Acetazolamida para Insuficiência Cardíaca Descompensada

Criado em: 03 de Outubro de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Um destaque do congresso de 2022 da European Society of Cardiology (ESC), o estudo ADVOR avaliou o uso de acetazolamida na descompensação de insuficiência cardíaca (IC) e seus desfechos clínicos [1]. Em um cenário comum, porém com menos estudos do que gostaríamos, o ADVOR chega para ser um dos maiores trabalhos de diureticoterapia na IC. Vamos aprofundar nesse estudo e na sua pergunta clínica.

Sobre acetazolamida

Acetazolamida é um diurético inibidor da anidrase carbônica. A droga reduz a reabsorção tubular proximal de sódio, agindo em um local do néfron que não é atingido pelos diuréticos de alça, tiazídicos ou poupadores de potássio (veja a figura 1).

Figura 1
Mecanismo de ação dos diuréticos
Mecanismo de ação dos diuréticos

Além de diurético, também é indicado no tratamento do glaucoma, hipertensão intracraniana idiopática e na prevenção e tratamento do mal de atitude. Seus principais efeitos adversos são acidose metabólica, parestesias, disgeusia, poliúria e fadiga.

Como diurético, a acetazolamida é indicada principalmente em pacientes que permanecem congestos após uso de diuréticos e que desenvolveram alcalose metabólica provocada pela furosemida ou tiazídico. A acetazolamida consegue melhorar a diurese e a alcalose metabólica ao mesmo tempo.

Por mais que a terapia diurética inicial do paciente com insuficiência cardíaca (IC) descompensada seja com diuréticos de alça, o número de pacientes que permanecem hipervolêmicos após 72h de terapia é alto: o trabalho ADHERE constatou que dos pacientes que recebem alta após uma descompensação de IC, 20% vão acima do seu peso basal [2].

Sobre o estudo ADVOR

O estudo ADVOR é um ensaio clínico belga, multicêntrico e sem envolvimento da indústria farmacêutica. Os pesquisadores randomizaram pacientes internados por descompensação da IC com pelo menos um sinal de sobrecarga de volume (edema, derrame pleural ou ascite) e também um NT-proBNP acima de 1000pg/ml ou BNP acima de 250pg/ml. Todos os pacientes eram usuários crônicos de diuréticos, necessitando de uma dose maior igual a 40mg de furosemida (ou equivalente) por pelo menos um mês antes da internação.

Eram excluídos aqueles que já utilizavam acetazolamida ou uma gliflozina, quem apresentava pressão arterial sistólica abaixo de 90mmHg ou taxa de filtração glomerular (TFG) abaixo de 20 ml/min. Após a admissão, os pacientes não podiam ter recebido uma dose acima de 80 mg de furosemida antes da randomização.

Os diuréticos por via oral eram interrompidos e os pacientes recebiam 500mg de acetazolamida intravenosa (IV) uma vez ao dia ou placebo. Além disso, era administrada por via intravenosa o dobro da dose de diurético de alça que utilizavam em casa. Essa dose dobrada era dada em bolus no dia da randomização, e dividida em duas doses nos dias seguintes (veja a tabela 1).

Tabela 1
Protocolo de diureticoterapia do estudo ADVOR
Protocolo de diureticoterapia do estudo ADVOR

Caso o paciente apresentasse uma diurese menor que 3,5 litros após um período de 30 a 48 horas e ainda mantivesse sinais de congestão, a terapia de descongestão era escalonada. O escalonamento era feito por uma das três opções a seguir a seguir:

  1. Dobrando a dose de diurético IV;
  2. Acréscimo de clortalidona 50mg ao dia;
  3. Diálise.

O desfecho primário foi ausência de sinais de congestão após 3 dias de tratamento, sem a necessidade de escalonamento da terapia. A congestão era avaliada por um escore que envolvia edema de membros inferiores, ascite e derrame pleural.

E o que o trabalhou achou?

