Síndromes e Cenários

Herpes Zoster: Diagnóstico, Tratamento e Prevenção

Criado em: 13 de Janeiro de 2025 Autor: Marcela Belleza Revisor: João Mendes Vasconcelos

Herpes zoster é a reativação da infecção latente pelo vírus varicela-zoster, uma condição mais comum em idosos e imunossuprimidos. Uma publicação recente trouxe novos dados sobre internamentos por herpes zoster e motivou a discussão sobre a doença no Guia [1]. Este tópico aborda o diagnóstico, tratamento e prevenção dessa condição.

Manifestações e fatores de risco

Herpes zoster (HZ) é a reativação de uma infecção latente pelo vírus varicela-zoster. O principal fator de risco para a doença é a idade avançada. Existe um claro aumento de incidência após os 50 anos [2]. Estima-se que até metade das pessoas com mais de 85 anos apresentará um episódio de HZ, caso não sejam vacinadas [3]. 

Pacientes imunossuprimidos são mais suscetíveis à doença, especialmente aqueles com neoplasias hematológicas ou transplante de células-tronco hematopoiéticas [4]. Outros fatores de risco estão listados na tabela 1. Um estudo francês mostrou aumento do tempo de internação por herpes zoster em pacientes mais idosos ou com imunossupressão [1]. Veja mais sobre infecções associadas a corticoides sistêmicos no tópico "Infecções Oportunistas Associadas a Corticoides Sistêmicos".

Tabela 1
Fatores de risco para Herpes Zoster
Fatores de risco para Herpes Zoster

O achado dermatológico clássico do HZ é um exantema vesicular unilateral, que geralmente se distribui em um ou dois dermátomos contíguos. Em pessoas imunocompetentes, as vesículas se tornam crostosas em sete a dez dias.

O sintoma mais comum é dor local que ocorre por neurite aguda causada pelo vírus. Em muitos casos, a dor e prurido local precedem as lesões cutâneas. Sintomas sistêmicos inespecíficos, como mal-estar e cefaleia, também podem ocorrer. O zoster sine herpete é uma forma de reativação sem manifestações cutâneas, apenas com dor por neurite aguda. O diagnóstico dessa apresentação de HZ é mais desafiador e depende da detecção do vírus em amostra de sangue com reação em cadeia de polimerase (PCR).

Tabela 2
Outras manifestações de Herpes Zoster
Outras manifestações de Herpes Zoster

Outras manifestações menos típicas incluem o herpes zoster oftálmico, meningite asséptica, mielite transversa e encefalite. A tabela 2 agrupa as definições dessas condições. 

  • O HZ é considerado complicado em situações específicas, que incluem: 
  • Pacientes imunocomprometidos 
  • Acometimento de mais de dois dermátomos
  • Acometimento neurológico ou oftálmico
  • Acometimento visceral 

Pacientes com HZ complicado tem particularidades no tratamento (tabela 3 e seção “Diagnóstico e Tratamento”).

Tabela 3
Terapias antivirais para Herpes Zoster
Terapias antivirais para Herpes Zoster

A neuralgia pós-herpética é uma complicação tardia, que pode acometer até metade dos pacientes, mesmo entre indivíduos imunocompetentes [3,5]. Define-se como uma dor que persiste por mais de 90 dias após o início do exantema, podendo envolver alodinia e hiperalgesia. Alguns casos evoluem com anestesia dolorosa, com perda de sensibilidade profunda associada a dor contínua [6]. 

Diagnóstico e Tratamento

Herpes zoster costuma ser diagnosticado clinicamente sem exames complementares quando há manifestações típicas - exantema vesicular unilateral e dor em faixa, por exemplo. Em pacientes com manifestações atípicas, especialmente com imunossupressão, podem ser necessários exames para confirmação. A detecção do vírus por PCR pode ser feita em material coletado das vesículas ou de outros locais, a depender do acometimento.

