Implante Percutâneo Transcateter de Valva Aórtica (TAVI)

Criado em: 15 de Agosto de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Cada vez mais prevalente, a estenose aórtica (EAo) tem alta mortalidade em pacientes sintomáticos não tratados. Avanços no tratamento desse problema crescente são esperados. Em maio de 2022, o Journal of the American Medical Association (JAMA) publicou o UK TAVI Trial, um dos maiores estudos sobre o implante percutâneo de valva aórtica transcateter (TAVI) que não foi patrocinado pela indústria [1]. Aproveitamos para revisar e repercutir o tema aqui no Guia.

O que você precisa saber sobre estenose aórtica (EAo)

A EAo é uma das valvopatias mais comuns do mundo, podendo estar presente em até 9,8% das pessoas acima de 80 anos. Apesar da mortalidade não aumentar enquanto a doença está assintomática, após o início dos sintomas estima-se um risco de óbito de 50% em dois anos caso não seja tratada.

Os sintomas iniciais envolvem diminuição da capacidade de realizar exercícios físicos, progredindo para angina. Em estágios avançados, pode apresentar obstrução da saída do ventrículo esquerdo, causando insuficiência cardíaca, síncope e óbito.

A EAo pode ocorrer em associação com sangramento gastrointestinal por angiodisplasias e deficiência adquirida do fator de von willebrand, uma tríade conhecida como síndrome de Heyde.

Quem deve ser tratado?

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) classifica como EAo grave/importante os pacientes que apresentam no ecocardiograma os seguintes critérios [2]:

  • Uma área valvar aórtica (AVA) ≤ 1,0 cm² ou AVA indexada ≤ 0,6 cm²/ m² e/ou
  • Gradiente médio VE/aorta ≥ 40 mmHg ou Velocidade máxima do jato aórtico ≥ 4,0 m/s.
Fluxograma 1
Avaliação de paciente com estenose aórtica
Avaliação de paciente com estenose aórtica

Em pacientes com AVA pequena, espera-se um gradiente médio alto. Quando o volume sistólico indexado (SVI) é reduzido, pode ocorrer a situação discordante de AVA pequena e gradiente médio baixo. Nesse cenário, surge a seguinte dúvida: existe uma EAo grave mesmo (já que a AVA é pequena) e o gradiente é baixo devido ao SVI reduzido; ou a EAo não é tão grave e a AVA está subestimada por um SVI reduzido que não é capaz de abrir a valva adequadamente? Chamamos essa situação de EAo de baixo-fluxo e baixo-gradiente e a investigação é pautada pela fração de ejeção (FE).

Se a FE é preservada, pesquisa-se o escore de cálcio valvar. Se elevado (maior que 1300 AU para mulheres e maior que 2000 AU para homens), a EAo é classificada como grave. Se a FE for reduzida, indica-se o ecocardiograma de estresse com dobutamina. A ideia é avaliar se ao melhorar a contratilidade, a área valvar aumenta ou não. Se continuar pequena, confirma-se a EAo grave.

Pacientes com EAo importante e sintomas necessitam de intervenção. Pacientes assintomáticos podem realizar o procedimento caso apresentem:

  • Marcadores de mau prognóstico no ecocardiograma: disfunção de ventrículo esquerdo (FE < 50%); AVA < 0,7 cm² , velocidade máxima do jato aórtico> 5,0 m/s, gradiente médio VE/Aorta > 60 mmHg.
  • Teste ergométrico com ausência de reserva inotrópica e/ou baixa capacidade funcional, hipotensão arterial durante esforço (queda de 20 mmHg na pressão arterial sistólica) e/ou presença de sintomas em baixas cargas.

Tratamento da estenose aórtica

O pilar do tratamento de EAo é intervenção na valva. A decisão de indicar o procedimento é influenciada pela presença de sintomas e a gravidade da estenose.

A TAVI é um método menos invasivo que a cirurgia padrão. A técnica foi descrita em 2002 e vem ganhando espaço em pacientes sem condições de fazer correção cirúrgica ou de alto risco para o procedimento. As diretrizes atuais respaldam a TAVI nessa população como primeira opção terapêutica.

Uma situação para preferir a via cirúrgica habitual são pacientes que já necessitam de cirurgia cardiovascular, como revascularização miocárdica ou correção de aneurisma.

O que o estudo acrescenta?

O UK TAVI Trial é um trabalho prospectivo que tentou avaliar se TAVI é não-inferior ao tratamento cirúrgico da EAo. Com 913 pacientes, os pesquisadores randomizaram apenas pacientes acima de 70 anos com EAo grave sintomática e com risco cirúrgico alto. O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas em 1 ano.

