Antibiótico na Diverticulite Aguda

Criado em: 08 de Agosto de 2022 Autor: Raphael Coelho

O manejo da diverticulite aguda mudou nos últimos anos. Alguns estudos desafiaram condutas tradicionais que nem sempre foram baseadas em evidências. O estudo DINAMO, publicado no Annals of Surgery em dezembro de 2021, trouxe novas informações em relação ao uso de antibióticos no manejo ambulatorial dessa doença [1].

Manejo clínico

Três pilares sustentam o manejo não invasivo da diverticulite:

  • Controle de Dor
  • Dieta e Hidratação
  • Uso de antibióticos

Não há consenso em relação a dieta mais adequada. A European Society of Coloproctology (ESCP) afirma que não há evidências para apoiar restrições dietéticas, sendo preferível dieta sem restrições, quando tolerada. Três diretrizes americanas, da American Gastroenterological Association (AGA), American Society of Colon and Rectal Surgeons (ASCRS) e American College of Physicians (ACP), não se posicionaram sobre o tema no contexto agudo da diverticulite [2-5].

Quando não é necessário usar antibiótico no paciente internado?

A ideia de que a diverticulite aguda é uma doença mais inflamatória do que infecciosa circula há um bom tempo. Nos últimos 10 anos, dois trabalhos importantes ajudaram a esclarecer esse tema. Ambos avaliaram pacientes internados com diverticulite não complicada, ou seja, sem sinais de perfuração ou abscesso.

O estudo AVOD estudou diverticulite do cólon esquerdo e o DIABOLO, do sigmoide [6, 7]. Não houve diferença nos desfechos entre quem usou antibiótico e quem não utilizou, em relação a complicações, mortalidade e recorrência. O grupo AVOD ainda acompanhou os pacientes por 11 anos [8]. Os grupos foram bem selecionados: quadro leve e sem comorbidades graves.

A AGA em 2015 já sugeria que os antibióticos não deveriam ser prescritos para todos. Naquela época, apenas o AVOD estava publicado, o que não permitia uma recomendação forte.

A ASCRS em 2020, ESCP no mesmo ano, e a ACP em 2022 recomendaram que pacientes selecionados poderiam ser tratados sem antibiótico.

E no paciente ambulatorial?

O DINAMO foi um estudo multicêntrico e randomizado que testou a não inferioridade do manejo sem antibióticos na diverticulite aguda leve. Esse foi o primeiro trabalho a fazer essa comparação no contexto ambulatorial. Os pacientes eram atendidos no pronto-socorro e liberados para casa apenas com sintomáticos ou com sintomáticos e antibióticos. O estudo não utilizou placebo e o desfecho primário foi a taxa de internação ao longo do acompanhamento em 90 dias. De 2016 a 2020, 849 pacientes se enquadraram como diverticulite leve tomográfica. Apenas 480 foram randomizados, pois o restante foi excluído por gravidade clínica ou comorbidades relevantes.

O que o estudo encontrou?

O trabalho encontrou que fazer o manejo sem antibióticos foi não inferior a usar antibióticos em relação a internações, evolução clínica e controle de dor.

Tabela 1
Classificação de Neff modificada para diverticulite aguda
Classificação de Neff modificada para diverticulite aguda

O perfil de pacientes selecionados, segundo os critérios do DINAMO, foram:

  • Classificação mNeff 0 na tomografia (tabela 1)
  • Único episódio dos últimos 3 meses
  • Ausência de comorbidades significativas (diabetes com complicações, evento cardiovascular nos últimos 3 meses, cirrose ou doença renal crônica)
  • Ausência de imunossupressão
  • No máximo uma alteração em: um critério de SIRS (temperatura, leucócitos, frequência cardíaca ou frequência respiratória) ou PCR (> 15 mg/dL)

Essa conduta é aplicável?

Fica a dúvida se é comum encontrar pacientes que se enquadrem nesses critérios. Isso depende da prevalência de comorbidades graves e diverticulite complicada. Nos centros do estudo DINAMO, 60% dos pacientes avaliados eram mNeff 0. Desse grupo, 40% foi excluído pelo critério gravidade clínica ou comorbidade. Por esses dados, há um número considerável de pessoas que poderiam ser tratadas ambulatorialmente sem antibióticos.

Encefalites

Criado em: 08 de Agosto de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Encefalite é a inflamação do parênquima cerebral, em geral causada por infecção ou processo autoimune (pós-infeccioso, paraneoplásico ou idiopático). Apresenta clínica variável, desde alterações neurológicas focais até coma. Trazemos os principais pontos de uma revisão sobre a conferência da Encephalitis Society de dezembro de 2021 [1].

Definição de Encefalite

Estima-se uma incidência de encefalite entre 3,5 a 12,3 por 100.000 pacientes/ano. Apesar do aumento do reconhecimento e surgimento de novas terapias, ainda apresenta alta mortalidade. O diagnóstico precoce tem o potencial de melhorar os desfechos.

