Reposição de Vitamina D

Criado em: 10 de Outubro de 2022 Autor: Raphael Coelho

Em julho de 2022, um grande ensaio clínico randomizado sobre vitamina D e desfechos ósseos foi publicado no New England Journal of Medicine [1]. Vamos discutir sobre esse assunto que é alvo de uma das maiores polêmicas endocrinológicas da atualidade!

O que é a vitamina D?

A vitamina D é uma vitamina lipossolúvel que age estimulando a absorção de cálcio no intestino, a reabsorção óssea e inibindo a excreção renal de cálcio e fosfato. Poucos alimentos contêm vitamina D naturalmente (ex.: salmão, sardinha, cogumelos) e alguns produtos, como o leite, são fortificados com a vitamina.

A principal fonte da substância é a síntese na pele. Em seguida, a vitamina é metabolizada no fígado em 25-hidroxi-vitamina D (25-OH) e convertida no rim para 1,25 dihidroxivitamina D, a forma ativa. Fosfato baixo e hormônio paratireoidiano (PTH) alto aumentam a conversão na forma ativa.

A recomendação dietética é baseada nos potenciais benefícios na saúde óssea. Não existe consenso sobre a meta a ser atingida. De acordo com o Institute of Medicine, 600 a 800 unidades internacionais (UI) por dia seriam suficientes para a maior parte da população [2]. Essa meta seria equivalente a níveis séricos maiores que 20 ng/mL de 25-OH Vitamina D. Para idosos, a International Osteoporosis Foundation e a Sociedade Americana de Endocrinologia sugerem níveis de, no mínimo, 30 ng/mL [3, 4]. O limite superior de segurança seria de até 4000 UI por dia.

O que já foi estudado sobre seus efeitos?

O VITAL, um grande ensaio clínico randomizado do Brigham and Women's Hospital, foi desenhado para avaliar os efeitos da suplementação de vitamina D e Ômega 3 sobre câncer e doenças cardiovasculares. Publicado em 2019, não houve diminuição dessas doenças com a suplementação da vitamina D [5].

De lá pra cá, muitos estudos auxiliares utilizaram a população do VITAL para avaliação de outros desfechos. Um resultado positivo foi a redução da incidência de artrite reumatoide e polimialgia reumática [5]. Por outro lado, os seguintes desfechos não foram melhorados com a suplementação da vitamina:

  • Fibrilação atrial [7],
  • Frequência de crises de migrânea [8],
  • Degeneração macular [9],
  • Quedas [10],
  • Fragilidade [11],
  • Dor nos joelhos [12],
  • Peso e composição corporal [13].

Vitamina D e fraturas

Até hoje, os principais ensaios que testaram drogas para osteoporose, como os bisfosfonatos, utilizaram cálcio e vitamina D tanto no grupo placebo, quanto no intervenção. Há dúvida se de fato a vitamina D tem papel na redução da incidência de fraturas e na melhora da densidade mineral óssea. Alguns estudos observacionais, indicaram haver relação entre baixos níveis de vitamina D e menor densidade mineral óssea [14, 15]. Apesar disso, é sabido que doses altas (500.000 UI, uma vez por ano) aumentam, paradoxalmente, o risco de fraturas [16].

Esse trabalho publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) agora em julho foi um estudo auxiliar do ensaio VITAL. O objetivo foi avaliar os efeitos da suplementação de vitamina D na incidência de fraturas em homens e mulheres com mais de 50 anos. A dose utilizada foi de 2000 UI de vitamina D por dia. Os desfechos primários foram as incidências totais de fraturas, fraturas não vertebrais e fraturas de quadril. Mais de 25 mil pacientes foram acompanhados em média por 5 anos, em uma análise por intenção de tratar.

Em comparação com o placebo, a suplementação de vitamina D não teve efeito na incidência de fraturas. Esse resultado se manteve independentemente de idade, sexo, raça, índice de massa corpórea (IMC) e mesmo após ajuste para diversas faixas de níveis séricos de vitamina D.

Como esse trabalho modifica nossa prática?

Os estudos provenientes do VITAL mostraram que a suplementação de vitamina D não tem benefícios importantes na saúde da população geral de adultos com mais de 50 anos, mesmo em pacientes com níveis iniciais muito baixos. O editorial do NEJM é taxativo ao afirmar que os termos insuficiência e deficiência de vitamina D devem ser reconsiderados e que não há justificativa tanto para mensuração de 25-OH vitamina D e rastreio, na população geral, quanto para suplementação objetivando atingir um alvo sérico. Já que os pacientes não foram selecionados com base nos níveis de vitamina D, osteoporose ou baixa densidade mineral óssea, esses resultados não podem ser generalizados para pacientes adultos com osteoporose. Apesar disso, esse estudo não encontrou benefícios na incidência de fraturas mesmo nos grupos de alto risco, como os que tratavam osteoporose ou os que já haviam tido fraturas de fragilidade. Esses resultados são exploratórios e podem servir como base para novos estudos que avaliem essas populações especificamente. Também não é possível afirmar se a coadministração de cálcio poderia levar a melhores resultados do que os encontrados. Novos estudos a partir do VITAL estão tentando identificar se há alguma população em especial que se beneficiaria da suplementação.

