Complicações Não Infecciosas do HIV

Criado em: 05 de Setembro de 2022 Autor: Kaue Malpighi

Com o maior acesso à terapia anti-retroviral (TARV) para pessoas com HIV, espera-se um aumento na expectativa de vida e redução de complicações infecciosas. Contudo, complicações não-infecciosas relacionadas à doença também podem ocorrer e precisam de reconhecimento. Em maio de 2022, tivemos um revisão sobre o tema na revista Medicine e falamos um pouco sobre o acometimento cardiovascular, pulmonar e renal aqui [1].

Risco Cardiovascular

Pacientes que convivem com HIV apresentam um risco de desenvolver doenças cardiovasculares duas vezes maior do que a população geral [2]. Este risco é comparável ao de outros fatores de risco tradicionais. A mortalidade por estas causas também vem em ascensão nos últimos 20 anos [3].

Acredita-se que isso ocorra por inflamação crônica e ativação imune associada ao HIV a longo prazo. Também há uma maior prevalência de uso de substâncias como o tabaco e drogas de uso recreacional nesta população, sendo um aspecto importante no controle de risco cardiovascular nestes pacientes.

A prescrição e manutenção da TARV também impactam em desfechos cardiovasculares. Alguns tratamentos mais antigos como abacavir, lopinavir e ritonavir estão associados com o aumento de risco [4]. Abacavir está associado com hiperlipidemia, sendo contraindicado em pacientes de alto risco. Lopinavir e ritonavir estão associados a descontrole glicêmico e pressórico.

A Infectious Diseases Society of America (IDSA) recomenda [5]:

  • Aferição da pressão arterial anualmente.
  • Glicemia e hemoglobina glicada a cada 6 a 12 meses.
  • Colesterol antes e após 1 a 3 meses início de TARV.

Doenças Respiratórias

Pacientes que convivem com HIV apresentam maior risco de câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e hipertensão arterial pulmonar.

A principal causa de hospitalização de pacientes com HIV ainda são as infecções pulmonares. Independente do uso de TARV, os germes mais frequentes são bactérias (S. pneumoniae, Haemophilus, Pseudomonas, Staphylococcus e Klebsiella) e influenza sazonal [6].

Cessar o tabagismo é uma intervenção primordial para reduzir o risco cardiovascular e evitar DPOC nestes pacientes. Pacientes com HIV apresentam chance maior de uso de tabaco e com menores taxas de sucesso durante o processo de cessar seu uso.

HIV também é um fator de risco independente para DPOC, estando associado com exacerbações mais frequentes nos pacientes que já possuem esse diagnóstico [7].

Doença Renal

O HIV está associado com doença renal crônica (DRC) e aguda. A nefropatia associada ao HIV (HIVAN) é a manifestação mais clássica, mas sua incidência vem reduzindo com o uso de TARV. Em contrapartida, há um aumento na prevalência de outros tipos de nefropatias.

Apesar da redução de casos de HIVAN, essa continua sendo a principal causa de DRC em estágio final em pacientes com HIV, principalmente em população afrodescendente [8, 9]. Está mais associada com altas cargas virais e baixos níveis de CD4. A manifestação clínica principal é a proteinúria nefrótica, podendo também ocorrer declínio da função renal e hematúria. O diagnóstico é feito por biópsia renal e a principal característica é a presença da forma colapsante da glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF).

Uma proporção alta dos pacientes com suspeita de HIVAN apresentam outro diagnóstico nos achados da biópsia. Entre os diagnósticos alternativos estão: nefropatia membranosa, glomerulonefrite membranoproliferativa, nefropatia por IgA e glomerulonefrite proliferativa "lupus-like" associada ao HIV (HIVICK) [10].

Outra preocupação é a nefrotoxicidade da TARV. As drogas mais associadas com lesão renal são: tenofovir disoproxil fumarato (TDF) e inibidores da protease (principalmente o atazanavir e o indinavir).

Tabela 1
Ajuste do tenofovir disoproxil fumarato conforme clearance de creatinina (CrCl)
Ajuste do tenofovir disoproxil fumarato conforme clearance de creatinina (CrCl)

O TDF causa toxicidade renal de acometimento predominante tubular, podendo resultar em necrose tubular aguda, diabetes insipidus nefrogênico e síndrome de Fanconi. O risco desses eventos é maior em pacientes com DRC com clearance de creatinina menor que 50 mL/min, devendo-se evitar seu uso nestes casos. Caso não seja possível evitar, ajustar conforme função renal (veja tabela 1). Em pacientes com lesão renal aguda, deve-se considerar a suspensão temporária da droga. O tenofovir existe na forma TDF e na forma de tenofovir alafenamida (TAF). A TAF tem um risco significativamente menor de disfunção renal do que o TDF [11].

O atazanavir e o indinavir têm três acometimentos renais: nefrolitíase, nefrite intersticial aguda e nefropatia por cristais. Destes, o maior comum é a nefrolitíase, que está associada principalmente com doença renal prévia, desidratação e urina alcalina. O darunavir, outro inibidor de protease, não parece estar associado com doença renal.

