Ezetimibe e Dislipidemia

Criado em: 22 de Agosto de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

As estatinas são a primeira escolha no tratamento da dislipidemia, mas nem sempre são suficientes. O estudo RACING, publicado no Lancet em julho, avaliou o uso de ezetimibe associado a rosuvastatina em pacientes com doença aterosclerótica [1]. Vamos ver o que o estudo acrescenta e revisar o uso clínico do ezetimibe.

O que é o ezetimibe?

O ezetimibe é um inibidor da absorção intestinal do colesterol. É a segunda droga mais utilizada para reduzir o LDL, perdendo apenas para as estatinas.

O ezetimibe reduz o colesterol LDL em torno de 17% [2, 3]. Um em cada oito pacientes são hiperrespondedores a droga, com redução de 36% de LDL. Isso ocorre pela ausência de um haplótipo do receptor intestinal [4].

A dose de ezetimibe é de 10mg uma vez ao dia. No Brasil, existe formulação combinada de ezetimibe e sinvastatina (nas doses de 10, 20, 40 e 80 mg) e de ezetimibe e rosuvastatina (nas doses de 5, 10, 20 e 40 mg). Baseado na opinião de especialistas, não há ajuste necessário para a função renal.

Quais são as evidências prévias?

Um grande artigo que solidificou o papel do ezetimibe foi o IMPROVE-IT, publicado no New England Journal of Medicine em 2015 [5]. Esse estudo incluiu 18 mil pessoas hospitalizadas por síndrome coronariana aguda nos últimos 10 dias. Os pacientes foram randomizados para sinvastatina 40 mg e ezetimibe 10mg ou sinvastatina 40 mg isoladamente.

Após um seguimento médio de 6 anos, o grupo ezetimibe mostrou menores níveis de LDL e redução do desfecho primário composto (morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal, angina instável com necessidade de reinternação, revascularização coronariana ou acidente vascular cerebral não fatal).

Mesmo durante o uso de estatina de alta potência, o ezetimibe é capaz de conferir uma redução adicional do LDL [6].

O que as diretrizes orientam?

Na diretriz de 2018 da American Heart Association em conjunto com a American Diabetes Association , o ezetimibe é recomendado quando a meta de LDL não é atingida apenas com estatinas [7]. De maneira similar, a diretriz de 2017 da American College of Endocrinologists sugere ezetimibe para aqueles pacientes intolerantes a estatinas ou para redução adicional de LDL após a introdução de uma estatina [8].

A European Society of Cardiology, na diretriz de 2019 sobre dislipidemias, recomenda o ezetimibe como terapia adicional em pacientes que não atingem a meta apenas com estatina [9]. A mesma sociedade, na diretriz de prevenção de doenças cardiovasculares de 2021, recomenda também em pacientes intolerantes a estatinas.

Na mesma linha, a Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda o ezetimibe na diretriz de 2017 quando a meta de LDL não é alcançada com estatinas ou quando as estatinas não são toleradas.

O que essa nova evidência acrescenta?

O estudo RACING foi realizado na Coreia do Sul em 26 centros diferentes com 3780 pessoas. Seguindo um desenho de não inferioridade, os pacientes eram randomizados para estatina de alta intensidade (rosuvastatina 20 mg) ou ezetimibe e estatina de moderada intensidade (rosuvastatina 10 mg).

O grupo terapia combinada se mostrou não inferior ao grupo controle, com uma incidência similar de eventos cardiovasculares. Além disso, a terapia combinada atingiu com maior frequência a meta de LDL menor do que 70 mg/dL e foi mais tolerada pelos pacientes.

Esse estudo é mais um representante da ideia de combinar duas drogas em dose baixa, na tentativa de atingir o mesmo efeito com menos eventos adversos. O tempo dirá se as novas diretrizes vão incorporar essa combinação como terapia inicial em pacientes de alto risco.

Interpretação do Base Excess

Criado em: 22 de Agosto de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A Intensive Care Medicine publicou nesse ano um artigo rápido sobre Base Excess, explorando suas origens, nomenclatura, usos e armadilhas [1]. Trouxemos isso tudo para você nesse tópico.

De onde veio o Base Excess

Existem três maneiras de interpretar os desequilíbrios ácido-básicos. O primeiro e mais famoso é o método de Boston, que utiliza a fisiologia cooperativa entre pulmão e rim. O segundo é o método de Copenhague, que utiliza o Base Excess (BE). O terceiro e menos utilizado é o método de Stewart, baseado em quantificar íons fortes e íons fracos.

