Medicamentos na Parada Cardiorrespiratória (PCR)
A parada cardiorrespiratória é um momento crítico em que pode ocorrer uma sobrecarga de raciocínio. Pode ser difícil relembrar quais medicamentos são possíveis de realizar na PCR e em que momentos eles estão indicados. Nesse tópico, iremos revisar as evidências e como fazer os medicamentos na PCR.
Adrenalina
Adrenalina, também conhecida como epinefrina, é um dos principais medicamentos utilizados na parada cardiorrespiratória (PCR). Seu principal objetivo é induzir vasoconstrição periférica, aumentando a pressão diastólica e melhorando a perfusão coronariana [1].
A dose recomendada é de 1 mg administrada em bolus, podendo ser aplicada por via intravenosa ou intraóssea. O ACLS orienta a administração de adrenalina a cada 3 a 5 minutos, até o retorno da circulação espontânea ou o término da PCR. Esse medicamento é indicado para todos os ritmos, porém em momentos diferentes:
- Ritmo não chocável (assistolia ou atividade elétrica sem pulso - AESP): Nestes casos, não se realiza desfibrilação. A adrenalina deve ser administrada no primeiro ciclo de reanimação.
- Ritmos chocáveis (Fibrilação Ventricular ou Taquicardia Ventricular sem Pulso: A adrenalina é administrada somente no segundo ciclo. Ao reconhecer um ritmo chocável, deve-se realizar a desfibrilação. Após a primeira desfibrilação, inicia-se o primeiro ciclo sem administração de adrenalina. Se o ritmo chocável persistir, realiza-se uma segunda desfibrilação, dando início ao segundo ciclo, momento em que a adrenalina de 1 mg é administrada. Ver fluxograma 1.
A recomendação de não realizar adrenalina durante o primeiro ciclo é respaldada por um trabalho que identificou um pior desfecho quando realizado dentro dos primeiros dois minutos após a desfibrilação [2]. Uma possível explicação é que, nas PCRs com ritmos chocáveis, as principais etiologias são causas cardíacas [3], e a adrenalina pode aumentar a demanda cardíaca, agravando o dano miocárdico.
A eficácia da adrenalina na PCR ainda carece de evidências robustas. O estudo PARAMEDICS2 comparou adrenalina com placebo em PCRs extra-hospitalares, teve como desfecho primário a sobrevida aos 30 dias [4]. O grupo que recebeu adrenalina apresentou maior taxa de sobrevida, porém com maiores incidências de comprometimento neurológico grave. Outros estudos corroboram esses achados, demonstrando melhora na sobrevida, mas com aumento nas chances de lesões neurológicas graves [5, 6].
A American Heart Association (AHA) sugere a vasopressina como uma alternativa à adrenalina, podendo ser administrada isoladamente ou em combinação com metilprednisolona [7]. No entanto, não há evidências que demonstrem vantagem da vasopressina em relação à adrenalina [8]. A dose da vasopressina é de 20 UI, podendo se associar a 40 mg de metilprednisolona.
Antiarrítmicos na PCR
Os antiarrítmicos utilizados na PCR são a amiodarona e a lidocaína. Eles devem ser utilizados em PCR com ritmo chocável. A recomendação da AHA é utilizar um antiarrítmico após a terceira desfibrilação, em casos de refratariedade de uma Fibrilação Ventricular (FV) ou Taquicardia Ventricular sem Pulso (TVSP).
Amiodarona
Amiodarona deve ser administrada em no máximo duas doses, por via intravenosa ou intraóssea. A primeira dose é de 300 mg e a segunda dose de 150 mg, aplicadas 3 a 5 minutos após a primeira. A administração deve ser feita em bolus, o que só pode ser feito em situação de PCR. Em situações de arritmia com pulso, a dose deve ser diluída e realizada em um período de tempo maior. Comentamos mais sobre amiodarona no tópico "Amiodarona".
Lidocaína
A lidocaína é realizada na dose de 1 a 1,5 mg/kg por via intravenosa ou intraóssea, repetindo a metade da dose a cada 5 a 10 minutos, até uma dose máxima de 3 mg/kg. Alguns protocolos de trabalhos realizaram a dose de 120 mg de lidocaína, repetindo uma única vez a dose de 60 mg [9].
