Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva

Criado em: 12 de Setembro de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

A partir da década de 1960, as artroplastias começaram a ser feitas de maneira mais efetiva e duradoura. Com isso, percebeu-se um grande risco de tromboembolismo venoso (TEV) associado a artroplastias de quadril e joelho. O recente estudo CRISTAL, publicado no Journal of the American Medical Association, jogou luz nessa questão [1]. Aproveitando a publicação, vamos revisar o tema.

Qual o risco?

O risco de tromboembolismo venoso (TEV) após cirurgia ortopédica varia conforme o procedimento e o paciente. Apesar disso, as seguintes situações são intrinsecamente de alto risco:

  • Artroplastia de quadril e joelho
  • Fratura de quadril ou pélvica
  • Múltiplas fraturas

A incidência de TEP já foi tão alta quanto 3%, mas atualmente caiu para menos de 0,2%, o que não pode ser inteiramente atribuído à profilaxia. Melhorias no cuidado perioperatório também são responsáveis por esse avanço.

Estratégias de profilaxia

Como profilaxia farmacológica, três opções são mais utilizadas: enoxaparina, anticoagulantes orais diretos (DOACs) e ácido acetilsalicílico (AAS).

Existem dois períodos de risco de TEV após uma artroplastia eletiva [2, 3]:

  • Período inicial (10 a 14 dias): a maior parte do risco se concentra nessa fase;
  • Período estendido (até 35 dias): ainda existe risco, porém menor.

A enoxaparina foi extensamente estudada nesse contexto e é classicamente o agente de escolha. A evidência é forte para redução de TEV assintomático, porém variável para TEV sintomático e embolia pulmonar.

Estudos comparando enoxaparina e DOAC mostram eficácia similar [4]. Quando testada contra AAS, a enoxaparina parece ter uma discreta tendência à superioridade em alguns estudos, porém com possível maior risco de sangramento [5]. A comparação de enoxaparina com heparina não fracionada e varfarina encontrou que a enoxaparina foi superior a esses agentes. Quando comparada com fondaparinux, enoxaparina parece ser inferior, porém fondaparinux tem um maior risco de sangramento [6].

A medicação deve ser iniciada pelo menos 12 horas depois da cirurgia, mas alguns introduzem apenas após 24 horas. As doses mais estudadas são:

  • Enoxaparina 30mg de 12/12 horas ou 40mg 1x/dia, via subcutânea.
  • Rivaroxabana 10mg VO 1x/dia.
  • Apixabana 2,5mg VO 12/12h.
  • AAS 81 a 160mg VO 1x/dia.

Os anti-inflamatórios não esteroidais podem anular o efeito profilático do AAS, assim o AAS deve ser tomado 2 horas antes desses agentes se ambos forem utilizados em conjunto.

Nos pacientes de alto risco de sangramento, a compressão pneumática intermitente pode ser utilizada.

O que dizem as referências?

Não há consenso entre as principais fontes a respeito do tema.

Recentemente foi publicada no Journal of Bone and Joint Surgery uma diretriz com mais de 600 especialistas sobre esse tema [7]. Essa referência coloca AAS como melhor opção, considerando eficácia, segurança, facilidade de administração e custo efetividade.

Já o UptoDate coloca a enoxaparina ou DOAC como opção preferencial no período inicial, com a opção de utilizar AAS no período estendido.

Um dos maiores estudos que utilizou o AAS foi o EPCAT II [8]. Mais de 3000 pacientes que realizaram artroplastia de quadril ou joelho eletivas foram randomizados, após utilizar 5 dias de rivaroxabana, para AAS ou rivaroxabana por mais 9 (no caso de joelho) ou 30 dias (no caso de quadril). A taxa de TEV e sangramento foi similar entre os grupos. Os pacientes deste estudo tinham baixo risco de TEV e estavam deambulando 24 horas após a cirurgia.

Em geral, recomenda-se a profilaxia por 10 a 14 dias após a cirurgia. Em casos de artroplastia de quadril, pode-se prolongar esse período até o dia 30 a 35 de pós-operatório.

O que essa nova evidência acrescentou?

Incluindo mais de 9000 pacientes, o estudo CRISTAL randomizou centros que realizavam mais de 250 artroplastias por ano. Os pacientes realizaram artroplastia de quadril ou joelho eletivas e logo após a cirurgia utilizavam AAS ou enoxaparina. O desfecho avaliado foi trombose sintomática em até 90 dias, incluindo trombose venosa profunda acima e abaixo do joelho.

Ao final do estudo, o AAS foi inferior à enoxaparina. A inferioridade se deveu principalmente a trombose venosa profunda abaixo do joelho, um evento de significância clínica debatida na literatura.

A mortalidade no estudo foi pequena, independente do método utilizado (0,1% nos dois grupos). Apesar da inferioridade, a incidência de TEV acima do joelho e embolia pulmonar com AAS foi baixa. É possível que essa nova evidência não leve a um consenso, com argumentos razoáveis para uso das duas estratégias.

