Vitamina D: Nova Diretriz para Mensuração e Reposição
A Sociedade de Endocrinologia Americana publicou uma nova diretriz sobre vitamina D em 2024 [1]. As recomendações foram significativamente modificadas, alterando a abordagem para dosagem e suplementação em diferentes grupos de pacientes. Este tópico destaca os principais pontos dessa atualização e discute como as mudanças impactam a prática clínica.
O Guia abordou os efeitos da vitamina D e o ensaio clínico VITAL no tópico "Reposição de Vitamina D".
Existe um nível ideal de vitamina D?
A vitamina D é uma substância lipossolúvel que pode ser sintetizada pelo próprio corpo, tornando sua ingestão desnecessária para aqueles com exposição solar adequada [2,3]. A sua ação na homeostase óssea é bem conhecida, promovendo a absorção intestinal de cálcio, entre outras funções.
Além desse papel, estudos observacionais associam níveis baixos de vitamina D a um maior risco de doenças cardiovasculares, autoimunes, infecciosas e metabólicas [4,5]. Esses achados levaram à hipótese de que a reposição de vitamina D poderia reduzir esses desfechos.
No entanto, estudos observacionais são suscetíveis a vieses que dificultam a determinação de uma relação causal entre os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D (25[OH]D) e as condições estudadas. Apesar dessas limitações, os achados observacionais contribuíram para o aumento expressivo na solicitação de dosagens de vitamina D e na de prescrição de preparações vitamínicas [6].
A nova diretriz abandona o nível alvo de 30 ng/mL sugerido na versão de 2011 [7], eliminando o uso dos termos suficiência (> 30 ng/mL), insuficiência (20–29 ng/mL) e deficiência (< 20 ng/mL). Essa mudança é justificada pela ausência de evidências de ensaios clínicos randomizados que definam limiares específicos de 25[OH]D relacionados a benefícios clínicos concretos.
Quando solicitar a dosagem de vitamina D?
A dosagem de 25[OH]D é recomendada em pacientes com condições clínicas que interferem no metabolismo da vitamina D, demandando acompanhamento e intervenções específicas. Esse grupo inclui situações que provocam deficiência ou resistência à vitamina D, listadas na tabela 1.
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Para adultos saudáveis sem fatores de risco, a diretriz não recomenda a dosagem de rotina ou suplementação empírica fora dos grupos específicos da tabela 1. A justificativa para esse posicionamento é a ausência de evidências de que a reposição previna doenças ou desfechos clínicos importantes nesse grupo [8].
Pacientes com osteoporose necessitam de suplementação para atingir níveis séricos adequados ao manejo da doença. Essa condição, diretamente relacionada ao metabolismo da vitamina D, justifica a suplementação como parte do tratamento para reduzir o risco de fraturas. Esses pacientes não se enquadram nas recomendações gerais da diretriz.
Indicações de suplementar vitamina D
Para indivíduos saudáveis, a diretriz recomenda seguir as orientações nutricionais do US Institute of Medicine. A suplementação empírica, com doses superiores às necessidades diárias, é sugerida para os seguintes grupos populacionais específicos, devido ao potencial benefício na prevenção de doenças e redução da mortalidade:
- Pessoas com mais de 75 anos
- Crianças e adolescentes de 1 até 18 anos
- Gestantes
- Pessoas com pré-diabetes de “alto risco”
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As doses totais recomendadas para suplementação nesses grupos já incluem a ingestão diária indicada pelo US Institute of Medicine, considerando valores adicionais necessários para cada população (ver tabela 2 e tabela 3) [9]. A diretriz reforça que a preocupação é com a dose diária necessária, não com um nível sérico-alvo de 25[OH]D.
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Embora a suplementação empírica seja recomendada nesses grupos, a nova diretriz não orienta a dosagem sérica rotineira de 25[OH]D, nem mesmo para rastreamento de possíveis níveis baixos em indivíduos sem indicação clínica prévia. Em outras palavras, não se deve solicitar exames de 25[OH]D para embasar ou iniciar suplementação — salvo em pacientes com fatores da tabela 1. Indivíduos saudáveis, sem fatores de risco ou doenças relacionadas ao metabolismo da vitamina D, não devem iniciar suplementação adicional apenas porque apresentaram níveis baixos de 25[OH]D em exames.
Quando houver clara dificuldade em alcançar a ingestão diária recomendada de vitamina D por dieta e exposição solar, a suplementação pode ser considerada com base em uma avaliação clínica criteriosa. Não se deve extrapolar as necessidades diárias recomendadas, especialmente em adultos jovens.
Estratégias para suplementação de vitamina D
A diretriz destaca duas estratégias principais de suplementação:
- Alimentos fortificados
- Preparações vitamínicas
Antes de definir a abordagem, recomenda-se um recordatório alimentar para identificar as fontes dietéticas de vitamina D e avaliar se as necessidades diárias são atingidas. Esse levantamento pode ser feito com perguntas simples sobre o consumo de alimentos como leite fortificado, cereais, peixes gordurosos (salmão, atum) e ovos. Para estimativas mais detalhadas, ferramentas como o USDA FoodData Central oferecem dados confiáveis sobre o teor de vitamina D nos alimentos.
Alimentos fortificados
Embora a diretriz não forneça exemplos específicos de alimentos, dados retirados do documento “Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D”, do US Institute of Medicine, oferecem estimativas sobre alimentos comumente fortificados e suas quantidades de vitamina D [10]:
- Leite fortificado: cerca de 100 UI por copo (240 mL).
- Cereais matinais fortificados: variam de 40 a 100 UI por porção (30 g).
- Margarina fortificada: cerca de 60 UI por colher de sopa.
- Sucos de laranja fortificados (menos comuns no Brasil): aproximadamente 100 UI por copo (240 mL).
Esses alimentos contribuem para a ingestão diária de vitamina D, mas dificilmente atingem, sozinhos, as doses recomendadas em grupos que exigem suplementação empírica. As recomendações de doses diárias para cada faixa etária e condição específica estão detalhadas na tabela 3, tendo como base a média ponderada de ensaios clínicos incluídos nas revisões sistemáticas da diretriz.
Preparações vitamínicas
No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) de 2024, estão disponíveis duas opções de suplementação (tabela 4). Ambas são combinações de colecalciferol (vitamina D3) com carbonato de cálcio e estão disponíveis na forma de comprimidos.
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As fórmulas manipuladas em gotas surgem como uma alternativa prática, especialmente em pacientes que apresentam dificuldade para deglutir comprimidos ou necessitam de ajustes precisos de doses. Embora a diretriz não mencione diretamente essa estratégia, o uso é comum e pode ser uma solução econômica dependendo do contexto. Deve-se garantir a qualidade do produto manipulado para assegurar eficácia e segurança.
A diretriz reforça a preferência pela administração diária em vez de doses altas administradas em intervalos prolongados (por exemplo, semanal). Como exemplo, em um idoso com indicação de suplementação diária de 900 UI, não é recomendado concentrar a dose semanal em 5.000 UI administradas em um único dia da semana. Essa recomendação baseia-se no aumento do risco de efeitos adversos associados a altas doses intervaladas, como maior probabilidade de fraturas e nefrolitíase [11].