Incluindo 519 pacientes, o estudo encontrou o desfecho de ausência de congestão em 42% dos pacientes do grupo acetazolamida e 30% do grupo placebo. Analisando subgrupos, o mesmo achado foi encontrado independente do valor da fração de ejeção, do NT-proBNP. O achado é atenuado em pacientes que utilizavam em casa uma dose de furosemida de 60mg ou mais.

Apesar da maior quantidade de diurese no grupo intervenção, uma das explicações para os resultados do estudo é a maior natriurese provocada pela acetazolamida. A ideia é que a furosemida provoca mais eliminação de água do que sódio, o que pode retardar a resposta nos dias subsequentes. A acetazolamida atuando em conjunto pode impedir esse efeito de retenção relativa de sódio.

Nos desfechos secundários, não houve diferença em mortalidade, reinternação hospitalar e na média de dias de hospitalização, que foi de 8,8 dias no grupo acetazolamida e 9,9 dias no grupo placebo. Nos desfechos de segurança, não houve surgimento de acidose metabólica no grupo acetazolamida e não teve diferença de surgimento de hipocalemia, disfunção renal e hipotensão entre os grupos.

Problemas do estudo

O primeiro questionamento é sobre a população, considerando que 99% dos pacientes estudados eram brancos.

O segundo problema é a exclusão de quem utilizava gliflozinas. No momento da criação do protocolo do estudo, as gliflozinas não possuíam seu grau de recomendação na IC como possuem hoje, o que limita hoje o grupo estudado. A exclusão foi devido a sua ação no mesmo local no túbulo proximal, o que poderia confundir o resultado final. Apesar de agirem na mesma região do néfron, as gliflozinas e a acetazolamida fazem isso por vias diferentes e não possuem o mesmo desempenho, já que a SGLT2 é responsável por reabsorver 5% do sódio enquanto o mecanismo inibido pela acetazolamida é responsável por 60%.

O terceiro apontamento é a dose de furosemida, que foi utilizada no máximo duas vezes ao dia. Diretrizes recentes, como a do ESC, recomendam a reavaliação a cada 6 horas, para possível nova dose de diurético.

O ADVOR não se aplica à primeira descompensação de IC ou aqueles que não utilizavam furosemida em casa tendo em vista seus fatores de inclusão. Pacientes com TFG abaixo de 20 ml/min possuem maior risco de acidose metabólica, efeito adverso que pode ser exacerbado pela acetazolamida. Logo, pacientes que na entrada apresentam disfunção renal importante ou acidose metabólica não são a população alvo deste trabalho.

Hipotermia Após Parada Cardiorrespiratória

Criado em: 03 de Outubro de 2022 Autor: Kaue Malpighi

A hipotermia terapêutica é recomendada há décadas em pacientes pós parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar com o objetivo de melhorar o desfecho neurológico e a mortalidade. Evidências mais recentes levantaram dúvidas em relação ao benefício. Em junho de 2022, foi lançada uma meta-análise de dois estudos de hipotermia terapêutica no New England Journal of Medicine Evidence e vamos aproveitar para revisar o assunto [1].

Definições

Hipotermia terapêutica: temperaturas alvo entre 33 e 36 ºC.

Normotermia: temperaturas alvo entre 36 e 37,5 ºC.

Terapia térmica direcionada (TTD) - processo utilizado para atingir metas de temperatura, correspondendo à 3 fases:

  • Início - deve ser implementada o quanto antes após o retorno à circulação espontânea, com uma meta térmica estabelecida.
  • Manutenção - em geral um mínimo de 24 horas.
  • Reaquecimento - processo gradual de elevação da temperatura, de 0.25 a 0.5 ºC por hora até a normotermia.

Independente das metas, o controle de temperatura após uma parada cardiorrespiratória (PCR) envolve a prevenção de febre pró-ativa (≥37.5°C de temperatura central), mesmo durante a fase de reaquecimento e mantido por ao menos 48 horas após a TTD.

Quais são as evidências?