Na suspeita de meningite pelo vírus, a dosagem de anticorpos IgG anti-vírus varicela-zoster no líquido cefalorraquidiano pode ser realizada [3,7]. Além da detecção de anticorpos no liquor, a quantidade de anticorpos nesse local pode ser comparada com os anticorpos séricos na razão soro/liquor. Uma razão reduzida sugere atividade viral no sistema nervoso central. PCR para o vírus também pode ser feito no liquor.

O principal diagnóstico diferencial é com herpes simples [5]. Lesões de herpes simples podem ocorrer em locais atípicos em pacientes que fazem esportes de contato e artes marciais. Saiba mais no tópico "Herpes Simples".  

O tratamento com antivirais objetiva reduzir o tempo de atividade da doença e da intensidade dos sintomas [8,9]. Idealmente, o antiviral deve ser iniciado em até 72 horas da primeira lesão em pacientes imunocompetentes. Pode-se considerar o início do tratamento após 72 horas em pacientes com surgimento de novas lesões, com complicações ou com alto risco de complicações (por exemplo, maiores que 65 anos com acometimento do dermátomo V1). A tabela 3 agrupa as opções terapêuticas. Não há recomendação para o uso de antivirais tópicos [5].

Pacientes imunocomprometidos ou com complicações neurológicas graves devem receber tratamento intravenoso em regime hospitalar. A avaliação oftalmológica deve ser realizada em pacientes com HZ oftálmico [5]. Nesses casos, tratamentos tópicos ou intraoculares podem ser necessários. 

Na fase aguda da doença, o controle da dor pode ser feito com analgésicos comuns e anti-inflamatórios não esteroides. Em casos de dor intensa, opioides fracos, como o tramadol, podem ser utilizados.

O tratamento da neuralgia pós-herpética pode ser desafiador. A combinação de medicamentos é mais efetiva no controle da dor, mas aumenta o risco de eventos adversos em comparação à monoterapia, especialmente em idosos [10]. Saiba mais sobre prescrição segura em idosos neste "Critérios de Beers de 2023 e Prescrição Segura em Idosos". 

Tabela 4
Opções de tratamento de neuralgia pós-herpética
Opções de tratamento de neuralgia pós-herpética

As opções para manejo da neuralgia pós-herpética incluem agentes tópicos (lidocaína e capsaicina), gabapentinoides, opioides e tricíclicos (tabela 4) [11,12]. A escolha depende da gravidade da dor, das condições clínicas e das contraindicações de cada paciente. O uso de gabapentinoides na dor neuropática foi revisado em "Gabapentinoides, Dor Neuropática e Eventos Adversos". 

Prevenção

A vacinação contra o HZ é a principal forma de prevenção. Atualmente está disponível no Brasil a vacina recombinante inativada (Shingrix ®). A eficácia para prevenção do HZ é de mais de 90% em alguns estudos [13]. A vacina também pode reduzir o risco de neuralgia pós-herpética [6,14]. As recomendações de vacinação estão dispostas na tabela 5. A contra-indicação absoluta à vacina é alergia conhecida aos componentes e pacientes imunocomprometidos podem ser vacinados conforme a tabela 5.

Tabela 5
Recomendações de Vacinação para Herpes Zoster (vacina inativada)
Recomendações de Vacinação para Herpes Zoster (vacina inativada)

A vacina inativada pode ser usada mesmo em pacientes com episódio prévio de HZ ou que receberam outras imunizações para a doença [15]. Nesse cenário, devem-se observar intervalos mínimos de:

  • Seis meses após um episódio de HZ. 
  • Dois meses após outra imunização para HZ.

Pacientes com HZ devem ser orientados sobre medidas de isolamento, devido ao risco de disseminação do vírus. Em indivíduos imunocompetentes, recomenda-se a adoção de precauções de contato, mantendo as lesões cobertas enquanto estiverem ativas. Por outro lado, aqueles imunocomprometidos devem manter isolamento de contato e respiratório [16]. O isolamento pode ser encerrado após resolução das vesículas, com a formação de crostas [3]. 

