Medicamentos na Parada Cardiorrespiratória (PCR)

Criado em: 20 de Janeiro de 2025 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno Revisor: João Mendes Vasconcelos

A parada cardiorrespiratória é um momento crítico em que pode ocorrer uma sobrecarga de raciocínio. Pode ser difícil relembrar quais medicamentos são possíveis de realizar na PCR e em que momentos eles estão indicados. Nesse tópico, iremos revisar as evidências e como fazer os medicamentos na PCR.

Adrenalina

Adrenalina, também conhecida como epinefrina, é um dos principais medicamentos utilizados na parada cardiorrespiratória (PCR).  Seu principal objetivo é induzir vasoconstrição periférica, aumentando a pressão diastólica e melhorando a perfusão coronariana [1].

A dose recomendada é de 1 mg administrada em bolus, podendo ser aplicada por via intravenosa ou intraóssea. O ACLS orienta a administração de adrenalina a cada 3 a 5 minutos, até o retorno da circulação espontânea ou o término da PCR. Esse medicamento é indicado para todos os ritmos, porém em momentos diferentes:

  • Ritmo não chocável (assistolia ou atividade elétrica sem pulso - AESP): Nestes casos, não se realiza desfibrilação. A adrenalina deve ser administrada no primeiro ciclo de reanimação.
  • Ritmos chocáveis (Fibrilação Ventricular ou Taquicardia Ventricular sem Pulso: A adrenalina é administrada somente no segundo ciclo. Ao reconhecer um ritmo chocável, deve-se realizar a desfibrilação. Após a primeira desfibrilação, inicia-se o primeiro ciclo sem administração de adrenalina. Se o ritmo chocável persistir, realiza-se uma segunda desfibrilação, dando início ao segundo ciclo, momento em que a adrenalina de 1 mg é administrada. Ver fluxograma 1.
Fluxograma 1
Sequência de condutas na parada cardiorrespiratória
Sequência de condutas na parada cardiorrespiratória

A recomendação de não realizar adrenalina durante o primeiro ciclo é respaldada por um trabalho que identificou um pior desfecho quando realizado dentro dos primeiros dois minutos após a desfibrilação [2]. Uma possível explicação é que, nas PCRs com ritmos chocáveis, as principais etiologias são causas cardíacas [3], e a adrenalina pode aumentar a demanda cardíaca, agravando o dano miocárdico.

A eficácia da adrenalina na PCR ainda carece de evidências robustas. O estudo PARAMEDICS2 comparou adrenalina com placebo em PCRs extra-hospitalares, teve como desfecho primário a sobrevida aos 30 dias [4]. O grupo que recebeu adrenalina apresentou maior taxa de sobrevida, porém com maiores incidências de comprometimento neurológico grave. Outros estudos corroboram esses achados, demonstrando melhora na sobrevida, mas com aumento nas chances de lesões neurológicas graves [5, 6].

A American Heart Association (AHA) sugere a vasopressina como uma alternativa à adrenalina, podendo ser administrada isoladamente ou em combinação com metilprednisolona  [7]. No entanto, não há evidências que demonstrem vantagem da vasopressina em relação à adrenalina [8]. A dose da vasopressina é de 20 UI, podendo se associar a 40 mg de metilprednisolona.

Antiarrítmicos na PCR

Os antiarrítmicos utilizados na PCR são a amiodarona e a lidocaína. Eles devem ser utilizados em PCR com ritmo chocável. A recomendação da AHA é utilizar um antiarrítmico após a terceira desfibrilação, em casos de refratariedade de uma Fibrilação Ventricular (FV) ou Taquicardia Ventricular sem Pulso (TVSP).

Amiodarona

Amiodarona deve ser administrada em no máximo duas doses, por via intravenosa ou intraóssea. A primeira dose é de 300 mg e a segunda dose de 150 mg, aplicadas 3 a 5 minutos após a primeira. A administração deve ser feita em bolus, o que só pode ser feito em situação de PCR. Em situações de arritmia com pulso, a dose deve ser diluída e realizada em um período de tempo maior. Comentamos mais sobre amiodarona no tópico "Amiodarona".

Lidocaína

A lidocaína é realizada na dose de 1 a 1,5 mg/kg por via intravenosa ou intraóssea, repetindo a metade da dose a cada 5 a 10 minutos, até uma dose máxima de 3 mg/kg. Alguns protocolos de trabalhos realizaram a dose de 120 mg de lidocaína, repetindo uma única vez a dose de 60 mg [9].