Em 2002, dois ensaios clínicos randomizados trouxeram otimismo para a hipotermia terapêutica em pacientes comatosos após uma PCR. Ambos incluíram apenas pacientes com ritmos chocáveis. Os estudos mostraram benefício de funcionalidade neurológica e o trabalho HACA mostrou benefício de mortalidade [2, 3]. Porém, o risco de viés dos estudos foi alto e o grupo controle em ambos apresentou altas taxas de febre, o que pode ter resultado em pior prognóstico [4, 5]. Mesmo assim, com estas evidências, hipotermia terapêutica tornou-se o padrão.

Figura 1
Estudos sobre hipotermia terapêutica em pacientes pós-parada cardíaca
Estudos sobre hipotermia terapêutica em pacientes pós-parada cardíaca

Em 2013, o estudo TTM1, comparou terapia térmica direcionada de 33 ºC contra 36ºC (ambas ainda podendo ser consideradas hipotermia) [6]. Este foi um estudo maior, com 939 pacientes e multicêntrico. Não houve diferença de desfecho em termos de mortalidade e prognóstico neurológico em 180 dias.

Em 2019, o estudo Hyperion avaliou pacientes pós PCR em contexto extra e intra-hospitalar com ritmos não chocáveis [7]. Apesar de ter mostrado benefício de mortalidade, este benefício foi discreto e o grupo controle apresentou altas taxas de febre.

Em 2021, o estudo TTM2 foi publicado, ainda maior que os anteriores e com uma proposta de avaliar hipotermia a 33 ºC contra normotermia [8]. O grupo de normotermia tinha como meta temperatura de 37,5 ºC ou menos, mas só eram colocados em controle térmico se temperatura ≥37.8°C.

Nos estudos prévios, a decisão de retirar suporte de vida avançado em pacientes com prognóstico ruim poderia ser mais tardia nos pacientes com hipotermia, o que pode gerar um viés na análise de mortalidade. Assim, o TTM2 estabeleceu que a avaliação de prognóstico neurológico seria realizada apenas após 96 horas do início do protocolo e feita por clínico cegados. Neste estudo, hipotermia não teve efeito em mortalidade ou desfechos neurológicos.

No TTM2, uma avaliação mais robusta de eventos adversos evidenciou aumento de risco de instabilidade hemodinâmica por arritmias e aumento do tempo de ventilação mecânica no grupo hipotermia.

Os estudos TTM1 e TTM2 avaliaram pacientes pós PCR independente se o ritmo de parada era chocável ou não.

O que a meta-análise mostrou?

O estudo que motivou este tópico saiu no NEJM Evidence em junho de 2022 e foi uma meta-análise de dois estudos, o TTM1 e TTM2, combinando um total de 2800 pacientes. Uma análise de subgrupos (incluindo análise de ritmos chocáveis ou não, idade e presença de instabilidade hemodinâmica) foi feita para avaliar se algum se beneficiaria da hipotermia terapêutica. Em 6 meses, não houve diferença de mortalidade ou desfechos neurológicos funcionais, o que persistiu em todas análises de subgrupo.

O que as diretrizes atuais orientam?

A diretriz da European Resuscitation Council e European Society of Intensive Medicine de 2022 emite as seguintes recomendações [9]:

  • Manter condutas de prevenção de febre ativamente em pacientes comatosos em pós PCR - recomendação fraca, com baixo nível de evidência.
  • Não há evidências suficientes para recomendar temperaturas entre 32 a 36 ºC - posicionamento de boa prática.
  • Recomenda-se contra aquecimento ativo de pacientes que apresentam-se espontaneamente com hipotermia leve - posicionamento de boa prática.
  • Recomenda-se contra a infusão de soluções geladas em pacientes em pós parada cardíaca no ambiente extra-hospitalar - recomendação forte, com moderada qualidade de evidência.

Dexmedetomidina para Sedação e Agitação

Criado em: 03 de Outubro de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

A dexmedetomidina, mais conhecida pelo nome comercial precedex®, é um sedativo cada vez mais encontrado nas unidades de terapia intensiva (UTI). Uma revisão recente publicada na revista Intensive Care Medicine avaliou se a dexmedetomidina é capaz de reduzir delirium na UTI quando comparado a outros sedativos [1]. Vamos ver o que essa revisão acrescentou e rever o uso da dexmedetomidina.

