Diagnóstico e Erro Diagnóstico em Pneumonia Adquirida na Comunidade

Criado em: 21 de Outubro de 2024 Autor: João Mendes Vasconcelos

Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) Internal Medicine em março de 2024 evidenciou uma alta taxa de diagnósticos inapropriados de pneumonia adquirida na comunidade em pacientes hospitalizados [1]. Em agosto do mesmo ano, um artigo no Annals of Internal Medicine mostrou que mais da metade dos pacientes internados e tratados para pneumonia tem discordâncias entre o diagnóstico de admissão e o da alta [2]. Este tópico aborda o diagnóstico e os erros diagnósticos de pneumonia adquirida na comunidade.

Diagnóstico de pneumonia adquirida na comunidade e sinais clínicos

Não existe um padrão ouro para o diagnóstico de pneumonia adquirida na comunidade (PAC). Muitos estudos de PAC usam uma definição de pneumonia que envolve a combinação de sinais e sintomas com uma opacidade radiográfica sugestiva de processo inflamatório no parênquima pulmonar. Esse critério é inespecífico e pode ser o resultado de muitas outras condições cardiopulmonares.

Uma dúvida comum é quando solicitar uma radiografia de tórax para averiguar a possibilidade de PAC em um paciente com sintomas respiratórios agudos. O estudo 3C avaliou essa questão, recrutando pacientes com tosse aguda e utilizando a radiografia alterada como padrão para o diagnóstico [3]. De um total de 28.800 pacientes, 720 levaram o médico a solicitar uma radiografia e 115 tinham pneumonia pela imagem (16% dos 720). Esses dados fornecem uma noção da probabilidade basal de pneumonia nos pacientes com tosse aguda. Febre, estertores, hipoxemia (saturação menor que 95%) e taquicardia se correlacionam com pneumonia, mas de maneira fraca. A presença desses quatro achados ao mesmo tempo teve valor preditivo positivo de apenas 57%.

A dificuldade de estimar a probabilidade de PAC baseando-se apenas em anamnese e exame físico é conhecida há muito tempo [4]. Estudos mais recentes podem ajudar nessa estimativa. Sinais vitais normais e exame físico pulmonar normal juntos tem uma razão de verossimilhança (RV) negativa de 0,1, tornando pneumonia bastante improvável [5]. A impressão clínica geral do médico é útil para sugerir pneumonia, com RV positiva de 7,7, porém não ajuda a descartar, com RV negativa de 0,5 [6]. Sinais individuais ajudam pouco e o médico não deve utilizar a ausência de um achado, como estertores pulmonares, para descartar PAC [7].

A proteína C reativa pode ajudar em casos de dúvida. Se for usada como uma variável dicotômica, o corte de 30 mg/L parece ser o ideal, com valores acima disso sugerindo PAC [8]. Vários escores clínicos já foram elaborados para PAC, porém não parecem superar a impressão clínica e alguns carecem de validação [7, 8].

A baixa correlação entre o quadro clínico e os achados de imagem é um dos motivos para a diretriz de 2019 considerar apenas estudos com confirmação radiográfica do quadro [9]. Apesar disso, o diagnóstico operacional de pneumonia pode ser feito sem a imagem, para dar andamento a medidas mais urgentes, mas um exame de imagem está sempre recomendado se estiver disponível [10].

Exames de imagem

A radiografia de tórax em incidência póstero-anterior e lateral é o exame de imagem inicial para a maioria dos pacientes com suspeita de PAC. A radiografia é um método barato, acessível e rápido, sendo suficiente para a maioria dos pacientes.

É comum ter incerteza na avaliação da radiografia. Estudos mostram variabilidade na interpretação dos achados entre radiologistas [11, 12] e entre médicos da emergência e os radiologistas [13]. Em pacientes hospitalizados, parece existir uma tendência de sobrediagnóstico de PAC na interpretação da radiografia por médicos da emergência [14]. Isso deve ser considerado em pacientes recém-admitidos do pronto-socorro, especialmente quando o quadro clínico deixa dúvidas. O sobrediagnóstico de PAC em pacientes que vão ser admitidos pode ser explicado pela pressão para administração precoce de antibióticos, necessidade de tomar decisões rápidas e sobrecarga de trabalho no pronto-socorro.

