Vitamina D: Nova Diretriz para Mensuração e Reposição

Criado em: 10 de Fevereiro de 2025 Autor: Tiago Lima Arnaud Revisor: João Mendes Vasconcelos

A Sociedade de Endocrinologia Americana publicou uma nova diretriz sobre vitamina D em 2024 [1]. As recomendações foram significativamente modificadas, alterando a abordagem para dosagem e suplementação em diferentes grupos de pacientes. Este tópico destaca os principais pontos dessa atualização e discute como as mudanças impactam a prática clínica.

O Guia abordou os efeitos da vitamina D e o ensaio clínico VITAL no tópico "Reposição de Vitamina D".

Existe um nível ideal de vitamina D?

A vitamina D é uma substância lipossolúvel que pode ser sintetizada pelo próprio corpo, tornando sua ingestão desnecessária para aqueles com exposição solar adequada [2,3]. A sua ação na homeostase óssea é bem conhecida, promovendo a absorção intestinal de cálcio, entre outras funções.

Além desse papel, estudos observacionais associam níveis baixos de vitamina D a um maior risco de doenças cardiovasculares, autoimunes, infecciosas e metabólicas [4,5]. Esses achados levaram à hipótese de que a reposição de vitamina D poderia reduzir esses desfechos.

No entanto, estudos observacionais são suscetíveis a vieses que dificultam a determinação de uma relação causal entre os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D (25[OH]D) e as condições estudadas. Apesar dessas limitações, os achados observacionais contribuíram para o aumento expressivo na solicitação de dosagens de vitamina D e na de prescrição de preparações vitamínicas [6].

A nova diretriz abandona o nível alvo de 30 ng/mL sugerido na versão de 2011 [7], eliminando o uso dos termos suficiência (> 30 ng/mL), insuficiência (20–29 ng/mL) e deficiência (< 20 ng/mL). Essa mudança é justificada pela ausência de evidências de ensaios clínicos randomizados que definam limiares específicos de 25[OH]D relacionados a benefícios clínicos concretos. 

Quando solicitar a dosagem de vitamina D?

A dosagem de 25[OH]D é recomendada em pacientes com condições clínicas que interferem no metabolismo da vitamina D, demandando acompanhamento e intervenções específicas. Esse grupo inclui situações que provocam deficiência ou resistência à vitamina D, listadas na tabela 1

Tabela 1
Causas de deficiência ou resistência à vitamina D
Causas de deficiência ou resistência à vitamina D

Para adultos saudáveis sem fatores de risco, a diretriz não recomenda a dosagem de rotina ou suplementação empírica fora dos grupos específicos da tabela 1. A justificativa para esse posicionamento é a ausência de evidências de que a reposição previna doenças ou desfechos clínicos importantes nesse grupo [8]. 

Pacientes com osteoporose necessitam de suplementação para atingir níveis séricos adequados ao manejo da doença. Essa condição, diretamente relacionada ao metabolismo da vitamina D, justifica a suplementação como parte do tratamento para reduzir o risco de fraturas. Esses pacientes não se enquadram nas recomendações gerais da diretriz.

Indicações de suplementar vitamina D

Para indivíduos saudáveis, a diretriz recomenda seguir as orientações nutricionais do US Institute of Medicine. A suplementação empírica, com doses superiores às necessidades diárias, é sugerida para os seguintes grupos populacionais específicos, devido ao potencial benefício na prevenção de doenças e redução da mortalidade:

  • Pessoas com mais de 75 anos
  • Crianças e adolescentes de 1 até 18 anos
  • Gestantes
  • Pessoas com pré-diabetes de “alto risco”
Tabela 2
Grupos populacionais e recomendações para suplementação de vitamina D
Grupos populacionais e recomendações para suplementação de vitamina D

As doses totais recomendadas para suplementação nesses grupos já incluem a ingestão diária indicada pelo US Institute of Medicine, considerando valores adicionais necessários para cada população (ver tabela 2 e tabela 3) [9]. A diretriz reforça que a preocupação é com a dose diária necessária, não com um nível sérico-alvo de 25[OH]D.