Evidências e Estudos Clínicos

A evidência para o uso de antiarrítmicos na PCR também não é robusta. Em um estudo com mais de 3000 pacientes com PCR extra-hospitalar, a comparação entre amiodarona, lidocaína e placebo não encontrou diferenças significativas em relação à sobrevida ou comprometimento neurológico [9]. Entretanto, em análises de subgrupos, nos pacientes que tiveram uma PCR assistida, os efeitos da amiodarona e da lidocaína foram superiores aos do placebo. Estudos anteriores também viram maiores benefícios da droga quando o paciente tinha uma PCR assistida [10]. Isso sugere que os arrítmicos possuem melhor performance quando realizadas no menor tempo possível. 

Existem trabalhos conflitantes sobre qual dos antiarrítmicos é superior. Um estudo de 2002 observou superioridade da amiodarona em relação à sobrevida [11]. Uma meta-análise de 2017 demonstrou superioridade da lidocaína quanto à alta hospitalar pós-PCR [12]. Uma coorte retrospectiva de 2023 com mais de 14 mil pacientes identificou que lidocaína foi superior em múltiplos desfechos, incluindo sobrevida e comprometimento neurológico [13].

Os documentos não são claros em relação ao uso do amiodarona após o retorno da circulação espontânea em pacientes pós PCR por TVSP ou FV. Em um estudo observacional, a taxa de recorrência da arritmia foi aproximadamente 11% e a amiodarona não demonstrou eficácia em prevenir essa recorrência [14]. Alguns pacientes podem se beneficiar dessa estratégia, como aqueles que apresentam arritmias ventriculares nas primeiras horas pós-parada.

Outros medicamentos

Além dos vasopressores e antiarrítmicos já citados nesse tópico, a AHA não recomenda nenhuma outra droga para ser realizada de rotina durante uma PCR. Outras medicações devem ser feitas apenas em casos de suspeita etiológica específica. Veja os medicamentos e as doses na tabela 1.

Tabela 1
Medicações na parada cardiorrespiratória
Medicações na parada cardiorrespiratória

Alteplase pode ser feita durante a PCR na suspeita de que a etiologia da PCR é por tromboembolismo pulmonar. A diretriz da European Society of Cardiology (ESC) recomenda a dose de 0,6 mg/kg em infusão de 15 min, com uma dose máxima de 50 mg [15]. Esse esquema não é consensual. Alguns documentos sugerem que a dose de 50 mg seja feita em bolus ou que seja feita a dose completa de 100 mg [16]. A diretriz europeia de PCR orienta que, caso o trombolítico seja administrado, as manobras de ressuscitação devem ser mantidas por 60 a 90 minutos [17].

O uso de cálcio em todas as PCR não demonstrou benefício. Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em 2021 não encontrou benefício e observou uma tendência para piores desfechos quando o cálcio foi administrado [18]. O cálcio deve ser utilizado quando a hipótese etiológica da PCR for hipercalemia ou intoxicação por bloqueador de canal de cálcio. A dose utilizada é 5 a 10 mL de cloreto de cálcio 10% ou 15 a 30 mL de gluconato de cálcio 10%, administrado por via intravenosa ou intraóssea [19].

O uso de bicarbonato também não é encorajado, com alguns estudos indicando piores desfechos [20, 21]. Bicarbonato deve ser utilizado em casos de PCR devido à acidose metabólica, hipercalemia, intoxicação por tricíclicos ou outros bloqueadores de canal de sódio. A AHA sugere a dose de 1 a 2 mEq/kg (1 a 2 mL/kg da solução de bicarbonato de sódio 8,4%) intravenoso, podendo ser repetida se necessário. A sociedade europeia orienta 50 mEq em bolus [21]

Magnésio deve ser realizado em casos de suspeita de Torsades de Pointes. Nestes cenários, o magnésio deve ser administrado independentemente dos valores prévios de magnésio sérico do paciente. A AHA orienta a não realizar o magnésio como antiarrítmico, substituindo a amiodarona ou lídicaina em casos de FV ou TVSP [22, 23]. A dose recomendada é de 1 a 2 gramas, administrada em 1 a 2 minutos.