Comparação entre Diretrizes de Hipertensão

Criado em: 12 de Setembro de 2022 Autor: Raphael Coelho

Este tópico foi atualizado. Acesse "Diretriz de Hipertensão Arterial da ESC 2024 e Como Iniciar Tratamento de Hipertensão" para ver as novidades.

O Journal of the American College of Cardiology (JACC) publicou uma análise das duas principais diretrizes de hipertensão arterial sistêmica (HAS) no mundo: a dos Estados Unidos (AHA/ACC) e da Europa (ESC/ESH) [1]. Neste tópico abordamos as principais divergências e concordâncias entre os dois documentos.

Aferição da pressão arterial

As duas diretrizes têm grande preocupação com erros na aferição, pois levam a problemas de classificação e manejo. Dispositivos de aferição validados devem ser utilizados e o diagnóstico é feito após pelo menos duas aferições. Os europeus recomendam aferições adicionais nos pacientes em que há diferenças maiores do que 10 mmHg entre as primeiras medidas. Aferições fora do consultório para diagnóstico de efeito do jaleco branco e hipertensão mascarada também são recomendadas.

Classificação da hipertensão

Aqui é onde está a grande divergência entre os dois documentos. Influenciados pelo SPRINT TRIAL, a diretriz dos Estados Unidos (EUA) considera hipertensos pacientes com pressão arterial (PA) a partir de 130/80 mmHg [2]. Os europeus mantêm 140/90 mmHg como corte. Essa mudança da AHA representa um aumento da prevalência de HAS de 32% para 46% entre adultos com mais de 20 anos nos EUA.

Tabela 1
Classificação da pressão arterial
Classificação da pressão arterial

Indicação de tratamento medicamentoso

Pela AHA, pacientes com PA maior que 130/80 mmHg, apesar de serem considerados hipertensos, têm indicação de tratamento medicamentoso apenas se forem de alto risco para eventos cardiovasculares. Por isso, apesar da nova classificação aumentar a prevalência de hipertensos em 14%, o aumento dos pacientes que teriam indicação de terapia medicamentosa seria apenas de 2%. O impacto aqui ocorre principalmente para idosos, que a partir de 65 anos, são considerados de alto risco pela diretriz. Isso significaria a indicação de tratamento medicamentoso para todos os idosos nessa faixa de PA, exceto os frágeis.

Segundo os europeus, a partir dos 80 anos, o tratamento só deve ser iniciado se a PA sistólica for maior que 160 mmHg. A ESC/ESH considera iniciar terapia medicamentosa apenas para pacientes de muito alto risco com PA maior que 130/85 mmHg, ou seja, na presença de doença cardiovascular estabelecida, principalmente doença arterial coronariana. Para pacientes com PA maior que 140/90 mmHg, a diretriz europeia sugere que pacientes de risco baixo a moderado podem tentar intervenções de estilo de vida por 3 meses, antes do início do tratamento medicamentoso, enquanto os americanos orientam iniciar medicamentos para todos, independentemente de risco.

Como classificar o risco?

Para AHA/ACC, se o paciente tem doença cardiovascular, ele é de alto risco. Se não, orientam utilizar a a calculadora de risco cardiovascular ACC/AHA. Risco de evento de 10% em 10 anos é o corte utilizado para considerar de alto risco. Diabetes, doença renal crônica e idade maior que 65 anos podem ser considerados marcadores de alto risco cardiovascular.

Para ESC/ESH, todos os seguintes são alto ou muito alto risco: doença renal crônica, diabetes 1 ou 2 e lesão de órgão alvo. Para todos os outros, utilizar calculadora de risco. Vale lembrar que são calculadoras diferentes.

Metas

ACC/AHA: menos que 130/80 mmHg e em idosos PA sistólica menor que 130 mmHg se tolerado. Individualizar metas para idosos frágeis ou com muitas comorbidades.

ESC/ESH: menos que 140/90 mmHg para todos os adultos hipertensos inicialmente. Se bem tolerado, tentar menos que 130/80 mmHg. Pressão diastólica entre 70-79 mmHg é o ideal, mas a ênfase é controlar a pressão sistólica, mesmo se a diastólica ficar abaixo de 70 mmHg. Idosos devem manter a PA sistólica entre 130-139 mmHg e a diastólica entre 70-79 mmHg.

A ESC/ESH coloca o limite inferior de segurança da sistólica em 120 mmHg e diastólica em 70 mmHg.

Como e o que prescrever?

As drogas indicadas de primeira linha são as mesmas nas duas diretrizes: bloqueador de canal de cálcio, IECA/BRA e diurético tiazídico. A AHA/ACC prefere a clortalidona por maior meia vida e melhores evidências. Ambas diretrizes dizem que a maioria dos pacientes vão precisar de mais de uma droga. O início do tratamento com dois medicamentos de uma vez está recomendado para quem está acima do alvo em 20 mmHg na sistólica ou 10 mmHg na diastólica, segundo a AHA/ACC.