Apesar da alta sensibilidade da tomografia computadorizada (TC), não existe evidência de que o uso rotineiro seja benéfico. O uso indiscriminado pode levar a custos elevados, longas esperas por resultados e exposição desnecessária à radiação. Segundo o Colégio Americano de Radiologia, a TC é apropriada após uma radiografia negativa ou duvidosa em pacientes com uma doença respiratória aguda com exame físico sugestivo, alteração de sinais vitais, doença neurológica central (que compromete a anamnese e exame físico) e outros fatores que aumentem o risco de desfecho desfavorável. Entre esses fatores estão idade avançada, comorbidades significativas e dificuldade no acompanhamento clínico ambulatorial. Outra indicação é a suspeita de complicações melhor avaliadas por TC, como derrame parapneumônico e abscesso [15].

A tabela 1 agrupa cinco potenciais indicações de TC na suspeita de PAC. Quando a suspeita de PAC permanece apesar de uma radiografia sem achados convincentes, a TC não está disponível e o paciente vai ser internado, é razoável tratar empiricamente e repetir uma radiografia em 24 a 48 horas [16].

Tabela 1
Potenciais indicações de tomografia de tórax na suspeita de pneumonia adquirida na comunidade
Potenciais indicações de tomografia de tórax na suspeita de pneumonia adquirida na comunidade

Vários estudos recentes reforçam a utilidade da ultrassonografia no diagnóstico de PAC [17, 18]. O desempenho do método varia conforme a habilidade do profissional com o aparelho. Uma aplicação é em pacientes instáveis com radiografias adquiridas no leito, muitas vezes com qualidade inferior e achados duvidosos, quando a TC não está disponível ou o paciente não tem condições de transporte.

Erro diagnóstico e diagnóstico diferencial

Erros diagnósticos envolvendo PAC podem prejudicar os pacientes por atraso no diagnóstico e exposição desnecessária a antibióticos. O diagnóstico tende a ser mais difícil em pacientes idosos com doenças cardiopulmonares de base. A tabela 2 organiza os diagnósticos diferenciais conforme a presença de opacidades na radiografia. 

Tabela 2
Diagnóstico diferencial de pneumonia adquirida na comunidade
Diagnóstico diferencial de pneumonia adquirida na comunidade

Um estudo recente publicado no JAMA Internal Medicine avaliou 17.290 pacientes internados que tiveram PAC como diagnóstico de alta hospitalar [1]. Via revisão de prontuário, os pesquisadores buscaram aqueles que receberam o diagnóstico inapropriado. Para isso, utilizaram uma métrica endossada pela National Quality Forum, que considera inapropriado qualquer tratamento antibiótico para PAC em um paciente que tenha menos que dois sinais ou sintomas ou que não tenha um achado radiográfico compatível [19]. O diagnóstico foi considerado inapropriado em 2079 pacientes, 12% do total. Pacientes com diagnóstico inapropriado tinham idade mais avançada, demência e alteração do estado mental na apresentação. 

Outro estudo publicado no Annals of Internal Medicine examinou achados radiográficos e a concordância entre o diagnóstico de admissão e de alta envolvendo PAC [2]. Foram avaliados 317 mil internações que tiveram o diagnóstico de PAC em algum momento. Entre aqueles com diagnóstico de alta de pneumonia e com imagem alterada, 33% não tinham esse diagnóstico na admissão. Esses pacientes tiveram maior mortalidade, uma possível consequência do atraso de tratamento.