Urticária Aguda: Diagnóstico e Manejo

Criado em: 20 de Janeiro de 2025 Autor: João Mendes Vasconcelos Revisor: Frederico Amorim Marcelino

Urticária aguda é um dos diagnósticos dermatológicos mais comuns no departamento de emergência [1, 2]. Duas revisões sistemáticas de 2024 avaliaram o tratamento dessa condição [3, 4]. Este tópico aborda os principais aspectos no diagnóstico e tratamento de urticária aguda e traz os resultados dos novos estudos.

Definições e causas

A urticária caracteriza-se pelo aparecimento súbito de lesões de pele eritematosas e elevadas associadas a prurido intenso. As lesões são chamadas de urticas e podem surgir isoladamente ou agrupadas, formando placas. Tipicamente migratórias, cada uma tende a desaparecer em até 24 horas, sem deixar marcas. De uma maneira geral, as referências trazem uma prevalência de urticária de até 20% ao longo da vida [5-8]. 
 
Em alguns casos, as urticas podem se apresentar com angioedema associado [9]. Angioedema isolado sem urticas ou prurido pode acontecer no contexto de reações alérgicas. Contudo, um angioedema isolado deve levantar a suspeita de outras condições, como angioedema mediado por bradicinina. Exemplos desse tipo de angioedema incluem a deficiência do inibidor de C1 e o angioedema relacionado a inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA).

Uma urticária com até seis semanas de duração é classificada como aguda. Acima desse intervalo, como crônica. Essa divisão temporal é útil, pois mais da metade das urticárias novas se resolve dentro de seis semanas [10]. Na avaliação inicial, não há como saber se o quadro será agudo ou crônico.

Existem várias possíveis causas de uma urticária nova (tabela 1). Infecções e exposição a substâncias com potencial alergênico são causas frequentes. Muitos pacientes com sintomas infecciosos utilizam medicamentos sintomáticos ou antibióticos, dificultando a caracterização do possível gatilho para o quadro. Além de ocasionar urticária mediada por IgE, via reação alérgica, algumas substâncias podem ativar os mastócitos diretamente, resultando em urticária sem um mecanismo alérgico de fato. Alguns medicamentos com essa característica são os opioides, vancomicina, meios de contraste e bloqueadores neuromusculares [11].

Tabela 1
Causas selecionadas de urticária nova
Causas selecionadas de urticária nova

A maioria das reações alérgicas a alimentos ocorre de alguns minutos até duas horas após a ingestão. Uma exceção são reações a carboidratos de carnes, que podem se iniciar em quatro a seis horas da ingestão. Uma reação alimentar que pode gerar urticas, mas não é alérgica, é a intoxicação escombroide. Esse quadro ocorre após a ingestão de peixe com altas concentrações de histidina (como atum) inapropriadamente armazenado. Após a ingestão, os pacientes costumam evoluir com eritema difuso na parte superior do corpo, sensação desconfortável de calor e placas urticariformes. A resposta é boa a anti-histamínicos H1. Pode ser difícil de diferenciar de reações verdadeiramente alérgicas, mas a ausência de história de alergia a peixe e agrupamento de sintomas em pessoas que comeram o mesmo alimento sugere o quadro.

Muitos pacientes com urticária não têm um fator causal claramente identificado, o que pode ocorrer em mais de 50% dos pacientes [12, 13].

Diagnóstico e avaliação

A suspeita diagnóstica de urticária costuma ser levantada prontamente por pacientes e profissionais de saúde assim que surgem lesões compatíveis. O caráter transitório e ausência de vesículas/bolhas, descamação e pigmentação residual auxilia a diferenciar de outras condições. Após identificar as urticas, o primeiro passo é avaliar se existem sinais e sintomas de anafilaxia [14] (tabela 2). O paciente deve ser questionado diretamente sobre esses sintomas. Também deve-se investigar se houve episódios anteriores de urticária e possíveis fatores desencadeantes (tabela 1).

Tabela 2
Critério diagnóstico de anafilaxia
Critério diagnóstico de anafilaxia

Ao exame físico, deve-se avaliar se as lesões são realmente urticas. Os pacientes podem usar o termo “alergia” para descrever exantemas de outro aspecto. Um diagnóstico diferencial é a urticária vasculite, uma condição que pode gerar urticas, que tendem a durar mais de 24 horas, podendo deixar pigmentação residual e sensação de ardor ou dor local. Sintomas sistêmicos como febre, artralgia/artrite e linfonodomegalia podem ocorrer. Para confirmar a suspeita de vasculite urticária é necessária a biópsia de uma lesão.