Tirzepatida para Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada em Pessoas com Obesidade

Criado em: 13 de Janeiro de 2025 Autor: Ênio Simas Macedo Revisor: João Urbano

O uso de tirzepatida em pessoas com obesidade com insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada (ICFEP) demonstrou benefícios no estudo SUMMIT [1]. Este tópico discute o estudo e revisa este medicamento. 

Terapia farmacológica atual de ICFEP

A diretriz americana de insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada (ICFEP) de 2023, abordada no tópico "Diretriz Americana de Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada", recomenda a utilização dos seguintes tratamentos:

  • Inibidores de SGLT2 (iSGLT2) 
  • Espironolactona 
  • Sacubitril-valsartana 
  • Candesartana

Desde a publicação dessa diretriz, quatro estudos novos ganharam destaque ao investigar outros medicamentos com benefícios na população com ICFEP:

  • Estudo FINEARTS-HF [2]: avaliou a finerenona e demonstrou redução no desfecho composto de morte cardiovascular e eventos de piora de insuficiência cardíaca. Para mais detalhes, veja o tópico "Atualização sobre ICFEP e Finerenona: o estudo FINEARTS-HF".
  • Estudos STEP-HFpEF [3] e STEP-HFpEF DM [4]: investigaram a semaglutida em pacientes com obesidade, com e sem diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Em ambos, observou-se melhora significativa da qualidade de vida. Mais informações no tópico "Semaglutida para Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada".
  • Estudo SUMMIT: analisou o efeito da tirzepatida na ICFEP em pacientes com obesidade. Detalhes sobre esse estudo serão apresentados nesse tópico.

A tirzepatida

A tirzepatida (Mounjaro®) é o único medicamento classificado como agonista duplo dos receptores de GLP-1 e GIP (também chamado de twincretin). Sua ação e seus efeitos adversos são similares aos análogos de GLP-1. Embora já aprovada pela Anvisa, a tirzepatida ainda não está disponível comercialmente no Brasil. Já existem agonistas triplos de GLP-1, GIP e glucagon. Saiba mais em "Retatrutida para Obesidade". 

A família de estudos SURPASS demonstrou que a tirzepatida é eficaz no tratamento do DM2, apresentando reduções de hemoglobina glicada superiores às alcançadas pela insulina glargina [5], insulina degludeca [6] ou semaglutida [7]. Já a família de estudos SURMOUNT demonstrou a eficácia da droga no tratamento da obesidade [8], com redução de 15 a 20% do peso corporal e demonstrando resultados superiores aos da semaglutida (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38976257/). Veja mais sobre o estudo SURMOUNT no tópico "Tirzepatida: novo medicamento para obesidade".

Outros estudos também apontam benefícios da tirzepatida em diferentes cenários:

  • Estudo SURMOUT-OSA: avaliou o uso do medicamento no tratamento da síndrome da apneia do sono em pessoas com obesidade [9]. O estudo encontrou uma redução significativa de eventos de apneia e hipopneia. 
  • Estudo SYNERGY-NASH: investigou a tirzepatida no tratamento da doença hepática gordura associada à disfunção metabólica [10]. O grupo intervenção apresentou maior resolução da esteato-hepatite sem progressão para fibrose. 

A administração da tirzepatida é semanal, por via subcutânea, em doses que variam de 2,5 mg a 15 mg. A titulação de dose é feita em aumentos de 2,5 mg a cada quatro semanas, até alcançar a dose de 15 mg. Os principais efeitos adversos são do trato gastrointestinal, como constipação, diarreia, náuseas, vômitos e sensação de empachamento.

Deve-se ter maior cautela em pacientes com antecedente de carcinoma medular de tireoide ou pancreatite. Pacientes com histórico de carcinoma medular de tireoide foram excluídos dos estudos clínicos, pois há incertezas quanto ao risco de análogos de GLP-1 favorecerem esse tipo de neoplasia [11-13]. Por compartilhar semelhanças farmacológicas com esses análogos, a tirzepatida também exige cautela nesse cenário. Pessoas com histórico de pancreatite também foram excluídas dos estudos com tirzepatida, apesar de evidências recentes não favorecerem a associação entre o medicamento e inflamação pancreática [8,14].

