Oxigenoterapia Domiciliar

Criado em: 04 de Novembro de 2024 Autor: Raphael Coelho Revisor: João Mendes Vasconcelos

Oxigenoterapia domiciliar pode reduzir a mortalidade de pacientes com hipoxemia grave. Há dúvidas sobre quantas horas diárias são necessárias para atingir esse benefício. O estudo REDOX comparou 15 horas por dia contra 24 horas por dia [1]. Esse tópico traz os resultados do trabalho e discute aspectos práticos sobre o tema.

Indicações de oxigenoterapia domiciliar

Oxigênio domiciliar reduz mortalidade e hospitalizações em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e hipoxemia grave (fluxograma 1). Parece também melhorar a qualidade de vida, a hemodinâmica pulmonar e o desempenho cognitivo.

Fluxograma 1
Indicação e acompanhamento de oxigenoterapia na DPOC
Indicação e acompanhamento de oxigenoterapia na DPOC

Em pacientes com exacerbações de DPOC recentes que preenchem os critérios de oxigenoterapia domiciliar, a indicação de suplementação deve ser reavaliada em um a três meses após o início do tratamento. Aproximadamente metade desses pacientes não precisará manter a oxigenoterapia durante o acompanhamento ambulatorial [2].

É incerto o benefício dessa terapia para outras doenças pulmonares, como doenças intersticiais, tromboembolismo pulmonar e hipertensão pulmonar. Nesses casos, a oxigenoterapia domiciliar é indicada por consensos de especialistas, que reconhecem o baixo nível de evidência da recomendação em diretrizes como da Sociedade Brasileira de Pneumologia e da American Thoracic Society [3, 4].

A British Thoracic Society, a American Thoracic Society e a Sociedade Brasileira de Pneumologia recomendam oxigênio durante o esforço para pacientes que ficam hipoxêmicos em exercícios físicos, com saturação arterial de oxigênio (SatO₂) menor ou igual a 88%, e que melhoram a tolerância ao exercício com o uso do oxigênio [3-5]. Essa indicação pode ser implementada em programas de reabilitação e não inclui o uso contínuo em domicílio. O GOLD 2024 faz recomendação contra oxigenoterapia domiciliar de longo prazo para pacientes com hipoxemia que ocorre apenas durante o esforço [6]. Mais informações sobre as recomendações do GOLD e suas últimas atualizações de 2024 podem ser encontradas na revisão "Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - GOLD 2023" e no tópico "Atualização de DPOC: GOLD 2024".

A oxigenoterapia domiciliar não melhorou desfechos em pacientes com DPOC que ficam hipoxêmicos apenas durante o sono [7]. Também não foi encontrado benefício em pacientes com hipoxemia moderada, definida por SatO₂ de 89 a 93% ou queda da SatO₂ entre 80 e 90% no teste da caminhada de 6 metros [8, 9]. Apesar disso, a diretriz brasileira faz indicação de oxigênio para pacientes que ficam hipoxêmicos durante a noite, com SatO₂ menor ou igual a 90% em mais de 30% do período e que têm evidência de hipertensão pulmonar ou eritrocitose [4].

Para saber mais sobre oxigênio no tratamento de dispneia no contexto de cuidados paliativos, veja "Controle Farmacológico de Sintomas".

Evidências para oxigenoterapia domiciliar e o estudo REDOX

Dois estudos clássicos definiram a indicação da oxigenoterapia em pacientes com hipoxemia grave: o Medical Research Council Working Party (MRC) e o Nocturnal Oxygen Therapy Trial Group (NOTT) [10, 11]. Ambos incluíram apenas pacientes com DPOC. O estudo MRC acompanhou pessoas com hipoxemia grave por 5 anos e comparou a suplementação de oxigênio domiciliar por no mínimo 15 horas por dia e placebo. Houve redução de mortalidade no grupo que usou oxigenoterapia. O NOTT comparou uso noturno por 12 horas e suplementação contínua de oxigênio. Após um ano, a mortalidade foi maior no grupo que usou apenas durante o período noturno.