Investigação e Tratamento de Hiperplasia Prostática Benigna

Criado em: 05 de Setembro de 2022 Autor: Raphael Coelho

A Associação Canadense de Urologia lançou em agosto de 2022 uma nova diretriz de hiperplasia prostática benigna (HPB) e sintomas associados, os chamados LUTS (Lower Urinary Tract Symptoms) [1]. Esse documento traz conceitos e recomendações semelhantes às diretrizes europeia, também de 2022, e dos Estados Unidos, de 2021 [2, 3].

Como investigar HPB?

A diretriz divide os dados em obrigatórios, recomendados, opcionais e não recomendados (veja a tabela 1).

Tabela 1
Investigação de hiperplasia prostática benigna
Investigação de hiperplasia prostática benigna

Exames como urodinâmica, imagem do trato urinário, ultrassonografia prostática e biópsia de próstata não são recomendados inicialmente. Esses exames podem ser indicados se houver:

  • Incerteza diagnóstica
  • Hematúria
  • Anormalidade no toque retal
  • Má resposta terapêutica
  • Planejamento cirúrgico.

Como guiar as decisões de tratamento?

As decisões terapêuticas baseiam-se em três pontos: a gravidade dos sintomas, o grau de incômodo dos sintomas e as preferências do paciente. A meta terapêutica deve ser alinhada com o paciente e as decisões tomadas de maneira compartilhada. Os pacientes devem ser informados sobre os riscos de progressão dos sintomas, retenção urinária aguda e necessidade de cirurgia no futuro.

Tabela 2
IPSS (Escore Internacional de Sintomas Prostáticos)
IPSS (Escore Internacional de Sintomas Prostáticos)

Para graduar os sintomas, utiliza-se o escore internacional de sintomas prostáticos (IPSS) disponível na tabela 2. Os cortes e a conduta sugerida são os seguintes:

  • IPSS < 7 (leve): mudanças de hábito e observação
  • IPSS 8 a 18 (moderado) e 19-35 (grave): considerar tratamento medicamentoso ou cirúrgico.

Quais são as medidas não farmacológicas?

  • Restrição de líquidos antes de dormir
  • Evitar cafeína, álcool e comidas apimentadas
  • Evitar ou suspender diuréticos, descongestionantes, anti-histamínicos e antidepressivos
  • Organizar a micção (determinar intervalos quando o paciente deve urinar)
  • Perda de peso
  • Fisioterapia do assoalho pélvico em alguns casos selecionados
  • Tratamento de constipação

Quais são as medidas farmacológicas?

Bloqueadores Alfa (doxazosina, tansulosina, terazosina) - Primeira escolha para LUTS na HPB. Não há superioridade de uma droga específica dentro dessa classe em relação à efetividade clínica, perfil de segurança e tolerância. Não alteram a progressão natural da HPB, nem o risco de retenção urinária. A dose deve ser titulada com cuidado pelo risco de hipotensão. Tontura é o sintoma adverso mais comum (2-10%). Distúrbios ejaculatórios podem ocorrer com tansulosina.

Inibidores da 5-alfa redutase (finasterida e dutasterida) - Tratamento apropriado e efetivo para pacientes com HPB e LUTS com próstata aumentada (a partir de 30 mL) ou PSA > 1,5 ng/mL. Quanto maior a próstata, maior é o benefício. Além de melhorarem os sintomas, podem alterar a história natural da HPB, causando leve redução da próstata, diminuição do risco de retenção urinária aguda e necessidade de cirurgia. Os principais efeitos adversos são a disfunção erétil, redução do libido, alterações de ejaculação e ginecomastia.

Antimuscarínicos (oxibutinina, tolterodina e solifenacina) e agonista beta-3 (mirabegrona) - A grande vantagem é a ação sobre os sintomas de armazenamento ( urgência, frequência, noctúria). Há preocupação com retenção urinária aguda, devendo-se ter cautela em pacientes com obstrução significativa da via de saída com resíduo pós miccional elevado. A segurança ainda não foi comprovada quando o resíduo é maior que 250 a 300 mL.

Inibidores da fosfodiesterase (tadalafila) - O uso diário de 5 mg é recomendado como monoterapia em LUTS por HPB, principalmente nos pacientes com disfunção erétil. Há melhora dos sintomas de armazenamento e esvaziamento e também da qualidade de vida.

Desmopressina - A recomendação dessa droga se restringe aos pacientes com poliúria noturna. Pode causar hiponatremia por ser um análogo do hormônio antidiurético.

Fitoterápicos - O tratamento fitoterápico não é indicado pela diretriz canadense, considerando a insegurança quanto à formulação, imprevisibilidade farmacocinética e ausência de regulação. A diretriz europeia, por outro lado, sugere o saw palmetto (Serenoa Repens) nos casos de disfunção sexual causada pelos medicamentos tradicionais.