O estudo SUMMIT

O estudo SUMMIT avaliou os possíveis benefícios da tirzepatida em pacientes com ICFEP e obesidade. Este foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e multicêntrico [1]. Os principais critérios de inclusão foram:

  • Idade ≥ 40 anos
  • Insuficiência cardíaca com fração de ejeção > 50%, com sintomas clínicos
  • Índice de massa corporal ≥ 30 kg/m²

A presença de diabetes mellitus não era obrigatória para a inclusão no estudo. Outros critérios de inclusão e exclusão estão descritos na tabela 1.

Tabela 1
Critérios de inclusão e exclusão do estudo SUMMIT
Critérios de inclusão e exclusão do estudo SUMMIT

O grupo intervenção recebeu tirzepatida via subcutânea na dose de 2,5 mg por semana, com aumentos de 2,5 mg a cada quatro semanas até 15 mg/dia. O grupo controle recebeu placebo.

Foram avaliados dois desfechos primários:

  • Mudança no escore de qualidade de vida, avaliado pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ)
  • Desfecho composto de morte cardiovascular ou piora de insuficiência cardíaca (necessidade de hospitalização ou intensificação de diureticoterapia, seja por via oral ou intravenosa).

No total, 731 indivíduos foram analisados, com acompanhamento médio de 104 semanas. Mais da metade dos participantes eram latino-americanos. Entre os resultados obtidos, destacam-se:

  • Menor incidência do desfecho primário composto no grupo tirzepatida (hazard ratio 0,62; IC 95%, 0,41 - 0,95; NNT 18,5). Esse efeito se deu às custas da redução de eventos de piora de insuficiência cardíaca. 
  • Melhora na qualidade de vida avaliada pelo KCCQ no grupo tirzepatida (diferença média de 6,9; IC 95%, 3,3-10,6).
  • Entre os desfechos secundários, perda de peso de cerca de 13,9% com tirzepatida, em comparação com 2,2% no grupo controle. 

Os principais efeitos adversos relatados envolvem o trato gastrointestinal, levando à suspensão da tirzepatida em 4% dos indivíduos. 

Limitações e perspectiva

A principal crítica ao estudo é o alto grau de seletividade da amostra de pacientes. Foram incluídos apenas indivíduos com ICFEP sintomática, de alto risco para complicações, mas com baixa carga de outras comorbidades (tabela 1). Ao todo, apenas 731 participantes foram incluídos, de um total de 1.494 indivíduos rastreados. Isso pode reduzir a validade externa do estudo, considerando que os pacientes com ICFEP costumam ser mais idosos e apresentar várias comorbidades associadas.

Outra observação é que, no braço de intervenção, houve uma frequência ligeiramente maior de uso de antagonistas de mineralocorticoide (36% contra 34%) e inibidores de SGLT2 (19% contra 15%). Isso levanta a hipótese de possíveis efeitos aditivos desses fármacos, dificultando a interpretação isolada do papel da tirzepatida nos desfechos analisados.

Há grande probabilidade de a tirzepatida ser incorporada às próximas diretrizes de tratamento de ICFEP, diante das opções terapêuticas atuais. No entanto, permanece incerto o quanto o benefício observado se deve exclusivamente à perda de peso ou a efeitos farmacológicos adicionais do medicamento.

Estudos futuros em pacientes sem obesidade e análises de custo-efetividade serão essenciais para elucidar essas incertezas. Pesquisas em mundo real podem oferecer melhor compreensão do papel da tirzepatida em populações mais heterogêneas e com múltiplas comorbidades.