Já entre os inicialmente diagnosticados com PAC, 36% tiveram alta com outro diagnóstico e 21% não tinham alterações radiográficas compatíveis. Esses achados sugerem que uma análise cuidadosa das imagens pode reduzir o sobrediagnóstico de PAC. Uma expressão da incerteza diagnóstica é o fato que 10% dos pacientes receberam três tratamentos (antibiótico, corticoide e diurético) nas primeiras 24 horas. Mais da metade dos pacientes tiveram discordância entre o diagnóstico de PAC da admissão e da alta.

Os estudos ilustram a dificuldade e imprecisão diagnóstica de PAC. Mesmo com a maior disponibilidade de TC e métodos moleculares, o problema persiste. Uma parte dessa questão é inevitável, considerando a apresentação indiferenciada de muitos pacientes. Por outro lado, o acompanhamento evolutivo e a revisão dos exames complementares pode garantir um cuidado mais preciso.

Insuficiência Cardíaca na Hospitalização: Posicionamento do Colégio Americano de Cardiologia

Criado em: 21 de Outubro de 2024 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno Revisor: João Mendes Vasconcelos

A insuficiência cardíaca (IC) é uma das principais causas de hospitalização em todo o mundo. O Colégio Americano de Cardiologia publicou um posicionamento sobre a abordagem do paciente hospitalizado por IC em agosto de 2024 [1]. Este tópico aborda os principais pontos do tema. 

Terapia modificadora de doença

O documento publicado pelo Colégio Americano de Cardiologia (ACC) em 2024 traz informações sobre diureticoterapia, terapia médica direcionada por diretrizes e o planejamento para alta [1]. As estratégias de diureticoterapia comentadas no documento já são mencionadas na revisão "Diureticoterapia na Insuficiência Cardíaca Aguda".

Uma etapa importante é o início da terapia modificadora de doença da IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr), chamada de terapia médica direcionada por diretrizes. Ela é composta por:

  • Betabloqueador
  • Inibidores da SGLT2 (iSGLT2)
  • Antagonista do receptor da aldosterona
  • Bloqueio do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA): inibidores da ECA, bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA) e inibidores da neprisilina e do receptor da angiotensina (ARNI)

Aqueles já em uso dos medicamentos devem permanecer em uso no hospital, exceto quando ocorrer instabilidade hemodinâmica ou disfunção renal. Caso o paciente não utilize as medicações, o início durante a internação está relacionado à melhor adesão e menos eventos adversos nos primeiros meses após a alta [2, 3]. Os iSGLT2 e os antagonistas do receptor da aldosterona podem ser iniciados na fase de descongestão, já que possuem efeito diurético. Os betabloqueadores e o bloqueio do SRAA deve ser introduzidos quando o paciente já está em melhora do quadro de IC descompensada.

O bloqueio do SRAA pode ser feito com iECA, BRA ou ARNI. O ARNI está relacionado a menores taxas de peptídeo natriurético do que o enalapril, com tendência de menor hospitalização e mortalidade [4]. Ao associar-se com o betabloqueador, o ARNI é o que mais causa hipotensão sintomática [5]. O documento afirma que, se houver risco de hipotensão, pode-se iniciar um iECA ou BRA e em um segundo momento transicionar para ARNI. A troca do BRA para ARNI pode ser feita de maneira direta, porém de iECA para ARNI o paciente precisa ficar sem o iECA por pelo menos 36 horas.

Tabela 1
Dose inicial e dose alvo dos medicamentos classificados como terapia médica direcionada para insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida por diretrizes
Dose inicial e dose alvo dos medicamentos classificados como terapia médica direcionada para insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida por diretrizes

Em pacientes hospitalizados que não utilizam tratamento para ICFEr, não há uma resposta clara se o betabloqueador ou os bloqueadores do SRAA devem ser iniciados primeiro. As doses de início e de alvo dos medicamentos estão listados na tabela 1

Inibidores da SGLT2

Os iSGLT2 ganharam destaque no tratamento da IC, independente da fração de ejeção ou da presença de diabetes. Novas evidências mostram o benefício de iniciar essa terapia no paciente com IC descompensada agudamente. Trabalhos como EMPULSE [6], EMPA-RESPONSE AHF [7], EMPAG-HF [8], DICTATE-AHF [9] e DAPA-Resist [10] demonstraram a segurança da introdução em pacientes hospitalizados.

