de 2023, foi publicada no Journal of Critical Care uma meta-análise comparando o etomidato contra outros sedativos em intubação de pacientes críticos. Este tópico revisa o uso de etomidato na intubação e traz os resultados do novo estudo.