Hipertensão Arterial na Doença Renal Crônica

Criado em: 13 de Janeiro de 2025 Autor: Caio Bastos Revisor: João Mendes Vasconcelos

O manejo da hipertensão arterial sistêmica na doença renal crônica tem particularidades que podem dificultar o controle pressórico. Este tópico aborda as principais diretrizes de tratamento para esses pacientes, incluindo a de 2023 da European Society of Hypertension (ESH) e de 2024 do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) e da European Society of Cardiology (ESC) [1-3].

Principais recomendações das diretrizes

Terapia farmacológica

As diretrizes da ESH de 2023 e da ESC de 2024 recomendam o uso de terapia combinada (mais de um anti-hipertensivo) para o manejo da hipertensão arterial sistêmica (HAS) nos pacientes com doença renal crônica (DRC). Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou os bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) são considerados como os anti-hipertensivos de primeira escolha, especialmente em casos de albuminúria > 300 mg/dia. 

Quando a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) for > 45 ml/min/1,73 m², recomenda-se associar bloqueadores dos canais de cálcio ou diuréticos tiazídicos. Entretanto, diante de TFGe < 30 ml/min/1,73 m² ou hipervolemia, sugere-se substituir os diuréticos tiazídicos pelos de alça, para garantir controle do volume intravascular. Para pacientes com TFGe entre 30 e 45 ml/min/1,73 m², a escolha do diurético deve ser individualizada, considerando os fatores clínicos específicos de cada caso [1]. O fluxograma 1 apresenta uma sugestão de manejo farmacológico da pressão arterial na DRC. 

Fluxograma 1
Terapia farmacológica para manejo de hipertensão arterial na doença renal crônica
Terapia farmacológica para manejo de hipertensão arterial na doença renal crônica

Os medicamentos utilizados no tratamento da DRC podem exercer um efeito hipotensor que auxilia no controle da HAS. Isso é válido para os inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2) e para a finerenona. Para mais detalhes sobre as duas medicações, consulte os tópicos "Gliflozinas (inibidores da SGLT2)" e "Finerenona na Nefropatia Diabética".

A diretriz do KDIGO para manejo de DRC de 2024 recomenda a introdução dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2) em todos os pacientes com TFGe > 20 ml/min/1,73m2 que apresentem um dos seguintes fatores (recomendação 1A) [2]:

  • Diabetes mellitus tipo 2 (DM2) 
  • Insuficiência cardíaca
  • Albuminúria > 200 mg/g

O principal fundamento para essa indicação é a redução do risco cardiovascular e da progressão da doença renal com esses medicamentos [4]. Uma meta-análise envolvendo 2.381 pacientes com diabetes encontrou que o uso de iSGLT2 promoveu redução média de 3,61 mmHg na pressão arterial sistólica, destacando seu efeito anti-hipertensivo [5].

A finerenona é um antagonista de receptores de mineralocorticoides recomendado na DRC associada a DM2 com proteinúria. Em uma subanálise de 240 pacientes do estudo ARTS-DN, a finerenona reduziu aproximadamente 10 mmHg na pressão arterial sistólica [6]. 

Alvo de tratamento

A tabela 1 apresenta os principais alvos de pressão arterial para pacientes com DRC, conforme as diretrizes vigentes. De modo geral, as diretrizes europeias, americana e brasileira são concordantes quanto ao alvo de pressão arterial < 130/80 mmHg, semelhante à definida para a população em geral. Entretanto, o KDIGO de 2024 recomenda um alvo mais intensivo, orientando pressão sistólica < 120 mmHg.

Tabela 1
Alvo de pressão arterial para pacientes com doença renal crônica não dialítica conforme diretrizes
Alvo de pressão arterial para pacientes com doença renal crônica não dialítica conforme diretrizes

A recomendação do KDIGO de um alvo mais rigoroso fundamenta-se especialmente no estudo SPRINT. Esse trabalho incluiu pacientes com DRC e comparou um grupo de tratamento intensivo (alvo de pressão arterial sistólica < 120 mmHg) e outro com tratamento padrão (alvo de pressão arterial sistólica < 140 mmHg). Após um seguimento médio de 3,3 anos, o grupo intensivo apresentou uma redução da mortalidade por todas as causas em comparação ao grupo padrão (razão de risco 0,73; 95% CI, 0,60 to 0,90) [7].