Evidências e Estudos Clínicos
A evidência para o uso de antiarrítmicos na PCR também não é robusta. Em um estudo com mais de 3000 pacientes com PCR extra-hospitalar, a comparação entre amiodarona, lidocaína e placebo não encontrou diferenças significativas em relação à sobrevida ou comprometimento neurológico [9]. Entretanto, em análises de subgrupos, nos pacientes que tiveram uma PCR assistida, os efeitos da amiodarona e da lidocaína foram superiores aos do placebo. Estudos anteriores também viram maiores benefícios da droga quando o paciente tinha uma PCR assistida [10]. Isso sugere que os arrítmicos possuem melhor performance quando realizadas no menor tempo possível.
Existem trabalhos conflitantes sobre qual dos antiarrítmicos é superior. Um estudo de 2002 observou superioridade da amiodarona em relação à sobrevida [11]. Uma meta-análise de 2017 demonstrou superioridade da lidocaína quanto à alta hospitalar pós-PCR [12]. Uma coorte retrospectiva de 2023 com mais de 14 mil pacientes identificou que lidocaína foi superior em múltiplos desfechos, incluindo sobrevida e comprometimento neurológico [13].
Os documentos não são claros em relação ao uso do amiodarona após o retorno da circulação espontânea em pacientes pós PCR por TVSP ou FV. Em um estudo observacional, a taxa de recorrência da arritmia foi aproximadamente 11% e a amiodarona não demonstrou eficácia em prevenir essa recorrência [14]. Alguns pacientes podem se beneficiar dessa estratégia, como aqueles que apresentam arritmias ventriculares nas primeiras horas pós-parada.
Outros medicamentos
Além dos vasopressores e antiarrítmicos já citados nesse tópico, a AHA não recomenda nenhuma outra droga para ser realizada de rotina durante uma PCR. Outras medicações devem ser feitas apenas em casos de suspeita etiológica específica. Veja os medicamentos e as doses na tabela 1.
Alteplase pode ser feita durante a PCR na suspeita de que a etiologia da PCR é por tromboembolismo pulmonar. A diretriz da European Society of Cardiology (ESC) recomenda a dose de 0,6 mg/kg em infusão de 15 min, com uma dose máxima de 50 mg [15]. Esse esquema não é consensual. Alguns documentos sugerem que a dose de 50 mg seja feita em bolus ou que seja feita a dose completa de 100 mg [16]. A diretriz europeia de PCR orienta que, caso o trombolítico seja administrado, as manobras de ressuscitação devem ser mantidas por 60 a 90 minutos [17].
O uso de cálcio em todas as PCR não demonstrou benefício. Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em 2021 não encontrou benefício e observou uma tendência para piores desfechos quando o cálcio foi administrado [18]. O cálcio deve ser utilizado quando a hipótese etiológica da PCR for hipercalemia ou intoxicação por bloqueador de canal de cálcio. A dose utilizada é 5 a 10 mL de cloreto de cálcio 10% ou 15 a 30 mL de gluconato de cálcio 10%, administrado por via intravenosa ou intraóssea [19].
O uso de bicarbonato também não é encorajado, com alguns estudos indicando piores desfechos [20, 21]. Bicarbonato deve ser utilizado em casos de PCR devido à acidose metabólica, hipercalemia, intoxicação por tricíclicos ou outros bloqueadores de canal de sódio. A AHA sugere a dose de 1 a 2 mEq/kg (1 a 2 mL/kg da solução de bicarbonato de sódio 8,4%) intravenoso, podendo ser repetida se necessário. A sociedade europeia orienta 50 mEq em bolus [21]
Magnésio deve ser realizado em casos de suspeita de Torsades de Pointes. Nestes cenários, o magnésio deve ser administrado independentemente dos valores prévios de magnésio sérico do paciente. A AHA orienta a não realizar o magnésio como antiarrítmico, substituindo a amiodarona ou lídicaina em casos de FV ou TVSP [22, 23]. A dose recomendada é de 1 a 2 gramas, administrada em 1 a 2 minutos.