Nesses estudos, o iSGLT2 era iniciado geralmente quando o paciente apresentava os seguintes critérios:

  • Pressão arterial sistólica acima de 100 mmHg
  • Não estar em uso de inotrópicos nas últimas 24 horas
  • Sem sintomas de hipotensão
  • Sem necessidade de aumento de diurético nas últimas 6 horas
  • Não estar em uso de vasodilatadores intravenosos

Os iSGLT2 possuem efeito diurético e devem ser evitados em pacientes com hipovolemia. Além disso, independente do cenário, os iSGLT2 são aprovados apenas para pacientes com taxa de filtração glomerular acima de 20 mL/min/m². Veja mais sobre os iSGLT2 na cardiologia em "Diretriz Americana de Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada" e "Gliflozinas (inibidores da SGLT2)".

Transição para alta hospitalar

O estudo ESC-EOPR HFA [11]. ressalta a importância da alta hospitalar sem sinais de congestão. Essa coorte encontrou que 70% dos pacientes internados por IC estavam congestos e bem perfundidos (perfil úmido e quente) e 31% recebiam alta com esse mesmo perfil. Receber alta com perfil úmido estava relacionado com maior mortalidade em um ano. Alguns fatores relacionados com maior chance de receber alta com congestão são insuficiência tricúspide, diabetes e NYHA mais elevado.

Um dos maiores trabalhos de desospitalização do paciente com IC é o STRONG HF. Os pesquisadores avaliaram se o incremento rápido nas doses dos medicamentos modificadores de doença na IC poderia trazer benefícios. O protocolo envolvia começar os medicamentos na metade da dose ideal e atingir a dose ideal em até duas semanas após a alta hospitalar. Os pacientes realizaram quatro retornos médicos em um período de dois meses. O estudo foi interrompido precocemente já que o grupo da titulação rápida teve menores taxas de internação do que o grupo que realizou tratamento usual [12].    

O documento do ACC trouxe formulários e checklists para auxiliar a comunicação entre o médico do hospital e a equipe responsável pelo acompanhamento ambulatorial. Além das informações das medicações prescritas durante a internação e na alta, destaca-se a avaliação do perfil de ferro e vacinação para infecções respiratórias, que impactam em reinternações por IC. Veja mais em "Vacina Pneumocócica no Adulto" e "Reposição de Ferro na Insuficiência Cardíaca".

Cuidados paliativos na insuficiência cardíaca

A hospitalização por IC é um marcador de alto risco de mortalidade. A mortalidade pós-internação é de 20% a 35% em um ano e 50% em dois anos [11]. A progressão da doença é acompanhada de mais intervenções, como drogas vasoativas, dispositivos intracardíacos (marcapasso e cardiodesfibrilador implantável) e diálise. Isso pode causar sofrimento físico e emocional ao paciente e familiares.

Alguns trabalhos encontraram que fornecer cuidados paliativos ou encaminhar o paciente a um serviço que ofereça esse suporte está relacionado com menor número de reinternações [13], melhor qualidade de vida e melhor controle de ansiedade e depressão [14].

Tabela 2
Exemplos de indicações de cuidados paliativos no paciente com insuficiência cardíaca (IC)
Exemplos de indicações de cuidados paliativos no paciente com insuficiência cardíaca (IC)

Não há consenso sobre a indicação de avaliação da equipe de cuidados paliativos no paciente com IC. Algumas indicações de diferentes documentos estão agrupados na tabela 2. [13, 15, 16].