Ao se adotar o alvo < 120 mmHg recomendado pelo KDIGO, deve-se observar duas limitações:

  • O SPRINT excluiu pacientes com proteinúria superior a 1 g/24 h e aqueles com TFGe < 20 ml/min/1,73 m², grupo que constitui uma parcela significativa da população com DRC.
  • O protocolo de aferição no SPRINT incluiu três medições automáticas consecutivas de pressão arterial após cinco minutos de repouso, em uma sala sem observador. Em um estudo realizado com 275 portadores de DRC, esse método padronizado resultou em valores de pressão arterial 12,7 mmHg menores que a aferição habitual [8].

O próprio KDIGO alerta que estabelecer um alvo de pressão sistólica < 120 mmHg, mensurado em consultório de forma convencional, pode acarretar riscos.

Terapia não farmacológica

A restrição salina é a principal recomendação não farmacológica para o controle da pressão arterial em pacientes com DRC. O KDIGO recomenda uma ingestão < 2 g de sódio ao dia (equivalente a < 5 g de cloreto de sódio). De acordo com uma meta-análise da Cochrane, a redução de cerca de 1,6 g na ingestão diária de sódio proporcionou queda de 6,9/3,9 mmHg na pressão arterial e diminuição de 36% na albuminúria [9]. 

iECA/BRA na doença renal crônica

Até quando é seguro manter os iECA/BRA?

O estudo STOP ACEi Trial, publicado no New England Journal of Medicine em 2022, avaliou 411 pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m², randomizados para suspensão ou manutenção de iECA/BRA. Após três anos de seguimento, não houve diferença significativa entre os grupos em relação à média de TFGe, à incidência de diálise ou aos desfechos cardiovasculares [10]. Com base nesses resultados, o KDIGO recomenda manter os iECA/BRA mesmo em pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m², desde que não apresentem hipotensão sintomática ou hipercalemia de difícil controle.

Até quando é seguro iniciar os IECA/BRA?

Em 2024, o Annals of Internal Medicine publicou uma revisão sistemática e meta-análise retrospectiva que incluiu 1.739 pacientes de 18 ensaios clínicos, todos com TFGe < 30 mL/min/1,73 m². Esses participantes foram randomizados para receber iECA/BRA ou outros anti-hipertensivos/placebo. O desfecho primário foi a necessidade de terapia de suporte renal, enquanto o secundário avaliou mortalidade [11].

Os resultados mostraram que o uso de iECA/BRA reduziu o risco do desfecho primário (razão de risco ajustada de 0,66 [IC 95%, 0,55–0,79]), mas não afetou a mortalidade (razão de risco de 0,86 [IC 95%, 0,58–1,28]). Com base nesses achados, o KDIGO reforça a possibilidade de iniciar iECA/BRA mesmo se TFGe < 30 ml/min/1,73 m².

Após o início ou ajuste da dose de iECA/BRA, recomenda-se avaliar a pressão arterial, creatinina e potássio sérico em 2 a 4 semanas. Em casos de hipercalemia associada ao uso desses fármacos, costuma-se priorizar estratégias para reduzir o potássio — por exemplo, ajustes na dieta e uso de diuréticos — em vez de interromper ou reduzir a dose dos iECA/BRA. A descontinuação dessas drogas só é indicada quando há aumento acima de 30% da creatinina basal após 4 semanas do início do tratamento ou ajuste de dose [2].

Diuréticos tiazídicos na doença renal crônica

Os diuréticos tiazídicos são os diuréticos de escolha para pacientes com DRC e TFGe > 45 ml/min/1,73 m². Pelas diretrizes atuais, o uso ainda não é recomendado quando a TFGe < 30 ml/min/1,73 m², considerando a menor eficácia e risco de eventos adversos.