O BE surgiu da procura de um marcador que indicasse acidose ou alcalose metabólica e que não fosse influenciado pelo gás carbônico (CO2), como era o bicarbonato (HCO3). Até chegar no BE, ocorreram várias etapas. Primeiro foi utilizado HCO3 standard, que representava o HCO3 caso o pCO2 fosse de 40 mmHg, assim era menos influenciado pelo pulmão. Esse método falhava ao não levar em conta o efeito tampão de ácidos não carbônicos fracos, como proteínas. Depois veio o Buffer Base (BB) que levava em conta bicarbonato, hemoglobina, proteínas e fosfato, mas tinha como desvantagem uma variabilidade grande entre pacientes.

Por último, da diferença do BB para um valor de normalidade (NBB), que chegamos no BE. O BE representa a quantidade de ácidos que precisa ser adicionada ao sangue para atingir condições padrões (pH de 7.40, pCO2 40 mmHg e temperatura de 37 °C)

Nomenclatura

O BE pode ser expressado como BE do sangue ou BE do fluido extracelular (FEC). Esse último é melhor para estimar distúrbios ácido-básicos, já que não é apenas o sangue que possui efeito tampão para equilibrar o pH do corpo inteiro. O BE do FEC também é chamado de Standard Base Excess (SBE), utilizando em seu cálculo uma fração menor da hemoglobina.

De qualquer forma, exceto em situações de anemia ou policitemia extremas, é improvável que a diferença de SBE e o BE do sangue cause mudanças na interpretação e conduta de uma gasometria.

Outra nomenclatura possível de encontrar é o de Base Deficit, que é exatamente o contrário do BE.

Como utilizar?

O BE normal varia de +2 a -2 mmol/L e a ideia do uso dele é substituir o bicarbonato nas contas habituais. Na presença de acidemia (pH < 7,35), BE reduzido sinaliza acidose metabólica; na presença de alcalemia (pH> 7,45), BE aumentado sinaliza alcalose metabólica. Pode-se analisar se a resposta sistêmica é satisfatória diante de um distúrbio respiratório, através de fórmulas utilizando o BE (tabela 1) [2].

Tabela 1
Base excess nos distúrbios respiratórios
Base excess nos distúrbios respiratórios

Como o BE é resultado de vários processos, ele tem dois problemas:

  • Não consegue dar informações sobre qual componente alterou, então às vezes não auxilia no diagnóstico final;
  • Mais de um distúrbio acidobásicos podem se somar, e se forem opostos, se anulam, fazendo com que o BE não seja confiável.

Outros usos

No contexto do paciente do trauma, a anaerobiose provocada pelo choque hipovolêmico aumenta a produção do lactato e consequentemente altera o BE. Um trabalho observacional comparou a classificação do choque hipovolêmico utilizando níveis de BE com critérios habituais como frequência cardíaca, pressão arterial e escala de coma de Glasgow [3]. Foi visto uma correlação com a classificação estipulada pelo BE com a morbimortalidade e um BE que continua piorando tinha maior relação com sangramento ativo.

Biomarcadores de infecções fúngicas

Criado em: 22 de Agosto de 2022 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Em julho de 2022 foi publicada uma revisão sobre biomarcadores não-invasivos de infecções fúngicas no Open Forum of Infectious Disease (OFID) [1]. Biomarcadores são exames não dependentes de cultura e não-invasivos que não utilizam biópsia ou lavado broncoalveolar como forma de obter a amostra. A revisão engloba várias infecções, mas separamos aqui em dois grupos. As infecções fúngicas mais “comuns”: candidíase invasiva, aspergilose em sua forma invasiva e criptococose; e micoses endêmicas no Brasil: histoplasmose, paracoccidioidomicose e esporotricose.

Aspergilose invasiva

A infecção pelo Aspergillus spp. possui um espectro de apresentação clínica classicamente dividido em três grupos [2]:

  • Aspergilose broncopulmonar alérgica: hipersensibilidade ao Aspergillus em pacientes com asma ou com fibrose cística.
  • Aspergilose crônica cavitária: infecção crônica pulmonar em paciente com alteração estrutural pulmonar, principalmente cavitação.
  • Aspergilose invasiva: infecção pulmonar invasiva em pacientes imunossuprimidos.