Intoxicação por Varfarina

Criado em: 21 de Outubro de 2024 Autor: Kaue Malpighi Revisor: Raphael Coelho

O uso clínico de varfarina foi abordado no tópico "Varfarina: Bulário e Quando Preferir em Relação aos DOACs". O manejo de sangramento por anticoagulantes orais diretos foi abordado em "Manejo de Sangramento Maior em Pacientes em Uso de Anticoagulante Oral".

Aproximadamente 20% das pessoas em uso de varfarina podem apresentar valores de razão normalizada internacional (RNI) acima do limite terapêutico [1]. Até 3% apresentam sangramento ameaçador a vida [2, 3]. O tópico “Intoxicação por Varfarina” revisa o manejo e cuidados dos pacientes com RNI supraterapêutico e sangramentos graves em uso de varfarina.

Pacientes em uso de varfarina com sangramento

O manejo em pacientes com sangramento é dividido em sangramento leve e sangramento maior. A International Society for Thrombosis and Haemostasis (ISTH) define sangramento maior como um dos seguintes [4]:

  • Sangramento fatal
  • Redução de 2 g/dL de hemoglobina
  • Necessidade de transfusão de dois ou mais concentrados de hemácias
  • Sangramento com acometimento de órgão ou área crítica (intracraniano, intraespinhal, ocular, retroperitoneal, pericárdico, articular ou intramuscular com síndrome compartimental).

Sangramentos maiores

Três condutas são recomendadas nessa situação: suspender a varfarina, administrar vitamina K e administrar complexo protrombínico.

A varfarina deve ser suspensa imediatamente. Recomenda-se também administrar vitamina K1 (fitometadiona) 5 a 10 mg por via intravenosa, com infusão em 15 a 30 minutos. O risco de reações anafiláticas é raro e o controle de RNI é mais rápido comparado a via oral, principalmente nas primeiras horas [5, 6, 7].

Não é necessário aguardar a dosagem do RNI para iniciar a administração de vitamina K em pacientes com sangramento maior em uso de varfarina. A ação não é imediata, levando de 24 a 48 horas para o efeito máximo no RNI. Um efeito rebote com novo aumento do RNI pode ocorrer mesmo após suspensão da varfarina e administração da vitamina K [8]. Esse fenômeno pode ocorrer por conta da meia vida mais prolongada da varfarina em relação à vitamina K.

A administração de complexo protrombínico de 4 fatores também é recomendada em sangramento maior, já que a vitamina K demora a agir. O efeito é similar ao do plasma fresco congelado, porém com menor risco de reações transfusionais [9, 10]. A dose é de 1.500 a 2.000 unidades, com checagem do RNI após 15 minutos. Pode ser necessário dose adicional se o RNI se mantiver maior que 1,5 [11].

O plasma fresco congelado pode ser utilizado caso o complexo protrombínico não esteja disponível. A dose inicial é de 15 a 30 mL/kg, com checagem do RNI após 15 minutos. Se necessário, pode-se repetir a dose se o RNI persistir acima de 1,5.

Sangramentos leves

Tabela 1
Condições de alto risco para sangramento com uso de varfarina
Condições de alto risco para sangramento com uso de varfarina

Em casos de sangramentos controláveis ou compressíveis, como epistaxe anterior ou lesões cutâneas, pode-se continuar a varfarina em dose menor ou omitir a dose. Em sangramentos de difícil acesso (como epistaxe posterior refratária ou sangramentos gastrointestinais) ou em pacientes com alto risco de sangramento (tabela 1), o uso da vitamina K é uma opção [12]. Se o sangramento progredir mesmo com as intervenções recomendadas, o complexo protrombínico pode ser considerado. 

Quando retornar a varfarina após o sangramento?

O retorno da varfarina após sangramentos maiores deve ser individualizado, considerando o risco tromboembólico e o risco de sangramento. A evidência sobre o momento ideal é limitada, com recomendações principalmente para sangramentos intracranianos e gastrointestinais.