Algumas sociedades pontuam que o uso de oxigênio por 24 horas pode trazer benefício adicional em relação a usar por no mínimo 15 horas diárias, baseado em estudos não randomizados [5]. Contudo, o uso contínuo tem consequências para os pacientes, como menor mobilidade e isolamento social [12, 13]. O estudo REDOX avaliou se há diferença significativa entre o uso por 24 horas em relação ao uso por no mínimo 15 horas diárias [1].

Esse trabalho foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, controlado e não cegado. A instrução para o grupo de 15 horas por dia era utilizar sempre durante a noite e durante o dia ficar 9 horas sem oxigênio. Os dois grupos tinham como meta a titulação do oxigênio para atingir mais de 90% de saturação periférica de O₂ no oxímetro (SpO₂). Os critérios da indicação de oxigenoterapia domiciliar foram os de hipoxemia grave (fluxograma 1). 

Foram incluídos 241 pacientes e DPOC foi a doença mais comum (70%), seguida de doença intersticial pulmonar (14%). Outros pacientes tinham como diagnóstico principal hipertensão pulmonar, tromboembolismo crônico e insuficiência cardíaca, mas essas doenças foram pouco representadas no estudo. Os pacientes foram acompanhados por um ano e utilizaram em média 1 a 2 L/min. 

Na análise por intenção de tratar, não houve diferença entre os grupos para o desfecho composto de mortalidade e hospitalizações (124,7 eventos por 100 pessoas-ano; 95% IC], 96,5 a 152,9 [75 eventos no total]; e 124,5 eventos por 100 pessoas-ano; 95% CI, 97,0 a 151,9 [79 eventos no total]). A terapia de uso contínuo 24 horas por dia não foi superior à estratégia de 15 horas, com uma razão de risco (hazard ratio) de 0,99 (95% CI, 0,72 a 1,36, p = 0,007 para não superioridade). O estudo não evidenciou diferenças em outros desfechos como dispneia, fadiga, estado cognitivo e bem-estar.

A SpO₂ média em ar ambiente foi de 80% e a mortalidade em um ano nos dois grupos foi em torno de 30%, indicando a gravidade dessa população.

Durante o estudo, houve alteração do desfecho primário de morte para um desfecho composto de morte e hospitalizações. Além disso, os pesquisadores mudaram a margem de superioridade, o que tornou o critério menos rigoroso. As mudanças permitiram que o estudo atingisse significância estatística com 230 pacientes, ao invés de mais de 2.000 pacientes, como inicialmente planejado. Essas modificações no decorrer do estudo diminuem a confiança no trabalho. Um estudo maior poderia mostrar diferenças de mortalidade entre as estratégias. Também não foram avaliados os efeitos das duas estratégias após 1 ano de uso.

Aspectos práticos da oxigenoterapia domiciliar

Um estudo de pacientes brasileiros com DPOC identificou que 20% relataram ter usado oxigênio domiciliar no último ano. Oxigenoterapia domiciliar foi o maior contribuidor para custos relacionados à saúde dos pacientes com DPOC, na frente de medicamentos e internações [14]. 

Como solicitar e monitorar

A oxigenoterapia domiciliar é fornecida pelo SUS. Os pacientes são incluídos nos programas a partir do cadastro na atenção primária em unidades básicas de saúde.

Os protocolos são estaduais ou municipais. O critério de elegibilidade usualmente utilizado é o de hipoxemia grave (fluxograma 1) [4]. Fontes de oxigênio disponíveis, fornecedor, fluxos de acompanhamento e documentos a serem preenchidos variam conforme o local.

A gasometria arterial, em repouso e ar ambiente, durante doença estável, é o exame solicitado para liberação da oxigenoterapia. Alguns protocolos solicitam apenas oximetria para crianças até 16 anos, pacientes acamados e com dificuldade de locomoção e para tratamentos paliativos.

A prescrição deve conter:

  • Fonte do oxigênio.
  • Dispositivo de entrega do oxigênio (por exemplo, cateter nasal ou máscara).
  • Número mínimo de horas a ser utilizado.
  • Fluxo em L/min em repouso, no exercício e no sono.
  • Alvo de SpO₂ desejado (geralmente acima de 90%). O limite superior varia conforme a doença.

O fluxo de oxigênio no esforço físico e sono é habitualmente 0,5-1 L/min a mais do que o prescrito para o repouso.