Quais são as indicações de cirurgia?

  • Piora dos sintomas apesar do tratamento medicamentoso
  • Retenção urinária recorrente ou refratária
  • Infecções urinárias de repetição
  • Litíase vesical
  • Hematúria recorrente
  • Lesão renal secundária à HPB
  • Preferência do paciente
  • Divertículo de bexiga (não é indicação absoluta, a não ser que haja ITU de repetição ou disfunção vesical progressiva).

Corticoides na Artrite Reumatoide

Criado em: 05 de Setembro de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

O uso de corticóides em baixas doses nos pacientes com artrite reumatoide (AR) é corriqueiro. O estudo GLORIA, recentemente publicado na revista Annals of the Rheumatic Diseases, avaliou a eficácia e segurança dessa intervenção [1]. Vamos revisar o tema e entender o que essa evidência acrescentou.

Uso agudo de corticóides na AR

Em pacientes com AR em atividade, é comum no início do tratamento a introdução de prednisona para rapidamente reduzir os sintomas da doença. Isso é feito enquanto aguarda-se a ação mais lenta das drogas antirreumáticas modificadoras de atividade de doença (DMARDs, da sigla em inglês), como o metotrexate.

Doses de prednisona de até 15 mg são mais eficazes que anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou placebo no uso a curto prazo [2]. Essa dose pode alterar o humor ou causar hiperglicemia transitória, mas tem baixa chance de causar efeitos mais graves.

Alguns trabalhos sugerem um benefício de alta dose inicial de corticoides. O estudo COBRA encontrou que uma dose inicial de 60 mg/dia de prednisona reduzida paulatinamente para 7,5 mg/dia até a semana 6 e desmamada completamente na semana 12, em conjunto com DMARDs, resultou em redução do dano articular radiográfico [3].

Em situações de piora aguda da AR (flare), os corticóides podem ser aumentados transitoriamente. O UptoDate sugere o seguinte esquema: em pacientes em baixa dose ( < 7,5 mg/dia), a prednisona pode ser aumentada para 15 mg/dia por duas semanas e então retornada para a mesma dose em mais duas semanas; para flare mais grave, a prednisona pode ser aumentada para 0,5 mg/kg/dia e desmamada ao longo de 4 a 6 semanas.

Uso crônico de corticóides na AR

A evidencia no uso crônico não é tão clara como no agudo. Para doses entre 7,5 mg a 10mg/dia de prednisona por até 2 anos, os artigos mostram que há melhor controle de sintomas e menor progressão radiográfica [4-6]. Para a dose de 5 mg, o benefício é menos claro [7-10]. No entanto, mesmo doses tão baixas quanto 1 a 4 mg/dia podem ser efetivas em alguns pacientes [11].

Uma análise do banco de dados de doenças reumáticas dos Estados Unidos publicado em 2007, utilizando dados de mais de 12 mil pacientes, ajuda a elucidar essa questão [12]:

  • Dois terços usam corticóides em algum momento da doença
  • 36% do pacientes estavam usando corticoide no momento da pesquisa
  • Dos que estavam usando corticóides, 25% suspenderam a medicação no ano seguinte. Ainda desse grupo, um terço se manteve usando por mais de 5 anos.

O que essa nova evidência acrescenta?

O estudo GLORIA foi um ensaio clínico europeu com 450 pacientes idosos com AR ativa. Os pacientes eram randomizados para prednisolona 5 mg ou placebo. O desfecho primário foi atividade de doença medida pelo disease activity index (DAS28) e dano articular. Efeitos adversos também foram avaliados. Os pacientes foram seguidos por 2 anos.

A média de idade foi 72 anos e a maioria usava DMARD (63% metotrexate e 14% biológicos). Em 3 meses, o DAS28 melhorou em ambos os grupos, com uma diferença de 0,6 favorecendo prednisolona. Em 2 anos, a diferença entre os grupos reduziu, mas ainda favoreceu o corticoide. Os eventos adversos foram mais comuns no grupo corticóide, com um predomínio de infecções não graves. A densidade mineral óssea vertebral teve uma redução leve com a prednisolona.

A diretriz do American College of Rheumatology (ACR) de 2021 orienta que os corticóides não sejam sistematicamente prescritos para uso curto. O uso dessas medicações deve ser limitado para a menor dose e tempo possível. O painel considera que os eventos adversos superam os potenciais benefícios. Para uso crônico, o documento faz uma recomendação forte contra o uso dos corticóides.

Cuidados

Antes de iniciar terapia crônica com corticóides, deve ser solicitado rastreio de diabetes, perfil lipídico e densitometria óssea. Em toda consulta, deve ser pesquisado ganho de peso, aumento de pressão e sintomas de complicações (sintomas visuais, edema, polidipsia e outros).

Todos os pacientes devem receber 1200 mg de cálcio elementar, juntando dieta e suplementação, e 800 UI de vitamina D.