Tabela 3
Doses diárias de suplementação recomendadas de vitamina D por faixa etária e grupo específico
Doses diárias de suplementação recomendadas de vitamina D por faixa etária e grupo específico

Embora a suplementação empírica seja recomendada nesses grupos, a nova diretriz não orienta a dosagem sérica rotineira de 25[OH]D, nem mesmo para rastreamento de possíveis níveis baixos em indivíduos sem indicação clínica prévia. Em outras palavras, não se deve solicitar exames de 25[OH]D para embasar ou iniciar suplementação — salvo em pacientes com fatores da tabela 1. Indivíduos saudáveis, sem fatores de risco ou doenças relacionadas ao metabolismo da vitamina D, não devem iniciar suplementação adicional apenas porque apresentaram níveis baixos de 25[OH]D em exames. 

Quando houver clara dificuldade em alcançar a ingestão diária recomendada de vitamina D por dieta e exposição solar, a suplementação pode ser considerada com base em uma avaliação clínica criteriosa. Não se deve extrapolar as necessidades diárias recomendadas, especialmente em adultos jovens.

Estratégias para suplementação de vitamina D

A diretriz destaca duas estratégias principais de suplementação:

  • Alimentos fortificados
  • Preparações vitamínicas

Antes de definir a abordagem, recomenda-se um recordatório alimentar para identificar as fontes dietéticas de vitamina D e avaliar se as necessidades diárias são atingidas. Esse levantamento pode ser feito com perguntas simples sobre o consumo de alimentos como leite fortificado, cereais, peixes gordurosos (salmão, atum) e ovos. Para estimativas mais detalhadas, ferramentas como o USDA FoodData Central oferecem dados confiáveis sobre o teor de vitamina D nos alimentos.

Alimentos fortificados

Embora a diretriz não forneça exemplos específicos de alimentos, dados retirados do documento “Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D”, do US Institute of Medicine, oferecem estimativas sobre alimentos comumente fortificados e suas quantidades de vitamina D [10]:

  • Leite fortificado: cerca de 100 UI por copo (240 mL).
  • Cereais matinais fortificados: variam de 40 a 100 UI por porção (30 g).
  • Margarina fortificada: cerca de 60 UI por colher de sopa.
  • Sucos de laranja fortificados (menos comuns no Brasil): aproximadamente 100 UI por copo (240 mL).

Esses alimentos contribuem para a ingestão diária de vitamina D, mas dificilmente atingem, sozinhos, as doses recomendadas em grupos que exigem suplementação empírica. As recomendações de doses diárias para cada faixa etária e condição específica estão detalhadas na tabela 3, tendo como base a média ponderada de ensaios clínicos incluídos nas revisões sistemáticas da diretriz.

Preparações vitamínicas

No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) de 2024, estão disponíveis duas opções de suplementação (tabela 4). Ambas são combinações de colecalciferol (vitamina D3) com carbonato de cálcio e estão disponíveis na forma de comprimidos.

Tabela 4
Formulações de vitamina D disponíveis no SUS
Formulações de vitamina D disponíveis no SUS

As fórmulas manipuladas em gotas surgem como uma alternativa prática, especialmente em pacientes que apresentam dificuldade para deglutir comprimidos ou necessitam de ajustes precisos de doses. Embora a diretriz não mencione diretamente essa estratégia, o uso é comum e pode ser uma solução econômica dependendo do contexto. Deve-se garantir a qualidade do produto manipulado para assegurar eficácia e segurança.

A diretriz reforça a preferência pela administração diária em vez de doses altas administradas em intervalos prolongados (por exemplo, semanal). Como exemplo, em um idoso com indicação de suplementação diária de 900 UI, não é recomendado concentrar a dose semanal em 5.000 UI administradas em um único dia da semana. Essa recomendação baseia-se no aumento do risco de efeitos adversos associados a altas doses intervaladas, como maior probabilidade de fraturas e nefrolitíase [11].