Alguns exemplos de protocolos são os de: São Paulo, Belo Horizonte, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Fontes de oxigênio e dispositivos

Fontes estacionárias são instaladas no domicílio e fontes portáteis são utilizadas para deslocamentos fora de casa. Três fontes podem ser utilizadas (tabela 1):

  • Cilindros de gás sob pressão.
  • Concentradores de oxigênio.
  • Cilindros de oxigênio líquido.
Tabela 1
Fontes de oxigênio e dispositivos
Fontes de oxigênio e dispositivos

Quando pacientes que utilizam cilindros portáteis são atendidos em unidades de saúde, devem utilizar a fonte de oxigênio do local e desligar sua fonte para evitar seu esgotamento.

Concentradores aumentam o consumo de energia elétrica. É lei o desconto na conta de energia elétrica para famílias inscritas no CadÚnico, com renda mensal de até três salários mínimos e que tenham membro portador de doença que necessite de uso continuado de aparelhos que demandem consumo de energia.

O vídeo a seguir mostra dispositivos e acessórios para oxigenoterapia domiciliar.

Orientações ao paciente

Orientações para o uso seguro do oxigênio estão na tabela 2.

Tabela 2
Orientações sobre o uso seguro de oxigênio domiciliar
Orientações sobre o uso seguro de oxigênio domiciliar

Independentemente da fonte de oxigênio, fumar aumenta o risco de incêndio e é considerado uma contraindicação ao uso de oxigenoterapia domiciliar. A umidificação com frascos de água aquecida (32–36 °C) pode ser necessária para pacientes com necessidade de altos fluxos de oxigênio, acima de 5 L/min. Não há indicação para fluxos menores e pode haver aumento do risco de infecções.

Uso de oxigênio durante voos

Cabines pressurizadas de avião equivalem a uma altitude em torno de 2500 metros. Uma pessoa saudável nessas condições tem queda da PaO₂ para 60–75 mmHg e da SatO₂ para 89%–94% [15, 16]. Pacientes que já utilizam oxigenoterapia domiciliar podem necessitar em torno de 2 L/min de fluxo a mais do que o usual. Aqueles que utilizam fluxos acima de 4 L/min devem viajar apenas em transporte aeromédico [4].

Pacientes com doença pulmonar e SpO₂ menor que 92% devem receber suplementação durante o voo. Já aqueles com SpO₂ entre 92 e 95% devem ser avaliados individualmente quanto a sintomas no esforço e pode ser indicado o teste de caminhada em 6 minutos ou o teste de simulação de hipóxia antes de viajar. Queda de SpO₂ abaixo de 84% em um dos testes é indicação de oxigênio durante o voo [4, 17]. Apenas pacientes avaliados clinicamente e considerados estáveis são aptos para voar  [15].

Procalcitonina: Uso Clínico

Criado em: 04 de Novembro de 2024 Autor: Lucca Cirillo Revisor: João Mendes Vasconcelos

A procalcitonina é um biomarcador de infecções bacterianas. Seu papel no auxílio diagnóstico e seguimento de infecções bacterianas é muito estudado [1]. Este tópico revisa as evidências e recomendações para o uso da procalcitonina. 

O que é procalcitonina e seu papel como biomarcador

A procalcitonina (PCT) é o precursor da calcitonina, produzida nas células C da tireoide. Em situações fisiológicas, os níveis de procalcitonina são extremamente baixos. O exame tem duas principais utilidades: distinção de infecções bacterianas de outras causas de infecção ou inflamação [2] e acompanhamento da resposta terapêutica para decisão de retirada de antimicrobianos

Durante infecções bacterianas, a PCT é produzida em diversos tecidos além da tireoide, com aumento significativo nos níveis séricos. Infecções virais e outros estados inflamatórios estão menos associados a produção de PCT. Isso a torna mais específica para infecções bacterianas, em comparação com outros marcadores inflamatórios, como a proteína C reativa [3, 4]. Apesar disso, algumas infecções não bacterianas também podem aumentar os níveis desse marcador [5, 6]:

  • Fungos: pneumocistose e algumas espécies de cândida.
  • Parasita: malária.
  • Infecções respiratórias virais graves: COVID-19 e influenza com insuficiência respiratória

A tabela 1 resume as principais situações clínicas que podem interferir na avaliação da PCT. 

