Novos Critérios Diagnósticos e Classificação da Obesidade
Uma nova proposta de critérios para o diagnóstico e classificação da obesidade foi publicada no Lancet em janeiro de 2025 [1]. Este tópico aborda essa nova publicação.
Definição anterior e seus problemas
Anteriormente, a obesidade era definida pela presença de índice de massa corporal (IMC) > 30 kg/m² (ou > 27,5 kg/m² em populações asiáticas). Apesar de ser adotada, essa definição é alvo de críticas, como:
- Subestimação da adiposidade em indivíduos com pouca massa muscular: pessoas com pouca massa magra, por exemplo, alguns idosos, podem ter percentual de gordura elevado, mas um IMC que não reflete adequadamente esse excesso de tecido adiposo. Essa condição é descrita em alguns estudos como obesidade de peso normal [2].
- Superestimação da adiposidade em indivíduos musculosos: atletas ou pessoas com maior massa muscular podem apresentar IMC elevado, mesmo sem acúmulo excessivo de gordura corporal.
- O IMC isoladamente não reflete a presença de lesões de órgãos-alvo: a mensuração do IMC de forma isolada não avalia a presença de danos em órgãos ou sistemas, como fígado e coração, causados pela adiposidade.
- Indefinição sobre obesidade como fator de risco ou doença em si: esse critério gera questionamentos sobre a visão da obesidade como um fator de risco para doenças ou se ela deve ser reconhecida como uma doença independente.
Para abordar esses problemas, uma comissão internacional foi formada para revisar os critérios diagnósticos e a classificação da obesidade. A América Latina foi representada por pesquisadores do Brasil e do México. O resultado desse trabalho foi a publicação abordada nesse tópico, endossada por 76 sociedades médicas nacionais e internacionais — incluindo, no Brasil, a Sociedade Brasileira de Diabetes, a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

A nova classificação define obesidade como excesso de adiposidade e estratifica em obesidade clínica e pré-clínica (fluxograma 1). Veja detalhes dos critérios nas seções a seguir.
Definição de obesidade como excesso de adiposidade
Segundo a comissão, a obesidade é definida pela presença de excesso de tecido adiposo, independentemente da presença ou não de anormalidades na função ou na distribuição desse tecido.
O excesso de tecido adiposo é confirmado a partir de qualquer um dos itens do quadro “Confirmar o excesso de adiposidade” no fluxograma 1.
A comissão recomenda que o IMC seja utilizado principalmente como ferramenta de rastreamento, medida epidemiológica ou auxiliar na avaliação clínica. Isso reforça que, isoladamente, o IMC pode não refletir de forma acurada a adiposidade corporal real em alguns indivíduos.
Após caracterizar obesidade segundo os critérios expostos, deve-se avaliar se o paciente tem critérios de obesidade clínica, discutidos na seção abaixo.
Obesidade clínica e pré-clínica
A Organização Mundial da Saúde reconhecea obesidade como uma doença. Apesar disso, existe um debate relevante sobre o impacto do estigma gerado ao considerar uma pessoa com obesidade como portadora de uma doença. Nesse contexto, existem duas interpretações de obesidade enquanto condição de saúde:
- Obesidade como doença: a obesidade pode causar diretamente limitações funcionais ou disfunção orgânica ou tecidual, pelo acúmulo de tecido adiposo. Além disso, o tratamento farmacológico da obesidade tem robusta evidência de melhorar desfechos nesse grupo. Nesse cenário, a obesidade se comporta como doença crônica, com manifestações clínicas estabelecidas. Veja mais em "Retatrutida para Obesidade", "Tirzepatida: novo medicamento para obesidade", "Tirzepatida para Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada" e "Semaglutida para Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada".
- Obesidade como fator de risco: em indivíduos sem disfunções ou limitações funcionais evidentes, a obesidade representa um fator de risco para o surgimento de complicações futuras, mas pode não se manifestar como doença ativa no momento. Neste grupo, o principal componente do manejo são as mudanças do estilo de vida, que podem impactar em múltiplos fatores de risco concomitantemente.
Essa diferenciação é importante tanto do ponto de vista clínico quanto de políticas de saúde, ao permitir direcionar os recursos àqueles que podem se beneficiar de modo mais efetivo. O novo modelo de obesidade clínica e pré-clínica foi desenvolvido para resolver essas questões.
Obesidade clínica
O novo modelo propõe que a obesidade clínica seja considerada uma doença crônica e sistêmica, representando um grupo que se beneficia mais de tratamentos farmacológicos ou cirúrgicos. Ela é definida pela presença de pelo menos um dos itens abaixo:
- Evidência de alteração da função orgânica ou tecidual secundária à obesidade. (ver quadro no fluxograma);
- Limitação de atividades básicas da vida diária ou de mobilidade substanciais causadas pelos efeitos da obesidade.
Obesidade pré-clínica
A obesidade pré-clínica é definida pela presença de obesidade (conforme critérios de excesso de adiposidade) na ausência de critérios para obesidade clínica (sem disfunção orgânica ou limitações funcionais).
Essa condição deve ser interpretada como um fator de risco para o desenvolvimento de doenças relacionadas à obesidade (como diabetes mellitus do tipo 2, doenças cardiovasculares, câncer e doenças psiquiátricas). Estes indivíduos se beneficiam especialmente de mudanças de estilo de vida, com menor benefício de intervenções farmacológicas ou cirúrgicas. Esses pacientes devem ser acompanhados para a detecção precoce caso haja progressão para obesidade clínica.