Novo Consenso de Síndrome Hepatorrenal

Criado em: 10 de Fevereiro de 2025 Autor: Kaue Malpighi Revisor: João Mendes Vasconcelos

Um novo consenso sobre injúria renal aguda no paciente com cirrose do Acute Disease Quality Initiative (ADQI) e International Club of Ascites (ICA) foi publicado em 2024. O documento traz mudanças nos critérios diagnósticos e manejo da síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda [1]. Este tópico revisa as principais mudanças.

O Guia já abordou a síndrome hepatorrenal nos tópicos "Droga Vasoativa na Síndrome Hepatorrenal" e "Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose".

Novos critérios e definições

A definição de injúria renal aguda (IRA) em pacientes com cirrose deve seguir as definições do Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO):

  • Aumento de 0,3 mg/dL da creatinina sérica em 48 horas OU 
  • Aumento de 50% do valor basal nos últimos 7 dias OU
  • Débito urinário menor ou igual a 0,5 mL/kg/h por mais de 6 horas — Apesar de a diurese ter sido excluída em consensos prévios, considerando a tendência à retenção hídrica e redução na diurese do paciente com cirrose [2], neste novo consenso ela volta a ser um critério.

Com relação à creatinina basal, recomenda-se usar a menor dos últimos 3 meses. Caso não esteja disponível, usar a menor do último ano. Se nenhuma medida existir, deve-se considerar a creatinina da admissão hospitalar ou estimar a creatinina usando a taxa de filtração glomerular estimada de 75 mL/min/1,73 m² [3].

O novo consenso recomenda não utilizar os termos síndrome hepatorrenal (SHR) tipo 1 e tipo 2. O documento reforça o uso dos termos SHR-IRA (SHR com injúria renal aguda) e SHR-NIRA (SHR não injúria renal aguda, que consiste na doença renal aguda e doença renal crônica). Os critérios para SHR-IRA foram atualizados (veja um comparativo na tabela 1):

  • Presença de cirrose com ascite.
  • IRA definida pelos critérios do KDIGO.
  • Ausência de melhora da creatinina e/ou débito urinário após 24 horas de expansão volêmica adequada (quando indicada).
  • Ausência de evidências robustas de outra etiologia como causa primária da IRA.
Tabela 1
Comparativo entre critérios de síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda (SHR-IRA)
Comparativo entre critérios de síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda (SHR-IRA)

A mudança mais significativa foi com relação à expansão volêmica. Antes, recomendava-se expansão com 1 g/kg de albumina por 48 horas para avaliação de resposta da função renal. Os autores argumentam que realizar essa estratégia para todos por 48 horas pode atrasar o diagnóstico de SHR-IRA e o início de vasoconstritores, além de acarretar risco de hipervolemia ou piora da congestão em alguns casos.

Agora, a recomendação da diretriz é avaliar o estado volêmico antes de iniciar a expansão:

  • Hipovolemia: expansão com cristaloides balanceados até corrigir hipovolemia.
  • Estado volêmico incerto ou difícil de avaliar: expansão com 250–500 ml de cristaloides ou 1 a 1,5 g/kg de albumina de 20 a 25%.
  • Euvolemia ou hipervolemia: a administração rotineira de cristaloides ou albumina não é recomendada.

A resposta à expansão deve ser avaliada em 24 horas (pela creatinina e/ou débito urinário). Esse intervalo permite diagnóstico e tratamento mais precoces, o que poderia melhorar desfechos renais, como a necessidade de terapia substitutiva renal [4]. Em resposta a essa mudança, alguns autores pontuaram que a redução do tempo de avaliação para 24 horas poderia levar a sobrediagnóstico de SHR-IRA, indicando que alguns pacientes respondem após esse período [5]. 