Para entrar nos critérios diagnósticos de encefalite, o paciente tem que apresentar alteração do estado mental por mais de 24 horas, sem causa esclarecida, com pelo menos dois dos seguintes:

  • Febre documentada maior que 38 ºC
  • Crise convulsiva não associada a epilepsia prévia
  • Novo sinal neurológico focal
  • Pleocitose em líquor
  • Nova neuroimagem sugestiva de encefalite
  • Achados no eletroencefalograma compatíveis com encefalite

Quais as principais etiologias?

As causas podem ser divididas em infecciosas e autoimunes. As autoimunes podem ser divididas em: pós-infecciosa, paraneoplásica ou idiopática.

Vírus são os principais responsáveis por encefalites no mundo. Os mais comuns são: herpes vírus, arbovírus, enterovírus e adenovírus. Bactérias, fungos e parasitas são agentes menos frequentes.

Um histórico de viagem recente é necessário. Dentre as arboviroses, além de Zika, Dengue e Chikungunya, deve-se considerar o vírus do Nilo Ocidental e a encefalite japonesa em pacientes viajantes de áreas de risco. Doenças transmitidas por carrapatos também podem causar encefalite, em especial febre maculosa no Brasil (ver mais em "Febre Maculosa Brasileira") e doença de Lyme em viajantes dos EUA.

Várias encefalites autoimunes são descritas. Muitas apresentam autoanticorpos específicos no líquor, sendo os mais comuns o anti-NDMAR (N-methyl D-aspartate receptor), mais prevalente em jovens, e anti-LGI1 (leucine-rich glioma-inactivated 1).

As encefalites autoimunes podem ser uma manifestação paraneoplásica. A associação mais bem descrita é a de encefalite anti-NMDAR com teratoma ovariano, presente em até 30% dos casos dessa encefalite.

Outra causa de encefalite autoimune é a encefalomielite desmielinizante aguda (ADEM). Essa doença desmielinizante é causada por uma resposta autoimune após uma infecção viral ou vacinação e predomina na população pediátrica. Sintomas virais e febre ocorrem antes das manifestações neurológicas em até 75% dos casos.

Quais as manifestações clínicas?

A avaliação do paciente com encefalite deve ser voltada para diferenciar as duas principais etiologias: infecciosa e autoimune. Na tabela 1, estão descritos alguns achados mais sugestivos de cada grupo.

Tabela 1
Achados mais prevalentes nas etiologias de encefalite
Achados mais prevalentes nas etiologias de encefalite

Apesar de ser um critério obrigatório, parte dos pacientes não apresenta alteração significativa na escala de coma de Glasgow. Alguns podem apresentar alterações sutis mesmo aos testes cognitivos e, por vezes, a única modificação no estado mental é uma alteração comportamental relatada pelos familiares.

Crises convulsivas são sintomas comuns tanto nas encefalites virais quanto nas autoimunes. Sinais focais como hemiparesia e comprometimento de nervos cranianos também podem estar presentes nesses dois tipos de encefalite.

A presença de sinais meníngeos em pacientes com encefalite caracteriza uma meningoencefalite. Essa apresentação está associada a quadros infecciosos.

Transtornos comportamentais e de personalidade em um paciente com encefalite sugerem a presença de componente autoimune, particularmente associado à encefalite por anti-NMDAR. Estes sintomas podem iniciar-se semanas antes de outras alterações neurológicas. A encefalite por anti-NMDAR deve ser considerada em pacientes com sintomas psiquiátricos e outros achados sugestivos de encefalite. Contudo, não deve ser investigada de rotina em todos os pacientes com psicose, visto que a investigação indiscriminada não é custo-efetiva [2].

Como investigar?

Na suspeita de encefalite, um dos primeiros exames solicitados é a análise do líquor. Pelo risco de herniação cerebral após a punção lombar em pacientes com hipertensão intracraniana regional, deve-se realizar tomografia computadorizada de crânio antes da punção nas seguintes situações:

  • Sinais neurológicos focais
  • Crise convulsiva
  • Papiledema
  • Escala de coma de Glasgow menor que 13

Nas encefalites virais, o líquor tipicamente apresenta pleocitose linfocítica. A concentração de proteínas costuma ser leve a moderadamente aumentada, mas níveis normais podem ocorrer. A glicose no líquor habitualmente está normal. A coleta de painel viral (estudo com PCR para os principais vírus causadores de encefalite) deve ser realizada na primeira coleta, pois o uso de antivirais reduz rapidamente a carga viral.

A pleocitose pode estar ausente, principalmente em casos autoimunes. Um painel de auto-anticorpos deve ser considerado em todos os pacientes com encefalites, em especial nos que não apresentam uma causa infecciosa clara ou com sinais sugestivos de etiologia autoimune.

A neuroimagem é recomendada na suspeita de encefalite para investigar achados compatíveis com o diagnóstico e afastar lesões focais expansivas. O exame de escolha é a ressonância nuclear magnética (RM) de crânio.