Após sangramentos intracranianos, é recomendado aguardar de 4 a 8 semanas. Em pacientes de alto risco tromboembólico, como valvas mecânicas ou dispositivos ventriculares, o retorno precoce em 14 dias pode ser considerado a depender do risco de ressangramento [13, 14, 15

Após sangramentos gastrointestinais nos quais o foco foi controlado, o retorno da anticoagulação em 7 a 14 dias parece ser seguro [16].

RNI supraterapêutico sem sangramento

Em pacientes com RNI maior ou igual a 4,5 sem sangramento, a primeira medida é suspender a varfarina e realizar nova aferição de RNI em até uma semana. A monitorização em regime hospitalar deve ser considerada para pacientes com alto risco de sangramento ou RNI acima de 9 a 10.

Quando o RNI está entre 4,5 e 10, a suspensão da varfarina parece ser suficiente, sem a necessidade de administrar vitamina K [17]. A utilização de vitamina K nestes casos não está associada a redução de sangramentos e pode atrasar o ajuste das metas de RNI após a retomada da varfarina [18, 19].

Para pacientes com RNI maior que 10, deve-se considerar a vitamina K em dose de 2,5 a 5 mg via oral. A recomendação é mais forte para pacientes com alto risco de sangramento (tabela 1) [18, 20, 21].

O uso de complexo protrombínico de 4 fatores ou plasma fresco congelado não é recomendado em pacientes sem sangramento. Não há benefício em prevenção de sangramentos e aumenta-se o risco de reações transfusionais.

Tabela 2
Manejo da varfarina em casos de RNI (relação normalizada internacional) elevado sem sangramento maior
Manejo da varfarina em casos de RNI (relação normalizada internacional) elevado sem sangramento maior

Em casos de RNI maior que 4,5, a varfarina deve ser retomada quando o RNI estiver em faixa terapêutica. É recomendado retorno com uma dose menor à previamente utilizada. Em pacientes com RNI acima da faixa terapêutica, mas abaixo de 4,5, pode-se suspender uma dose de varfarina e retornar a dose conforme tabela 2.

Investigação da causa do sangramento e causa da alteração do RNI

Investigação das Causas do Sangramento

O sangramento propiciado pelo anticoagulante pode revelar lesões previamente desconhecidas.

A presença de lesões gástricas ou intestinais é comum, e a investigação deve ocorrer da mesma forma que em pacientes que não estão em anticoagulação. Aproximadamente 20% dos casos tem uma etiologia específica para o sangramento, sendo as mais comuns úlcera péptica, doença diverticular do cólon e neoplasias [22, 23].

Nos casos de hematúria associada à intoxicação por varfarina, a investigação também deve focar em possíveis causas secundárias. Em um estudo de acompanhamento de pacientes com hematúria microscópica em uso de anticoagulantes, até 80% apresentaram uma causa secundária, com as principais sendo infecção do trato urinário, cistos renais, nefrolitíase e neoplasias [24]. 

Causa da Intoxicação

As principais causas de intoxicação por varfarina incluem erros de dosagem e interações medicamentosas [25, 26].

Durante o acompanhamento e monitorização do RNI, é fundamental educar repetidamente o paciente sobre o uso correto dos medicamentos. A dose deve ser revisada em conjunto com o paciente, verificando a cartela do medicamento. Deve-se perguntar sobre mudanças de dose fora do acompanhamento médico.

Tabela 3
Principais medicamentos que podem interagir com a varfarina
Principais medicamentos que podem interagir com a varfarina

Qualquer alteração na prescrição de pacientes em uso de varfarina deve ser acompanhada de uma checagem de interações medicamentosas. Os fármacos mais frequentemente associados a interações incluem antifúngicos (azólicos), antibióticos (cefalosporinas, quinolonas, sulfonamidas e penicilinas), anti-inflamatórios não esteroidais, paracetamol e amiodarona [27]. A tabela 3 exibe uma lista completa das interações.