Doenças sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico e algumas neoplasias, podem ter urticas entre suas manifestações (tabela 3). A suspeita dessas condições tende a surgir em um contexto de urticária crônica, exceto se o quadro clínico for característico desde o início.

Tabela 3
Doenças sistêmicas que podem ter urticas entre suas manifestações
Doenças sistêmicas que podem ter urticas entre suas manifestações

A Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia orienta que pacientes com urticária aguda sem sinais sistêmicos ou achados sugestivos de urticária vasculite não necessitam de exames complementares [15]. Esse também é o posicionamento de diretrizes internacionais [6, 16]. Se existir a suspeita de alergia a alguma substância, testes alérgicos cutâneos ou IgE específica podem ser solicitados.

Manejo

Um dos objetivos do tratamento é controlar o prurido, sendo esse um sintoma que impacta significativamente na qualidade de vida [12]. As lesões são transitórias e mais da metade dos quadros se resolve em seis semanas, especialmente nas primeiras três semanas [17]. Parte dos estudos que embasam o tratamento de urticária aguda foram obtidos em urticária crônica, sendo extrapolados. Os possíveis gatilhos podem ser abordados, por exemplo, com troca de medicamentos, afastamento de alérgenos e tratamento de infecções.

Os anti-histamínicos H1 de segunda geração são a principal escolha terapêutica. Essas medicações aliam eficácia, menor risco de efeitos colaterais (como sedação) e segurança em uso prolongado. Em pacientes que não respondem à dose habitual, doses mais altas off-label (até quatro vezes a dose padrão) podem ser utilizadas, mas com cautela, devido ao risco de sonolência [6]. Não existe um ensaio clínico em urticária aguda mostrando superioridade de um anti-histamínico H1 específico. Várias opções estão disponíveis (tabela 4).

Tabela 4
Anti-histamínicos H1 disponíveis para tratamento de urticária
Anti-histamínicos H1 disponíveis para tratamento de urticária

Anti-histamínicos H1 de primeira geração são eficazes, mas estão associados à sedação significativa e efeitos colaterais anticolinérgicos, sendo menos indicados. Alguns profissionais prescrevem essas medicações à noite para pacientes que, apesar do uso de anti-histamínicos H1 de segunda geração, persistem com dificuldade de dormir por prurido.
Essa pode ser uma opção em pacientes jovens sem comorbidades, em que o risco de eventos adversos é menor. O paciente deve ser advertido sobre o risco de dirigir sob o efeito dessas medicações, mesmo que não se sinta sonolento no momento.

Os anti-histamínicos H1 de primeira geração também estão disponíveis em formulações parenterais. Essa é uma opção em pacientes no departamento de emergência quando uma ação mais rápida é desejada. 

O uso de corticoides sistêmicos de rotina na urticária aguda tem sido questionado. Embora frequentemente prescritos, a eficácia adicional ao uso de anti-histamínicos é limitada. Uma opção é reservar para casos com angioedema proeminente ou sintomas persistentes. Não existe um esquema definido na literatura. Preferencialmente, a prescrição deve ser breve. Uma sugestão é utilizar doses entre 20 a 60 mg de prednisona por cinco a sete dias, ponderando o peso do paciente.

Duas revisões sistemáticas recentes ajudam a embasar mais as condutas:

  • A primeira, publicada no Journal of Allergy and Clinical Immunology, incluiu oito ensaios clínicos randomizados [3]. Foi encontrado benefício para o uso de anti-histamínicos intravenosos no departamento de emergência. Os autores recomendam a cetirizina intravenosa como preferencial, um anti-histamínico H1 de segunda geração não disponível na formulação intravenosa no Brasil. O benefício de corticoides no departamento de emergência foi incerto, mas podem ser benéficos no controle de prurido entre o segundo e o quinto dia.
  • A segunda, publicada no Journal of European Dermatology and Venereology, incluiu dez ensaios clínicos [4]. Os autores indicam que o papel dos corticoides na urticária aguda deve ser mais investigado, considerando a inconsistência nos estudos (alguns mostram benefício, outros não). Nenhum dos estudos avaliou o efeito dos tratamentos na evolução de urticária aguda para crônica.