Tabela 1
Situações clínicas que podem interferir na avaliação da procalcitonina
Situações clínicas que podem interferir na avaliação da procalcitonina

Os níveis de PCT aumentam em duas horas do início do processo inflamatório, com pico entre 24 a 48 horas. Com a resolução do quadro, os níveis começam a cair em uma taxa constante. Em processos não resolvidos, os níveis permanecem em um platô.

A maneira como a PCT se comporta nos primeiros dias de tratamento está relacionada com mortalidade e prognóstico. Picos mais elevados ou valores persistentemente elevados se correlacionam com maior mortalidade quando comparados a valores que reduzem nas primeiras 48 horas [7].

Alterações da função renal interferem na PCT. Na doença renal crônica, a PCT apresenta níveis basais elevados, com tendência a um maior tempo para atingir o pico e para redução dos valores [8].

Uso da procalcitonina na pneumonia adquirida na comunidade

A pneumonia adquirida na comunidade é o cenário com as melhores evidências para o uso da PCT [1]. A diretriz da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e um fluxograma clínico da Infectious Diseases Society of America (IDSA) sugerem utilizar a PCT em conjunto com a avaliação clínica para a decisão da introdução de antibiótico, na suspeita de pneumonia adquirida na comunidade [9]. 

O fluxograma da IDSA recomenda não introduzir antibioticoterapia em pacientes que cumpram os seguintes critérios:

  • Painel viral ou teste para vírus específicos (COVID-19 ou influenza) positivos;
  • Baixa suspeição de co-infecção bacteriana; 
  • PCT ≤ 0,25 μg/L; 

A PCT deve ser complementar à avaliação clínica e não um critério absoluto para estabelecer ou modificar a conduta terapêutica. Repetir a PCT em 4 a 6 horas da admissão para avaliar se os níveis aumentaram ajuda a excluir falsos negativos, o que pode ocorrer em apresentações muito precoces de pneumonia. Se houver indícios de etiologia bacteriana (como pacientes com imagem com consolidação pulmonar, leucocitose significativa ou proteína C reativa > 150 mg/dL), alguns autores recomendam que a terapia antimicrobiana deva ser instituída, independente do valor inicial da PCT [10]. Bactérias atípicas (Mycoplasma pneumoniae, Legionella spp. e Chlamydophila pneumoniae) não produzem aumentos tão expressivos de PCT [11, 12]. 

A PCT também pode ser utilizada para monitorar a resposta à terapia antimicrobiana na pneumonia adquirida na comunidade e auxiliar na decisão de interrupção do tratamento [13]. As diretrizes da IDSA e da SBPT não trazem cortes específicos. Algumas referências sugerem interromper a terapia quando a PCT reduz para valores menores que 0,25 μg/L ou quando há uma queda em mais de 80% em relação ao pico [13]. 

Para considerar o uso da PCT é necessário verificar se os protocolos institucionais de cada serviço de saúde respaldam o uso, bem como os cortes sugeridos. 

Não é recomendado o uso da PCT nas exacerbações de DPOC e em casos de bronquite aguda, por evidências inconclusivas.

Uso na sepse e choque séptico

Em pacientes com suspeita de sepse ou choque séptico, o Surviving Sepsis Campaign de 2021 se posiciona contra o uso da PCT para auxiliar na decisão de introdução de antimicrobianos [14]. A justificativa é a falta de evidência em redução de mortalidade com o uso da PCT, além do seu custo e disponibilidade restrita. 
 
O Surviving Sepsis Campaign de 2021 recomenda utilizar a PCT em conjunto com a avaliação clínica para a decisão de descontinuar antibióticos em pacientes com diagnóstico de sepse/choque séptico e controle adequado de foco. Uma meta-análise de 2023 demonstrou que o uso da PCT em algoritmos de tratamento antimicrobiano encurtou o tempo de dias de antibiótico, com possível benefício em mortalidade [15]. 

Fluxograma 1
Uso da procalcitonina em pacientes graves, no cenário de unidade de terapia intensiva (UTI)
Uso da procalcitonina em pacientes graves, no cenário de unidade de terapia intensiva (UTI)

O fluxograma 1 traz uma abordagem de terapia antimicrobiana guiada pela PCT no paciente grave. 