Ainda se recomenda a busca ativa de outras causas para a IRA, como sepse, obstrução urinária e nefrotoxicidade. O consenso reconhece a possibilidade de incerteza diagnóstica e que a SHR-IRA pode coexistir com outras etiologias ou ocorrer mesmo na presença de injúria tubular ou proteinúria, por exemplo. Nesses casos, recomenda-se assumir o diagnóstico operacional de SHR-IRA para não atrasar a terapia apropriada.

Fluidoterapia na injúria renal aguda no paciente com cirrose

O consenso propõe uma avaliação contínua e multimodal para guiar a fluidoterapia em pacientes com cirrose e IRA. Deve-se preferencialmente utilizar:

O consenso recomenda que os cristaloides, preferencialmente soluções balanceadas, sejam a primeira linha de terapia para ressuscitação volêmica em pacientes com cirrose e IRA. Em pacientes com cirrose e sepse ou choque séptico, o uso rotineiro da albumina não acrescenta benefício e pode gerar mais custos [6,7]. Albumina deve ser usada preferencialmente em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) ou SHR-IRA diagnosticada em uso de vasopressores.

A albumina ainda é indicada como profilaxia de IRA em pacientes com diagnóstico de PBE e para pacientes que passam por paracentese de grande volume (maior que 5 litros).

A volemia deve ser reavaliada continuamente durante a reposição, evitando sobrecarga volêmica. Se sinais de hipervolemia se tornarem evidentes, os fluidos devem ser descontinuados e diureticoterapia deve ser iniciada.

Como tratar a síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda

A base do tratamento da SHR-IRA é o uso de vasoconstritores. Devem ser utilizados o mais precocemente em caso de suspeita clínica e após a exclusão de diagnósticos diferenciais, o que deve ocorrer idealmente nas primeiras 24 horas. Além disso, os vasoconstritores tendem a ser mais efetivos quando iniciados com creatinina menor que 2,25 mg/dL [8].

O consenso reforça a terlipressina como medicamento de primeira escolha. Ela parece ser superior à noradrenalina para reversão da IRA, pode ser feita sem necessidade de monitorização e em acesso periférico [9]. Deve ser administrada com cautela em pacientes com sobrecarga volêmica pelo risco de edema pulmonar. Se indisponibilidade, a noradrenalina pode ser utilizada.

A dose inicial da terlipressina é de 2 a 4 mg ao dia de forma contínua (veja tabela 2). Se não houver redução da creatinina de 25% em 24 horas, pode ser aumentada a dose de 2 mg até uma dose máxima de 12 mg ao dia. A infusão contínua está associada a menos efeitos colaterais quando comparada à dose intermitente a cada 4 a 6 horas [10].

Tabela 2
Vasoconstritores para tratamento de síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda (SHR-IRA)
Vasoconstritores para tratamento de síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda (SHR-IRA)

Caso a noradrenalina seja usada como vasoconstritor, a meta é aumentar em 10 a 15 mmHg a pressão arterial média base do paciente [11]. Caso a meta não seja atingida, deve-se aumentar a dose a cada 4 horas. A dose recomendada pelo consenso é de 0,5 a 3 mg/h.

A albumina 20–25% deve ser feita em conjunto com o vasoconstritor na dose de 20 a 40 g/dia. Porém, não deve ser iniciada ou deve ser descontinuada se houver evidência de sobrecarga volêmica. A diureticoterapia deve ser considerada nestes casos.

O consenso coloca como critérios de descontinuação dos vasoconstritores:

  • Melhora da creatinina para no máximo 0,3 mg/dL acima do valor basal do paciente.
  • Ausência de resposta em 48 a 72 horas com doses máximas toleradas dos vasoconstritores — nestes casos, manter a terapia não acrescenta benefício e pode aumentar risco de eventos adversos.
  • Após 14 dias de terapia.
  • Necessidade de terapia substitutiva renal.
  • Presença de efeitos adversos graves associados aos vasoconstritores.

