Implante Percutâneo Transcateter de Valva Aórtica (TAVI)
Cada vez mais prevalente, a estenose aórtica (EAo) tem alta mortalidade em pacientes sintomáticos não tratados. Avanços no tratamento desse problema crescente são esperados. Em maio de 2022, o Journal of the American Medical Association (JAMA) publicou o UK TAVI Trial, um dos maiores estudos sobre o implante percutâneo de valva aórtica transcateter (TAVI) que não foi patrocinado pela indústria [1]. Aproveitamos para revisar e repercutir o tema aqui no Guia.
O que você precisa saber sobre estenose aórtica (EAo)
A EAo é uma das valvopatias mais comuns do mundo, podendo estar presente em até 9,8% das pessoas acima de 80 anos. Apesar da mortalidade não aumentar enquanto a doença está assintomática, após o início dos sintomas estima-se um risco de óbito de 50% em dois anos caso não seja tratada.
Os sintomas iniciais envolvem diminuição da capacidade de realizar exercícios físicos, progredindo para angina. Em estágios avançados, pode apresentar obstrução da saída do ventrículo esquerdo, causando insuficiência cardíaca, síncope e óbito.
A EAo pode ocorrer em associação com sangramento gastrointestinal por angiodisplasias e deficiência adquirida do fator de von willebrand, uma tríade conhecida como síndrome de Heyde.
Quem deve ser tratado?
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) classifica como EAo grave/importante os pacientes que apresentam no ecocardiograma os seguintes critérios [2]:
- Uma área valvar aórtica (AVA) ≤ 1,0 cm² ou AVA indexada ≤ 0,6 cm²/ m² e/ou
- Gradiente médio VE/aorta ≥ 40 mmHg ou Velocidade máxima do jato aórtico ≥ 4,0 m/s.
Em pacientes com AVA pequena, espera-se um gradiente médio alto. Quando o volume sistólico indexado (SVI) é reduzido, pode ocorrer a situação discordante de AVA pequena e gradiente médio baixo. Nesse cenário, surge a seguinte dúvida: existe uma EAo grave mesmo (já que a AVA é pequena) e o gradiente é baixo devido ao SVI reduzido; ou a EAo não é tão grave e a AVA está subestimada por um SVI reduzido que não é capaz de abrir a valva adequadamente? Chamamos essa situação de EAo de baixo-fluxo e baixo-gradiente e a investigação é pautada pela fração de ejeção (FE).
Se a FE é preservada, pesquisa-se o escore de cálcio valvar. Se elevado (maior que 1300 AU para mulheres e maior que 2000 AU para homens), a EAo é classificada como grave. Se a FE for reduzida, indica-se o ecocardiograma de estresse com dobutamina. A ideia é avaliar se ao melhorar a contratilidade, a área valvar aumenta ou não. Se continuar pequena, confirma-se a EAo grave.
Pacientes com EAo importante e sintomas necessitam de intervenção. Pacientes assintomáticos podem realizar o procedimento caso apresentem:
- Marcadores de mau prognóstico no ecocardiograma: disfunção de ventrículo esquerdo (FE < 50%); AVA < 0,7 cm² , velocidade máxima do jato aórtico> 5,0 m/s, gradiente médio VE/Aorta > 60 mmHg.
- Teste ergométrico com ausência de reserva inotrópica e/ou baixa capacidade funcional, hipotensão arterial durante esforço (queda de 20 mmHg na pressão arterial sistólica) e/ou presença de sintomas em baixas cargas.
Tratamento da estenose aórtica
O pilar do tratamento de EAo é intervenção na valva. A decisão de indicar o procedimento é influenciada pela presença de sintomas e a gravidade da estenose.
A TAVI é um método menos invasivo que a cirurgia padrão. A técnica foi descrita em 2002 e vem ganhando espaço em pacientes sem condições de fazer correção cirúrgica ou de alto risco para o procedimento. As diretrizes atuais respaldam a TAVI nessa população como primeira opção terapêutica.
Uma situação para preferir a via cirúrgica habitual são pacientes que já necessitam de cirurgia cardiovascular, como revascularização miocárdica ou correção de aneurisma.
O que o estudo acrescenta?
O UK TAVI Trial é um trabalho prospectivo que tentou avaliar se TAVI é não-inferior ao tratamento cirúrgico da EAo. Com 913 pacientes, os pesquisadores randomizaram apenas pacientes acima de 70 anos com EAo grave sintomática e com risco cirúrgico alto. O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas em 1 ano.
Esse estudo é um dos primeiros trabalhos de TAVI com relevância que não é patrocionado pela indústria, como foi o estudo PARTNER [3]. Além disso, esse trabalho foi feito fora dos Estados Unidos e tem um tom mais pragmático (sem influência na escolha da valva ou do sítio do procedimento).
O trial atingiu a meta de não inferioridade, encontrando que a TAVI é não-inferior à cirurgia de correção de valva. Nos desfechos secundários, destaca-se que a média de tempo no hospital foi de 3 dias para TAVI e de 8 dias para a cirurgia. Apesar de ter menos sangramentos em 30 dias, o grupo TAVI teve mais complicações vasculares (dissecções, pseudoaneurismas, hematoma, perfurações) e mais distúrbios de condução que necessitaram de marcapasso. A incidência de AVC e morte cardiovascular não foi estatisticamente diferente entre os grupos.