Por vezes a RM é normal, mas algumas etiologias podem apresentar imagem sugestiva. Na encefalite por herpes simplex tipo 1 (HSV) podem ocorrer lesões bilaterais, assimétricas, com hipersinal na ponderação T2, predominando em regiões frontotemporais e no córtex insular. Nas encefalites autoimunes, principalmente por anti-NMDAR, são descritas alterações bilaterais e simétricas na região do sistema límbico.

Outro exame útil na investigação é o eletroencefalograma. Em casos de encefalite por HSV há alterações em mais de 80% dos casos. No contexto clínico adequado, o achado de ondas lentas intermitentes de alta amplitude em regiões temporais, apesar de não específico, pode sugerir o diagnóstico de encefalite por HSV. Na encefalite autoimune, o padrão extreme delta brush é sugestivo da doença, apesar de infrequente [3].

Tabela 2
Associação de encefalite autoimune com neoplasias
Associação de encefalite autoimune com neoplasias

Nos casos de encefalite autoimune, considera-se a investigação de neoplasias voltada para a idade e sintomas sugestivos. Algumas encefalites autoimunes estão mais associadas a neoplasias específicas (tabela 2).

Prevenção de Pneumonia Hospitalar

Criado em: 08 de Agosto de 2022 Autor: Frederico Amorim Marcelino

A prevenção de pneumonia associada à ventilação (PAV) é rotina nas UTI. A Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA) publicou em março de 2022 uma atualização nas recomendações de prevenção de PAV, modificando pontos polêmicos [1]. Vamos discutir as recomendações em 3 grupos: descontaminação, manutenção do circuito de ventilação e medidas para diminuir ou evitar intubação. A lista completa de recomendações está em anexo.

Descontaminação

Tabela 1
Medidas recomendadas de prevenção de pneumonia associada à ventilação
Medidas recomendadas de prevenção de pneumonia associada à ventilação

O objetivo dessas medidas é diminuir a carga bacteriana do trato gastrointestinal e com isso reduzir a incidência de PAV. Isso pode ser feito com descontaminação oral ou digestiva. A principal medida usada atualmente é a higiene oral com clorexidina. Contudo, a revisão das evidências sobre a prática trouxe 2 pontos principais:

  • A higiene oral com clorexidina, apesar de diminuir a incidência de PAV, parece não ter efeito sobre a mortalidade, tempo de ventilação ou tempo de internação em UTI;
  • Surgiram estudos demonstrando possível aumento de mortalidade com uso de clorexidina. Em paralelo, a escovação dentária parece diminuir a incidência de PAV.

Assim, a recomendação atual é: higiene oral com escovação dentária e não utilizar clorexidina oral.

Já a descontaminação da orofaringe e digestiva, usando antibioticoterapia tópica, oral e/ou endovenosa, surge como uma opção. Em serviços com menos de 5% de infecções por bactérias produtoras de betalactamases de espectro estendido (ESBL), essa intervenção diminuiu as taxas de mortalidade [2]. Infelizmente o mesmo efeito não foi observado em locais com maior taxa de infecções por bactérias produtoras de ESBL.

Manutenção do circuito de ventilação e do tubo orotraqueal

O balonete (cuff) do tubo orotraqueal contribui para diminuir o risco de aspiração de secreções da orofaringe. Por um lado, o balonete com pressão menor do que 20 cmH2O está associado com maior risco de PAV [3]. Por outro lado, pressões elevadas no balonete podem contribuir com isquemia e ulcerações de traqueia. Assim, para a prevenção de PAV é realizada avaliação rotineira da pressão do balonete, já que a movimentação do paciente pode afetar essa pressão. A frequência de 8/8 horas é até recomendada em diretriz [4].

Um trabalho de 2018 comparou aferições frequentes com aferições conforme indicação clínica, não encontrando diferença em frequência de PAV ou tempo de internação [5]. Paralelamente, um estudo in vitro demonstrou diminuição das pressões do balonete após o próprio procedimento de aferição [6].

Tabela 2
Medidas não recomendadas de prevenção de pneumonia associada à ventilação
Medidas não recomendadas de prevenção de pneumonia associada à ventilação

A recomendação da SHEA é de não realizar medidas frequentes da pressão do balonete.

O circuito de ventilação é outra possível fonte de bactérias. A troca programada não se mostrou melhor do que a troca quando necessário (apenas por problema no funcionamento ou sujeira). Assim, a recomendação é trocar o circuito apenas quando necessário.

Medidas para evitar ou diminuir o tempo de intubação orotraqueal

A atualização recomenda o uso de ventilação não invasiva (VNI) para evitar intubação e PAV. Tanto a VNI quanto o cateter nasal de alto fluxo, por estarem associadas a diminuição de intubação e reintubação, podem ser utilizadas nesse contexto. Para diminuir o tempo de ventilação mecânica, a diretriz recomenda protocolos de diminuição de sedação e evitar o uso de benzodiazepínicos, pois estão associados a maior tempo de ventilação em comparação com dexmedetomidina e propofol.