Fibromialgia: Como Diagnosticar

Criado em: 10 de Fevereiro de 2025 Autor: Renan Nascimento Revisor: Raphael Coelho

Fibromialgia é uma síndrome dolorosa crônica e não inflamatória associada à fadiga, sono não reparador, transtornos psiquiátricos e dificuldades cognitivas. O diagnóstico é clínico e não há biomarcadores específicos nem exames complementares padrão-ouro. Este tópico revisa o diagnóstico da doença [1].

Definição e fatores de risco

Fibromialgia é uma síndrome caracterizada principalmente por dor crônica generalizada não inflamatória. Fadiga e distúrbios do sono também fazem parte do quadro clínico. Sintomas funcionais, ou seja, que não podem ser definidos por alterações estruturais ou patológicas, costumam estar presentes [1]. A fibromialgia é a terceira condição musculoesquelética mais comum em prevalência, atrás apenas da dor lombar e da osteoartrite. No Brasil, um estudo em Montes Claros–MG encontrou uma prevalência na população geral de aproximadamente 2%. É três vezes mais comum em mulheres do que em homens. A doença é mais prevalente entre 50 e 60 anos, embora os sintomas possam surgir em qualquer faixa etária [2]. 

A fisiopatologia da fibromialgia não é completamente compreendida. Parece haver uma interação entre fatores neurológicos centrais e periféricos. Evidências sobre dor nociplástica sugerem um processo de sensibilização central e amplificação da dor, a partir de disfunções na percepção, transmissão e processamento de estímulos dolorosos. Fatores emocionais e psicológicos têm o potencial de desencadear ou agravar os sintomas. Também pode haver neuropatia de pequenas fibras [3,4].

Fatores de risco incluem sexo feminino, sedentarismo, obesidade, depressão e ansiedade. Outras dores crônicas e experiências traumáticas na infância, que podem ser emocionais, físicas ou sexuais, também aumentam o risco. A predisposição genética tem papel relevante. Pesquisas em gêmeos sugerem que a hereditariedade da dor crônica generalizada é de aproximadamente 50% [5,6]. 

Quando suspeitar de fibromialgia?

O principal sintoma é a dor. Tem localização difusa e pode envolver músculos e articulações. Dor lombar é comum e mais intensa durante a noite e no período da manhã. O quadro piora com a imobilidade prolongada e após esforço físico [7]. 

Além da dor, os outros dois sintomas mais frequentes são fadiga e distúrbios do sono. A fadiga varia de um cansaço leve até uma exaustão extrema, semelhante à observada em doenças virais. Alterações do sono incluem qualquer tipo de insônia e sensação de sono não reparador, mesmo após dormir um período de sono considerado normal.

Rigidez matinal pode estar presente e não costuma durar mais do que uma hora. Caso dure mais tempo, deve-se avaliar doenças reumatológicas imunomediadas, como artrite reumatoide, que usualmente melhoram com anti-inflamatórios ou corticoides [1,8].A presença de síndromes dolorosas específicas é frequente, como cefaleia, dispepsia, dor abdominal, disúria, dismenorreia, dispareunia e vulvodínia. A associação de dor abdominal, constipação e diarreia sugere um quadro de síndrome do intestino irritável associado. Também há associação entre fibromialgia e cistite intersticial.

Até 30% dos pacientes com fibromialgia sentem desconforto nas pernas e necessidade de movimentação contínua e podem preencher os critérios para síndrome das pernas inquietas [1]. 

Outras manifestações clínicas incluem:

  • Alterações cognitivas: desatenção, dificuldade de raciocínio e queixas de memória. Descritos como “Brain-Fog” (do inglês, nevoeiro cerebral) [9].
  • Sintomas psiquiátricos: humor deprimido, transtornos de ansiedade e dificuldade na aceitação da doença. Ideias de autoextermínio podem surgir no contexto de dor crônica e intenso sofrimento. Catastrofização é considerada um indicativo de pior prognóstico [10]. 
  • Distúrbios autonômicos: queixas de boca seca, olhos secos, visão turva, fotofobia, hipotensão postural e fenômeno de Raynaud. Estão relacionados às apresentações mais incapacitantes da doença. Intolerância ao exercício físico com instabilidade ou tontura, especialmente após permanecerem em pé por períodos prolongados podem indicar síndrome vasovagal ou síndrome da taquicardia postural ortostática (conhecida como POTS, do inglês “postural orthostatic tachycardia syndrome’’) [1,11].