A evidência para os anti-histamínicos H2 na urticária aguda é limitada. Alguns estudos apontam benefícios quando associados aos anti-histamínicos H1 [18, 19, 20]. O efeito adicional pode ajudar a reduzir o prurido e as lesões em casos refratários à terapia habitual. A famotidina ou cimetidina podem ser empregadas. Interações medicamentosas devem ser checadas, especialmente com uso de cimetidina.

Os pacientes devem ser reavaliados em duas a seis semanas para observar a evolução do quadro e tolerância do tratamento. Se os sintomas persistirem após seis semanas, o quadro é caracterizado como crônico, necessitando de novas consultas. Pacientes com suspeita de uma causa alérgica da urticária, como medicamentos ou alimentos, podem ser encaminhados ao alergologista. Saiba mais sobre alergia à penicilina em "Diretriz de Alergia a Penicilina". 

Bulário

Gabapentinoides: Principais Usos e Novos Eventos Adversos

Criado em: 20 de Janeiro de 2025 Autor: Raphael Coelho Revisor: Frederico Amorim Marcelino

Evidências dos últimos anos identificaram riscos dos gabapentinoides anteriormente desconhecidos que devem ser considerados antes da prescrição. Os dois principais medicamentos da classe são a gabapentina e a pregabalina. O TdC Bulário revisa as indicações e eventos adversos dos gabapentinoides.

Os gabapentinoides e o tratamento de dor neuropática

Os dois principais gabapentinoides são a pregabalina e a gabapentina. São usadas principalmente no tratamento de síndromes álgicas como dor neuropática e fibromialgia. Apesar de vantagens teóricas farmacológicas da pregabalina, ambas têm indicações semelhantes [1]. A gabapentina possui custo menor e está disponível no SUS como medicamento especializado. A tabela 1 mostra as apresentações disponíveis no momento da publicação do texto.

Tabela1
Prescrição de gabapentinoides
Prescrição de gabapentinoides

Dor neuropática

Pregabalina e gabapentina são drogas de primeira linha para tratamento de dores neuropáticas, junto aos tricíclicos, duloxetina e venlafaxina, segundo a International Association for the Study of Pain (IASP) [2]. As melhores evidências são para tratamento de polineuropatia diabética e neuralgia pós herpética. O NNT dos gabapentinoides é de 6 a 9 para melhora relevante de dor, pior do que o da amitriptilina, de 3. O uso em pacientes com câncer é indicado a partir de evidências extrapoladas de outros cenários [2-6].

O uso para dor lombar crônica e dor por radiculopatia ciática é controverso[7, 8]. Pregabalina não reduziu significativamente a intensidade da dor na perna por radiculopatia, em ensaio clínico randomizado [9].

Para dores de etiologia neurológica central, como pós-AVC, lesões de medula e esclerose múltipla, a evidência é melhor para pregabalina do que gabapentina [10, 11, 12].

Para a neuralgia do trigêmeo, os gabapentinoides não são drogas de primeira linha e a recomendação é mais forte para a gabapentina do que pregabalina. [13, 14].

Fibromialgia

A diretriz de fibromialgia da European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR) de 2017 recomenda o uso de pregabalina como tratamento farmacológico para pacientes com fibromialgia e dor grave e/ou distúrbios do sono [15]. Amitriptilina, duloxetina, tramadol e ciclobenzaprina também são opções medicamentosas, mas o texto não especifica preferências entre medicamentos para o tratamento.

Revisão sistemática e meta-análise da Cochrane de 2016, com 8 estudos randomizados, encontrou redução de dor em pacientes com fibromialgia que usaram pregabalina. Dos pacientes que usaram a medicação, 22 a 24% apresentaram redução maior do que 50% da dor, comparado com 14% no grupo placebo [16]. 

Um ensaio clínico randomizado encontrou que concentrar 300 mg de pregabalina em uma tomada única noturna teve o mesmo efeito sobre a dor do que 150 mg a cada 12 horas, com potencial benefício em melhorar a adesão e reduzir efeitos colaterais [17].

O uso da gabapentina para fibromialgia não é consensual. Um estudo, considerado de baixa qualidade, demonstrou benefício sobre controle de dor [18, 19]. Apesar disso, o Consenso Brasileiro de Reumatologia reconhece a gabapentina como opção para tratamento de fibromialgia [20].