A revisão foca na forma invasiva. Essa apresentação de aspergilose pulmonar afeta principalmente os imunossuprimidos (transplante de medula óssea ou órgão sólido, neoplasias hematológicas, pacientes com neutropenia prolongada), mas pode acometer dois outros grupos: os pacientes em UTI, geralmente internação e ventilação mecânica prolongadas, e portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), especialmente em uso de corticoterapia.

O biomarcador principal aqui é o antígeno galactomanana, um açúcar presente na parede fúngica do Aspergillus, mas também de outros fungos como Fusarium e Histoplasma. O exame geralmente é realizado em amostra de soro, plasma ou lavado broncoalveolar (LBA). O valor de corte varia conforme a amostra: no soro ou plasma o corte é de 0,5 índice de densidade óptica (ODI), já no LBA é de 1,0 ODI. O exame pode ser usado para diagnóstico com sensibilidade de 79% e especificidade de 86% e com razão de verossimilhança (RV) positiva de 5,64 e RV negativa de 0,24. Um valor maior que 2,0 ODI está associado a pior prognóstico e avaliações seriadas são uma forma promissora de avaliar resposta terapêutica.

Uma ressalva que deve ser feita aqui é sobre o uso da galactomanana sérica ou no plasma em pacientes não imunossuprimidos. A Sociedade Brasileira de Infectologia em sua contribuição para a campanha Choosing Wisely recomendou não realizar o exame em pacientes não neutropênicos devido a baixa sensibilidade nessa população [3].

Candidíase invasiva e criptococose

A candidíase invasiva engloba a candidemia (infecção de corrente sanguínea por Candida) e a candidíase invasiva sem candidemia, como a candidíase intra-abdominal, por exemplo. Na primeira, o diagnóstico geralmente é feito pela hemocultura - cujo resultado não é rápido - e na segunda por cultura obtida por biópsia ou aspirado do sítio infectado. Um problema no diagnóstico é a dificuldade de identificar a espécie rapidamente, o que influencia diretamente o tratamento.

A beta-d-glucana faz parte da parede de grande parte dos fungos patogênicos, incluindo a Candida. O seu uso no diagnóstico de candidemia é discutível, devido a heterogeneidade dos estudos e de não ser um exame tão específico. Por conta de seu grande valor preditivo negativo, pode ser considerado em pacientes em que a terapia empírica foi iniciada, no intuito de descalonar o tratamento em situações de baixa prevalência. No Brasil seu uso é restrito por conta da baixa disponibilidade.

Outros dois exames promissores são a reação em cadeia de polimerase (PCR) para Candida e o T2 Candida (identificação molecular do fungo utilizando ressonância magnética). No momento, esses exames têm baixa disponibilidade na prática clínica.

A criptococose é uma condição mais associada a pacientes com HIV, mas pode afetar imunocompetentes também. A doença já possui o teste de antígeno que tem sensibilidade e especificidade maiores que 95% em amostras de líquido cefalorraquidiano, plasma, soro ou sangue. Existem alguns métodos para realizar o exame como látex, Elisa e LFA (Lateral flow assay), sendo este o mais sensível. O exame não consegue diferenciar entre as espécies e não pode ser usado como marcador de resposta clínica.

Micoses endêmicas

Aqui escolhemos três micoses endêmicas para comentar rapidamente sobre seus biomarcadores:

  • Histoplasmose: o antígeno de Histoplasma é o biomarcador mais usado para o diagnóstico e é realizado em amostras de urina e sangue. Possui sensibilidade de 90% e especificidade de 91% em pacientes com HIV e doença disseminada, mas os valores caem em pacientes não imunossuprimidos ou com doença localizada. Pode ser usado para avaliar resposta ao tratamento.
  • Paracoccidioidomicose: a sorologia para Paracoccidioides é usada para diagnóstico da doença com especificidade de 95% e sensibilidade de 80%. Estudos pequenos também demonstraram o uso do exame para guiar o tratamento.
  • Esporotricose: doença em crescimento no Brasil. No momento, alguns biomarcadores estão em estudo, mas o diagnóstico ainda é baseado em biópsia e/ou cultura.
Tabela 1
Micoses e biomarcadores fúngicos
Micoses e biomarcadores fúngicos

Veja um resumo dos biomarcadores de infecção fúngica na tabela 1.