Como diagnosticar fibromialgia?

O diagnóstico de fibromialgia é definido por critérios clínicos. Não existem exames laboratoriais, de imagem ou histopatológicos que confirmem o diagnóstico.

Um dos critérios mais utilizados é o do American College of Rheumatology (ACR) de 2010/2011, revisados em 2016 [12].

O diagnóstico é feito se todos os seguintes pontos forem atendidos (tabela 1):

  1. Dor generalizada: definida como dor em pelo menos 4 das 5 regiões avaliadas.
  2. Sintomas que duram pelo menos 3 meses, em intensidade semelhante.
  3. Índice de dor generalizada (WPI) ≥ 7 e escala de gravidade dos sintomas (SSS) ≥ 5 ou WPI entre 4 e 6 e SSS ≥ 9 
  4. O diagnóstico de fibromialgia é válido independentemente da presença de outros diagnósticos, não excluindo a coexistência de outras condições clinicamente relevantes.
Tabela 1
Critérios diagnósticos de fibromialgia do American College of Rheumatology 2016
Critérios diagnósticos de fibromialgia do American College of Rheumatology 2016

Esses critérios permitem uma sensibilidade de 78% e especificidade de 90,5%, quando comparados aos critérios antigos do ACR de 1990 [13]. Apesar de os dados serem significativos, o critério de comparação é a opinião de especialistas.

As principais mudanças em relação aos critérios de 1990 foram a inclusão de outros sintomas além da dor e a eliminação da palpação dos pontos dolorosos (tender points) no exame físico. A palpação dos tender points é altamente variável entre examinadores, sendo de baixa sensibilidade e especificidade [1].

Tabela 2
Fibromyalgia Rapid Screening Tool (FiRST)
Fibromyalgia Rapid Screening Tool (FiRST)

Uma ferramenta útil e mais simples para o rastreio de fibromialgia é o Fibromyalgia Rapid Screening Tool (FiRST). O questionário é breve e foi desenvolvido para identificar fibromialgia em pacientes com queixa de dor crônica generalizada, podendo ser autoaplicável (tabela 2). Em estudo de validação multicêntrico, o FiRST apresentou sensibilidade de 92% e especificidade de 61% para fibromialgia quando houve pelo menos cinco das seis respostas positivas [14,15]. 

Diagnósticos diferenciais de fibromialgia

As diretrizes brasileiras de 2017 afirmam que a fibromialgia deve ser reconhecida como uma síndrome clínica com características próprias, sem a necessidade de exclusão de diagnósticos diferenciais. Além disso, não deveria ser classificada em primária ou secundária, e sim em isolada ou associada [16]. 

Conforme os critérios do ACR de 2010, o paciente pode apresentar critérios de fibromialgia em associação com outras doenças clinicamente importantes. Por isso, a depender dos sintomas, outros diagnósticos associados devem ser considerados.

Diretrizes canadenses, alemãs e israelenses sugerem uma abordagem diagnóstica que exclua possíveis condições mimetizadoras de fibromialgia. Exames laboratoriais recomendados incluem hemograma completo, proteína C-reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), cálcio sérico, creatinofosfoquinase (CPK) e hormônio estimulante da tireoide (TSH). A avaliação deve considerar medicamentos que podem induzir dor, como estatinas, bisfosfonatos, isotretinoína (Roacutan©) e inibidores da aromatase, como o anastrozol utilizado no tratamento de câncer de mama [17]. 

Tabela 3
Diagnóstico diferencial de fibromialgia
Diagnóstico diferencial de fibromialgia

A tabela 3 ilustra os principais diagnósticos diferenciais de fibromialgia.