Esse estudo é um dos primeiros trabalhos de TAVI com relevância que não é patrocionado pela indústria, como foi o estudo PARTNER [3]. Além disso, esse trabalho foi feito fora dos Estados Unidos e tem um tom mais pragmático (sem influência na escolha da valva ou do sítio do procedimento).

O trial atingiu a meta de não inferioridade, encontrando que a TAVI é não-inferior à cirurgia de correção de valva. Nos desfechos secundários, destaca-se que a média de tempo no hospital foi de 3 dias para TAVI e de 8 dias para a cirurgia. Apesar de ter menos sangramentos em 30 dias, o grupo TAVI teve mais complicações vasculares (dissecções, pseudoaneurismas, hematoma, perfurações) e mais distúrbios de condução que necessitaram de marcapasso. A incidência de AVC e morte cardiovascular não foi estatisticamente diferente entre os grupos.

Gabapentinoides, Dor Neuropática e Eventos Adversos

Criado em: 15 de Agosto de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Os gabapentinoides (pregabalina e gabapentina) são anticonvulsivantes amplamente utilizados para a dor neuropática. Vistos como drogas seguras, a prescrição dessas medicações têm aumentado progressivamente. Estudo publicado em julho no American Journal of Kidney Diseases (AJKD) investigou a associação de gabapentinoides e eventos adversos em idosos com doença renal crônica [1]. Vamos ver os resultados e revisar a evidência sobre essas medicações.

O que são gabapentinoides?

Pregabalina e gabapentina são gabapentinoides, anticonvulsivantes que atuam no canal de cálcio dependente de voltagem. Assim como outros antiepilépticos, essas medicações têm efeito analgésico, possivelmente através da redução da excitabilidade dos neurônios.

A pregabalina está disponível em várias dosagens, sendo comumente prescrita em comprimido ou cápsula de 75 ou 150 mg. A dose inicial habitual é de 75 mg de 12/12h com incrementos a cada 2 a 4 semanas. A máxima é de até 600 mg/dia. A gabapentina está disponível nas dosagens de 300, 400 e 600 mg. Pelo efeito sedativo, é comum ser iniciada na dose de 300 mg à noite. A dose efetiva varia de 900 a 3600 mg/dia dividido em três tomadas por dia.

Gabapentina e pregabalina precisam de ajuste de dose para a função renal.

Quais são as evidências de gabapentinoides para dor?

As evidências apoiam o uso de gabapentinoides para a dor neuropática. O número necessário para tratar (NNT) para reduzir 50% da dor é de 7,7 para pregabalina e 7,2 para gabapentina segundo essa revisão sistemática [2].

A pregabalina também pode ser utilizada para fibromialgia, conforme essa revisão [3]. A gabapentina foi primariamente estudada para neuralgia pós herpética e neuropatia diabética [4]. O efeito sobre outras causas de dor é incerto.

A pregabalina pode reduzir o uso de morfina no pós operatório, porém ao custo de eventos adversos graves [5].

Quais são os efeitos adversos de gabapentinoides?

O artigo que motivou o tópico é uma coorte populacional 74 mil idosos com doença renal crônica e um novo gabapentinoide prescrito. Os pesquisadores compararam doses altas contra doses baixas dessas medicações. Os resultados mostraram associação de doses altas de gabapentinoides com encefalopatia, quedas, fraturas ou hospitalização por depressão respiratória. Os achados reforçam a noção de que essa classe de drogas pode não ser tão benigna quanto se acha.

Um estudo epidemiológico sueco encontrou associação entre o uso de gabapentinoides e ideação suicida, overdose não intencional, lesões corporais e acidentes de trânsito [6]. A prescrição conjunta com opióides e medicações sedativas (anti-histamínicos, benzodiazepínicos) deve ser cautelosa, pois o risco de depressão respiratória é aumentado [7]. O Food and Drug Administration (FDA) emitiu um alerta sobre essa situação.

Um efeito colateral pouco comentado é o edema. Esse estudo do Canadá avaliou 260 mil idosos com dor lombar ou ciatalgia novas, dos quais 8 mil tiveram um gabapentinoide prescrito [8]. Nos 90 dias após o diagnóstico, pacientes que receberam gabapentinoides apresentaram maior chance de terem um diurético prescrito. O trabalho mostra que a falta de percepção desse efeito colateral leva a cascata medicamentosa, situação em que uma droga é utilizada para tratar o evento adverso de outra. O uso dessas medicações para tratar dor lombar e ciatalgia também é preocupante, uma vez que as o estudos de gabapentinoides nesse contexto são negativos [9].