E a diretriz brasileira?

A diretriz brasileira de HAS é a mais nova de todas, publicada em 2020. Nos pontos polêmicos, concorda mais com a diretriz europeia do que com a americana, principalmente em relação a definição de HAS que ficou em 140/90 mmHg. Para estratificação de risco, existe a calculadora da sociedade brasileira de cardiologia. O paciente chamado de pré-hipertenso, com PA entre 130/85 mmHg e 140/90 mmHg, pode receber tratamento medicamentoso se tiver alto risco cardiovascular, recomendação semelhante à diretriz europeia.

Profilaxia de Endocardite Infecciosa

Criado em: 12 de Setembro de 2022 Autor: Frederico Amorim Marcelino

A profilaxia de endocardite infecciosa após procedimentos dentários é uma prática recomendada pelas principais sociedades de cardiologia - European Society of Cardiology (ESC) de 2015 e American Heart Association (AHA) de 2020 [1, 2]. Essas recomendações são controversas, pois não existem evidências robustas da associação de endocardite com procedimentos dentários e da eficácia da profilaxia antimicrobiana. Um estudo publicado em agosto de 2022 no Journal of the American College of Cardiology (JACC) abordou esses dois pontos [3]. Vamos ver o que a nova evidência acrescenta e revisar o tema.

Por que isso é um problema?

A suspeita de relação causal entre procedimentos dentários e endocardite infecciosa (EI) é antiga, com recomendação de profilaxia pela AHA já em 1955. Aproximadamente 20% das endocardites infecciosas são causadas por Streptococcus associados à cavidade oral e estudos encontraram correlação entre procedimentos dentários em pacientes com doença periodontal e bacteremia transitória [4-6]. Contudo, outras atividades como escovar os dentes e mascar chiclete também se associam com bacteremia, trazendo dúvida sobre a relevância dessa associação [7].

Qual é a recomendação atual das principais diretrizes?

Atualmente as diretrizes da ESC de EI de 2015 e da AHA de doença valvar de 2020 recomendam realizar profilaxia de EI em pacientes de alto risco após procedimentos dentários invasivos (PDI) . Segundo as recomendações da ESC, pacientes de alto risco são:

  • História anterior de EI
  • Presença de válvula cardíaca protética (incluindo válvula transcateter)
  • Material protético usado para reparo valvar (incluindo anéis, clipes e cordas para anuloplastia)
  • Cardiopatia congênita cianótica não corrigida
  • Cardiopatia congênita em que foram utilizados shunts ou condutos paliativos
  • Defeito cardíaco congênito completamente reparado com material ou dispositivo protético, seja colocados por cirurgia ou por transcateter apenas durante os primeiros 6 meses após o procedimento.
Tabela 1
Recomendações de profilaxia de endocardite
Recomendações de profilaxia de endocardite

PDI são procedimentos que envolvem manipulação da gengiva ou região periapical ou perfuração de mucosa oral. A profilaxia é feita com amoxicilina 2 gramas por via oral em dose única, 30 a 60 minutos antes do procedimento, podendo ser substituída por clindamicina 600mg. Não é recomendada a profilaxia após outros procedimentos invasivos não dentários como endoscopia, colonoscopia, cistoscopia, entre outros. Apesar dessas recomendações, outras organizações, como a inglesa National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), não recomendam realizar profilaxia para EI [8]. Já a diretriz brasileira de avaliação cardiovascular perioperatória de 2017 da Sociedade Brasileira de Cardiologia orienta realização de profilaxia, diferente das diretrizes europeia e americana, antes de procedimentos urinários, gastrointestinais e após drenagem de abscessos [9].

O que o estudo acrescentou?

O trabalho foi uma coorte com uma população de 7.951.972 pacientes, desenhado para avaliar a relação entre PDI com EI e o efeito da profilaxia antimicrobiana. Os pacientes foram divididos em alto risco (mesmo critério citado acima), risco moderado - doença reumática valvar, doença valvar não reumática incluindo prolapso de valva mitral, anomalias valvares congênitas incluindo estenose aórtica e cardiomiopatia hipertrófica - e baixo risco. Os procedimentos dentários considerados invasivos foram extração dentária, procedimentos cirúrgicos orais, raspagem periodontal e tratamentos endodônticos.

Em pacientes de alto risco, foi identificada associação temporal entre EI e PDI realizados 4 semanas antes, sendo a associação mais forte com extração dentária e procedimentos cirúrgicos orais. A profilaxia antimicrobiana foi associada à redução da incidência de EI após PDI. Assim, o estudo traz solidez para uma recomendação que, apesar de antiga, não possuía embasamento científico forte, com discordância de recomendações entre algumas diretrizes.