Características da dexmedetomidina

A dexmedetomidina é um alfa 2 agonista de ação central. A medicação tem propriedades ansiolíticas e sedativas, com algum efeito analgésico. Outras medicações utilizadas para sedação em UTI, como os benzodiazepínicos e o propofol, atuam no receptor do ácido gama-aminobutírico. Em tese, a ação extremamente seletiva da dexmedetomidina possibilitaria uma maior facilidade de despertar, ausência de depressão respiratória e melhor qualidade de sono.

Apesar de os dados serem heterogêneos, algumas evidências apontam que a dexmedetomidina pode reduzir o tempo de ventilação mecânica e a incidência de delirium na UTI [2]. Análises de custo efetividade sugerem que utilizar a medicação pode reduzir custos, especialmente por conta do tempo reduzido de ventilação mecânica [3].

Administração

A dexmedetomidina está disponível em ampolas com 2ml na concentração de 100 mcg/ml, devendo ser administrada em bomba de infusão. Uma diluição comum é utilizar 2 ampolas (4 ml) em 96 ml de NaCl 0,9%, ficando com uma solução de 4 mcg/ml. A dose de manutenção é de 0,2 a 1,5 mcg/kg/h. O fabricante recomenda uma dose em bolus inicial de 1 mcg/kg em 10 minutos, mas que comumente não é feita na prática. Imaginando um paciente de 70kg utilizando a diluição sugerida, isso corresponde de 3,5 ml/hora até 26,2 ml/hora.

O início de ação da dexmedetomidina é relativamente lento quando comparado com outros sedativos. Após uma dose de bolus, os efeitos só são observados depois de aproximadamente 10 minutos. Assim, recomenda-se uma titulação lenta da velocidade de infusão da droga, a cada 30 minutos. Incrementos mais rápidos podem resultar em hipotensão.

Não existe recomendação específica para pacientes idosos ou com comprometimento renal ou hepático. É prudente começar com doses baixas e titular lentamente nessa população.

Uma opção no desmame de dexmedetomidina é fazer a transição para clonidina [4]. Os pacientes precisam estar com o trato gastrointestinal funcionante e a dose de clonidina variou de 0,2 a 0,5mg a cada 6 horas. Essa transição tem o potencial de redução de custos, considerando a diferença de preço entre as duas medicações.

Efeitos adversos

Os eventos adversos relatados incluem hipotensão, hipertensão, náuseas e bradicardia. A droga pode causar tanto hipotensão ou hipertensão, dependendo se o que predomina é a ação vasodilatadora alfa 2 central ou vasoconstritora pelo alfa 2 periférico. Existe risco de abstinência, assim a droga não deve ser suspensa abruptamente. Bradicardia e hipotensão podem ocorrer caso a dose em bolus seja feita.

Por conta dos riscos hemodinâmicos, todo paciente recebendo dexmedetomidina precisa estar com monitorização contínua.

O que essa nova evidência acrescenta?

Esse artigo foi uma revisão sistemática e metanálise incluindo 77 trabalhos avaliando se dexmedetomidina reduz delirium comparado com outros sedativos. Os dados de 11.997 pacientes foram analisados. Os pesquisadores encontraram que a droga parece reduzir delirium comparado com outros sedativos (RR 0,67, IC 95% 0,55 - 0,81), as custas de aumento do risco de bradicardia e hipotensão.

Essa achado está alinhado com uma recente diretriz prática publicada na Intensive Care Medicine que sugere o seguinte: “Em pacientes adultos de UTI em ventilação mecânica, sugerimos o uso de dexmedetomidina em vez de outros agentes sedativos, se os efeitos desejáveis, incluindo a redução do delirium, forem vantajosos em relação aos efeitos indesejáveis, incluindo o aumento da hipotensão e bradicardia” [5].