Tratamento de Síndrome do Intestino Irritável

Criado em: 15 de Agosto de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

O tratamento de síndrome do intestino irritável (SII) é desafiador, focando em manejo sintomático e mudança de estilo de vida. Com a publicação do estudo DOMINO, avaliando se a terapia dietética é melhor que a terapia medicamentosa, vemos uma boa oportunidade de revisitar o tema [1].

Diagnóstico de síndrome do intestino irritável (SII)

A SII acomete 4,1% da população adulta e seu diagnóstico é guiado pelos critérios de ROMA IV:

  • Dor ou desconforto abdominal recorrente por pelo menos 3 dias no mês ou 1x na semana, nos últimos 3 meses, associado a 2 ou mais dos seguintes:
    • Melhora do quadro com a defecação
    • Início associado com mudança do aspecto das fezes
    • Início associado com mudança da frequência das fezes

Além do diagnóstico, podemos identificar o padrão do quadro, que pode ser:

  • Predomínio constipante
  • Predomínio diarreia
  • Padrão misto
  • Padrão não classificado

Além dos sintomas presentes no critério de Roma, os pacientes podem apresentar flatulência e sensação de plenitude abdominal. Outros sintomas estão presentes no critério diagnóstico de Manning, que envolve também sensação evacuação incompleta, passagem de muco nas fezes e distensão abdominal.

Como é o tratamento de SII?

Não há medicamentos disponíveis que alterem a história natural da SII. O manejo passa por afastar diagnósticos diferenciais importantes (como neoplasia de intestino ou doença celíaca, se houver fatores de risco ou sinais sugestivos), explicar a doença ao paciente e controlar sintomas. Esse estudo encontrou um maior controle de sintomas após melhor compreensão da doença pelo paciente [2].

O tratamento sintomático é guiado principalmente pelo padrão predominante (diarreia ou constipação), além de antiespasmódicos para analgesia.

Tabela 1
FODMAPs
FODMAPs

Uma terapia validada é a restrição de alimentos FODMAPs (veja a tabela 1). FODMAPs são sacarídeos de cadeia pequena, fermentáveis, que por não serem digeridos no intestino provocam sintomas gastrointestinais. A restrição de FODMAPs é comprovadamente superior a placebo no manejo de SII, porém a dificuldade está na aderência. Tentando contornar esse problema, as publicações mais recentes têm almejado uma dieta reduzida, porém não completamente restrita, em FODMAPs. Alguns estudos indicam que outras estratégias dietéticas, como refeições menores e regulares, evitar alimentações que desencadeiam sintomas, café e álcool, podem ser tão efetivas quanto.

Tabela 2
Resumo de recomendações da AGA sobre o papel da dieta em pacientes com Síndrome do Intestino Irritável (SII)
Resumo de recomendações da AGA sobre o papel da dieta em pacientes com Síndrome do Intestino Irritável (SII)

Um painel de especialista representando a American Gastroenterological Association (AGA) liberou um documento com 9 recomendações sobre dieta em pacientes com síndrome do intestino irritável [3]. Resumimos as recomendações na tabela 2.

E o que o trabalho acrescentou?

O DOMINO foi um trabalho prospectivo, pragmático, na atenção primária, que comparou um antiespasmódico com uma dieta reduzida em FODMAPs.

O antiespasmódico de escolha foi o brometo de otilônio, um bloqueador de canal de cálcio tipo L, utilizado na dose de 40mg 3 vezes ao dia. Esse medicamento já foi comparado com placebo e apresentou menor taxa de recorrência dos sintomas após 4 semanas de uso.

A dieta reduzida, mas não privada, em FODMAPs era orientada por um aplicativo que fornecia instruções sob medida. Além do que precisava ser evitado, o aplicativo fornecia 105 receitas para as refeições do dia. O aplicativo está em francês e holandês e pode ser encontrado na play store.

O desfecho primário foi medido através do questionário IBS-SSS, medido antes do início da intervenção, com 4 e com 8 semanas. O paciente era considerado respondedor se tivesse uma redução maior ou igual a 50 pontos comparando com o escore no início do estudo.

Com 472 pacientes, houve mais respondedores no grupo da dieta do que no grupo antiespasmódico ao final de 8 semanas (71% x 61%), uma diferença já percebida com 4 semanas. A redução de FODMAPs foi bem aceita pelos pacientes deste grupo. Os dois tratamentos tiveram impacto positivo na qualidade de vida e saúde mental.