Outras situações

A PCT foi estudada na maioria das infecções bacterianas, porém ainda necessita de maior validação. Meningite aguda é um cenário com boa qualidade de evidência. O marcador pode auxiliar a diferenciar quadros de meningite viral e bacteriana, principalmente em surtos virais, diminuindo a prescrição de antibióticos nesse cenário [16]. A dosagem de PCT sérica foi mais útil do que a dosagem no liquor. A maioria dos trabalhos utilizou um valor de corte de 0,5 μg/L, porém esse valor não é consensual.

Um estudo recente avaliou que o uso da PCT teve impacto na redução de pedidos de hemoculturas desnecessárias no departamento de emergência [17]. Esse é um cenário que precisa de maior validação, porém tem relevância frente ao contexto atual de racionamento de frascos e escassez de insumos. Veja mais em "Indicação de Hemocultura e Desabastecimento de Frascos".

Na insuficiência cardíaca descompensada, é comum ter dúvida se uma infecção do trato respiratório é um agravante do quadro de descompensação [18]. A PCT pode auxiliar no diagnóstico de co-infecção bacteriana nesses pacientes, orientando a decisão de introduzir antibióticos. Níveis de PCT elevada também estiveram relacionados com pior prognóstico nessa população [19].

Síndromes e Cenários

Osteoartrite de Joelhos

Criado em: 04 de Novembro de 2024 Autor: Marcela Belleza Revisor: João Mendes Vasconcelos

Dor é a principal manifestação de osteoartrite, podendo levar a incapacidade, limitação funcional e transtornos de humor. Este tópico revisa o diagnóstico e as opções de tratamento dessa condição.

Diagnóstico

A osteoartrite (OA) é a principal causa de artrite em adultos e o joelho é a articulação mais afetada [1]. Outras articulações comuns são as mãos e os quadris. A doença acomete principalmente a cartilagem articular, mas todos os componentes articulares podem ser afetados. 

Idade avançada é o principal fator de risco para o desenvolvimento de OA. Outros fatores risco incluem obesidade, sexo feminino, desalinhamentos e traumas articulares [2]. 

A manifestação mais comum é a artralgia de padrão mecânico. A dor é inicialmente provocada pelo uso da articulação, com melhora ao repouso. Com o tempo, aumenta em frequência e intensidade. Rigidez articular pode ocorrer, com duração de até 30 minutos. Restrição de movimentos e sinais flogísticos discretos, como aumento do volume e temperatura local, são possíveis [3].   

Pacientes com OA de joelhos, principalmente sem tratamento adequado, podem evoluir com limitações para atividades de vida diária, fadiga, alterações de sono e humor [3].

O diagnóstico de OA periférica (mãos, joelhos ou quadril) é clínico e pode ser estabelecido na presença de história e fatores de risco característicos [3]. Em muitos casos de OA, existe dissociação entre a clínica e os achados de imagem. Na presença de história e apresentação típica, não há necessidade de testes adicionais para o diagnóstico [4]. 

Alguns critérios diagnósticos e classificatórios foram propostos, como o do American College of Rheumatology (ACR) em 1986 e da European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR), em 2020 [2, 5]. Uma sugestão prática para o diagnóstico é aliar três fatores [4, 6]:

  • Artralgia mecânica persistente (acima de um mês) em uma ou poucas articulações
  • Idade maior ou igual a 45 anos
  • Rigidez matinal por até 30 minutos

Exames complementares devem ser solicitados na suspeita de diagnósticos diferenciais, especialmente quando existem manifestações atípicas, como sintomas sistêmicos ou sinais flogísticos importantes. A tabela 1 agrupa os diagnósticos diferenciais e suas características. 

Tabela 1
Diagnósticos diferenciais na osteoartrite de joelhos
Diagnósticos diferenciais na osteoartrite de joelhos

Os exames mais usados na elucidação diagnóstica da artralgia de joelhos são os exames de imagem (radiografia, ultrassonografia e ressonância magnética). A análise do líquido articular é reservada na suspeita de alguns diagnósticos diferenciais, particularmente monoartrites agudas. 