Em 2021, o New England Journal of Medicine publicou o estudo CLICK, que avaliou 160 pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m² e hipertensão não controlada, randomizados para clortalidona ou placebo por 12 semanas [12]. O grupo clortalidona apresentou:

  • Redução na pressão arterial sistólica de 10,5 mmHg (95% IC, −14,6 a −6,4 mmHg). 
  • Redução de 50% na albuminúria.

Uma análise de subgrupo em pacientes com hipertensão arterial resistente encontrou que a clortalidona reduziu a pressão arterial sistólica em 13,9 mmHg.

Apesar dos achados positivos, o CLICK foi considerado de curta duração e envolveu um número pequeno de participantes, o que limita a capacidade de observar resultados para desfechos cardiorrenais de longo prazo [13]. Além disso, eventos adversos como hipocalemia, hiperglicemia, hipotensão ortostática, tontura e hiperuricemia foram mais frequentes no grupo que recebeu clortalidona em comparação ao placebo, reforçando a cautela na prescrição desses fármacos em pacientes com DRC avançada.

Manejo farmacológico da hipertensão arterial em pacientes dialíticos

Em pacientes dialíticos, o controle da pressão arterial tem desafios próprios. Nas diretrizes apresentadas, não há recomendações formais sobre manejo da hipertensão nessa população. O controle do volume extracelular com a ultrafiltração pela hemodiálise e a restrição de sódio na dieta são as principais medidas para o manejo da hipertensão no paciente em diálise [14].

O momento ideal para aferir a pressão arterial é discutível pelo efeito direto da sessão de diálise no controle pressórico. Dessa forma, a aferição ideal deve ocorrer predominantemente no período entre as sessões de diálise.

A hipervolemia é um dos principais fatores envolvidos na hipertensão de pacientes em diálise. Reduzir o peso seco pode surtir um efeito equivalente ao de acrescentar novas classes de anti-hipertensivos [15]. Ainda que não haja sinais clínicos evidentes de hipervolemia, muitos pacientes podem, na prática, estar acima do peso seco. O ajuste do peso seco inclui o aumento da ultrafiltração ou o uso de diuréticos. Os diuréticos podem ser usados em pacientes que ainda tem capacidade de produzir urina (diurese residual), a fim de intensificar a excreção de sódio e água. O controle pressórico tende a melhorar à medida que o peso seco se aproxima do nível ideal, sendo necessário reduzir os fármacos anti-hipertensivos em alguns casos.

Para a terapia farmacológica, os beta-bloqueadores podem ser considerados uma boa opção. O bloqueio adrenérgico pelo fármaco parece atenuar a hipertensão durante a diálise, além de reduzir eventos cardiovasculares nesse perfil de paciente [16,17].

O principal estudo sobre o assunto é o HDPAL, um ensaio clínico randomizado com 200 pacientes em diálise que comparou atenolol e lisinopril por um período de 12 meses. Foi encontrada uma incidência 2,29 vezes maior do desfecho composto (infarto, AVC, hospitalização por insuficiência cardíaca e morte cardiovascular) no grupo lisinopril [18]. Pacientes em uso de atenolol apresentaram maior facilidade para atingir o controle pressórico, com necessidade de menos ajustes de peso seco ou adição de outras drogas. 

A American Society of Nephrology reconhece a falta de evidências boas nessa população e recomenda os bloqueadores dos canais de cálcio di-hidropiridínicos (como nifedipino e anlodipino) nos pacientes que permanecem com pressão arterial elevada a despeito das medidas não farmacológicas e do uso de beta-bloqueadores [19]. Uma vantagem desses fármacos é não serem significativamente removidos pela diálise, possibilitando dose única diária. Os iECA/BRA, caso ainda não estejam em uso, são geralmente a terceira opção. Os ensaios clínicos são conflitantes sobre o benefício cardiovascular desses medicamentos nos pacientes em diálise.