Pacientes com fibromialgia usam subdoses de pregabalina. Apenas um terço atinge a dose mínima indicada, o que pode estar relacionado a inércia terapêutica ou preocupação dos médicos e pacientes com efeitos colaterais [21, 22].

Outras indicações dos gabapentinoides

Epilepsia

Pregabalina e gabapentina podem ser utilizadas como medida adjuvante para epilepsias com crises focais. Pregabalina foi inferior a lamotrigina em monoterapia para pacientes com epilepsia com crises focais [23]. Em idosos com crises focais, a American Academy of Neurology sugere a gabapentina como opção [24]. Um estudo encontrou equivalência entre gabapentina, lamotrigina e carbamazepina no controle de epilepsia de início em idosos [25]. Por outro lado, o estudo SANAD, feito em pacientes jovens, na maioria com epilepsia focal, encontrou que gabapentina falhou mais no tratamento do que lamotrigina e levou mais tempo para remissão do que carbamazepina e lamotrigina [26].

Outras

Outras possíveis indicações para pregabalina e gabapentina são tosse crônica refratária indeterminada, síndrome das pernas inquietas com sintomas crônicos persistentes, soluços intratáveis, prurido crônico, transtornos de ansiedade e sintomas vasomotores da menopausa como fogachos [27-33].

Gabapentina também é indicada como medicamento de segunda linha para transtorno por uso de álcool, síndrome de abstinência por álcool e tremor essencial.[34-37].

Para mais informações sobre o uso da gabapentina no transtorno por uso de álcool, veja a "Baclofeno para Transtorno por Uso de Álcool".

Tabela 2
Indicações e prescrição de gabapentinoides
Indicações e prescrição de gabapentinoides

Indicações, comentários e doses para uso de gabapentina e pregabalina estão na tabela 2.

Riscos e efeitos colaterais dos gabapentinoides

Os efeitos colaterais comuns dos gabapentinoides são tontura, sonolência, ganho de peso e edema periférico. O NNH para tontura é de 3,7, para sonolência de 7,4, para ganho de peso de 18 e para edema periférico é de 19 [16].

Dentre os efeitos, o edema de membros inferiores é pouco reconhecido e pode levar a prescrição de diuréticos como tentativa de tratamento [38] Esse fenômeno é conhecido como cascata de prescrição e deve ser lembrado antes da prescrição em idosos. 

Recentemente, novos estudos sugerem quatro novos eventos adversos: aumento do risco de exacerbações do DPOC, fraturas de fêmur, ideação suicida e dependência.

  • DPOC: estudo publicado em 2024 no Annals of Internal Medicine, identificou que o uso de gabapentinoides, em pacientes com mais de 55 anos com suspeita de DPOC, esteve associado ao aumento de 39% no risco relativo de exacerbações graves. Também houve aumento do risco de exacerbações moderadas e insuficiência respiratória. O aumento do risco foi semelhante entre gabapentina e pregabalina e ocorreu independentemente de idade, sexo ou outros marcadores de gravidade de DPOC [39].
  • Fratura de fêmur: estudo australiano de coorte publicado no JAMA, também em 2024, encontrou que a prescrição de gabapentinoides foi associada a aumento do risco de fratura de fêmur (OR, 1.30; IC 95%, 1.07-1.57). A maioria dos pacientes tinha mais de 80 anos. O aumento do risco foi mais elevado em pacientes com escores de fragilidade piores ou com doença renal crônica [40].
  • Ideação suicida: estudo sueco encontrou associação entre o uso de gabapentinoides e ideação suicida, overdose não intencional, lesões corporais e acidentes de trânsito [41].
  • Dependência:  estudo do Reino Unido indicou que a prescrição de gabapentinoides aumentou em 24% por ano de 2004 a 2015 concomitantemente a um aumento no número de óbitos relacionados ao seu uso [42]. Estudo em departamento de emergência encontrou que 3% das overdoses por drogas envolviam gabapentinoides, a maioria por pregabalina [43] As populações de maior risco são os mais jovens ou os com história de doença psiquiátrica [44]

Os gabapentinoides são medicações cada vez mais usadas de forma off-label [45]. A decisão de prescrever a medicação deve levar em consideração os novos potenciais eventos adversos e a segurança em comparação com outras medicações. Uma diretriz francesa de dor neuropática, por exemplo, rebaixou a pregabalina para segunda linha por considerar nortriptilina e duloxetina mais seguros [46, 47].