Terapia inicial

A avaliação inicial de um paciente com OA de joelhos inclui a gradação da dor e o impacto nas atividades diárias, o nível de engajamento no autocuidado e a avaliação do humor [7].

Não existem terapias modificadoras da doença na OA [8]. O objetivo dos tratamentos existentes é melhorar a funcionalidade, a amplitude de movimento e a força, além de prevenir quedas. Existem opções não farmacológicas, farmacológicas e cirúrgicas.

As terapias não farmacológicas contribuem no controle de dor e na preservação de funcionalidade a longo prazo [3, 7, 9]. Existem três pilares do tratamento não farmacológico da OA de joelhos: educação do paciente, atividade física e controle de peso [3].

A atividade física e exercícios resistidos devem ser recomendados a todos os pacientes [9, 10]. Não existe consenso sobre a melhor modalidade de exercício no tratamento da OA [7]. A recomendação deve ser individualizada e compartilhada com o paciente [10]. Indivíduos com dor não controlada podem se beneficiar de atividades de menor impacto, como exercícios na água ou bicicleta ergométrica.

Os pacientes devem ser avaliados quanto à necessidade de órteses e bengalas, especialmente se houver instabilidade articular ou acometimento assimétrico de OA de joelhos [7, 9].

Quanto à terapia farmacológica, os anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) tópicos são a primeira escolha para a OA de joelhos. Eles apresentaram controle de dor equivalente, mas com menos efeitos adversos na comparação com AINE oral. Um estudo publicado no Journal of the American Heart Association observou que pacientes que usam AINEs tópicos tiveram um risco 36% menor de eventos cardiovasculares em comparação com aqueles que usam AINEs orais [11]. Um exemplo de AINE tópico é o diclofenaco em gel [3, 9, 10, 12].

A capsaicina modula fibras nociceptivas e também pode ser usada localmente. O paciente deve ser instruído a higienizar as mãos após o uso, pelo risco de irritação ocular [9].

Terapias adicionais

Pacientes com dor intensa ou OA generalizada se beneficiam de terapias sistêmicas. A primeira escolha deve ser uma analgesia simples — AINE, dipirona ou paracetamol [9]. A terapia deve ser adaptada conforme as comorbidades e deve ser mantida na menor dose e por tempo curto para evitar eventos adversos [3, 7].

Se a dor persistir com analgesia comum, uma opção de segunda linha é o tramadol, especialmente em dores intensas e quando AINEs são contraindicados [3]. O benefício do tramadol parece ser pequeno e existem preocupações quanto a eventos adversos gastrointestinais e neurológicos [7, 13]. Outros opioides não parecem ter benefício na OA e não são recomendados [14].

A duloxetina pode ser usada como adjuvante no controle de dor, especialmente em pacientes com depressão ou dor em outros locais [3, 7, 9]. A tabela 2 resume as principais recomendações de tratamento farmacológico e não farmacológico na OA de joelhos. 

Intervenções

Terapias intra-articulares com possível benefício incluem corticoides e ácido hialurônico. Os corticoides intra-articulares reduzem a dor por até um mês. Podem ser usados em períodos específicos, nos quais se espera agudização dos sintomas [10]. Não devem ser repetidos mais do que três vezes ao ano, pelo risco de piora da degeneração articular [9]. Um estudo sugeriu que o uso de corticoide intramuscular foi não inferior ao corticoide intra-articular após oito semanas da aplicação [15]. 

Tabela 2
Recomendações de terapias farmacológicas e não farmacológicas para osteoartrite
Recomendações de terapias farmacológicas e não farmacológicas para osteoartrite

As evidências para ácido hialurônico intra-articular são menos consensuais. Ensaios clínicos rigorosos indicam que o benefício parece ser pequeno em relação ao placebo. Pode ser tentado em casos refratários [9, 10, 16].

A artroplastia de joelho está associada a bom controle da dor e melhora funcional. Deve ser reservada para casos em que as terapias anteriores foram ineficazes [3, 9]. Veja mais sobre o momento ideal para a artroplastia em "Artroplastia para Osteoartrite de Joelho e Quadril".

Cirurgias menos invasivas, como a artroscopia para meniscectomia, lavagem e desbridamento articular, não são recomendadas [3].