Fluidos na Pancreatite Aguda

Criado em: 10 de Outubro de 2022 Autor: Joanne Alves Moreira

Recentemente o New England Journal of Medicine publicou o Waterfall, um estudo sobre ressuscitação volêmica na pancreatite aguda [1]. Um tema muito discutido e com poucas evidências. Vamos ver o que essa nova evidência acrescentou e revisar o tópico.

Ressuscitação volêmica na pancreatite aguda

Pancreatite aguda (PA) grave é caracterizada por disfunção orgânica persistente e PA moderadamente grave por disfunção orgânica que reverte em até 48 horas. Essas formas da doença ocorrem em aproximadamente 35% dos pacientes. Estudos retrospectivos encontraram que nos estágios iniciais (dentro das primeiras 12 a 24 horas), a reposição de fluidos se associou a redução na morbidade e mortalidade.

A diretriz norte americana defende que a taxa ótima de infusão para reposição inicial de fluidos é de 5 a 10ml/kg/hora até atingir as metas de ressuscitação [2]. As metas preconizadas são as descritas abaixo:

  • Frequência cardíaca < 120/min
  • Pressão arterial média entre 65-85 mmHg
  • Débito urinário > 0,5-1 ml/kg/h
  • Hematócrito 35-44%

Considerando que comorbidades como insuficiência cardíaca precisam de individualização no manejo de fluidos, a taxa de infusão sugerida nestas diretrizes deve ser interpretada com cautela e adaptada à condição do paciente.

Ensaios randomizados e controlados comparando diferentes volumes de fluido intravenoso foram limitados pelo tamanho reduzido e por critérios de inclusão muito específicos, proporcionando resultados conflitantes.

O que o trabalho acrescenta?

O Waterfall foi um estudo multicêntrico, randomizado, controlado e aberto comparando a estratégia de ressuscitação volêmica agressiva e moderada na PA. A solução utilizada foi o ringer lactato.

Na modalidade agressiva, a ressuscitação consistia em um bolus de 20 ml/kg nas primeiras 2 horas seguido de 3 ml/kg/hora. No grupo moderado, fazia-se um bolus de 10 ml/kg nas primeiras 2 horas apenas em pacientes hipovolêmicos, seguidos de 1,5 ml/Kg/hora. Nos pacientes euvolêmicos não era realizado o bolus inicial, somente 1,5 ml/Kg/hora. Os pacientes eram avaliados em 3, 12, 24, 48 e 72 horas com ajustes necessários de fluidos.

O diagnóstico de PA era definido pelo critério de Atlanta revisado (veja tabela 1) [3]. O trabalho incluiu pacientes admitidos na emergência com até 24 horas do início da dor e diagnóstico em até 8 horas antes do recrutamento. Pacientes que na admissão já apresentavam critérios para PA moderadamente grave e grave foram excluídos.

Tabela 1
Critério de Atlanta revisado
Critério de Atlanta revisado

O desfecho primário era desenvolvimento de pancreatite aguda moderadamente grave e grave durante a hospitalização. O principal desfecho de segurança foi a sobrecarga hídrica. A amostra planejada para o trabalho eram 744 indivíduos com uma primeira análise interina após o recrutamento de 248 pacientes.

Pacientes do grupo de ressuscitação agressiva receberam uma mediana de 7,8 litros de Ringer lactato durante as primeiras 48 horas em comparação com os 5,5 litros no grupo de ressuscitação moderada.

O estudo foi interrompido na primeira análise interina devido às diferenças entre os grupos nos resultados de segurança sem um diferença na incidência de pancreatite moderadamente grave ou grave (22,1% no grupo de ressuscitação agressiva e 17,3% no grupo de ressuscitação moderada; risco relativo ajustado 1.30; IC 95% 0,78 a 2,18; p = 0,32). A sobrecarga hídrica ocorreu em 20,5% dos pacientes com ressuscitação agressiva comparado com 6,3% dos pacientes com ressuscitação moderada (risco relativo ajustado 2.85; IC 95% 1,36 a 5,94; p = 0.004). A duração média de hospitalização foi de 6 dias no grupo agressivo e 5 dias no grupo moderado.

Estes achados não suportam o atual manejo definido nas diretrizes, que recomendam o uso precoce de ressuscitação para o tratamento de pancreatite aguda. No entanto, o fato do trabalho ser encerrado na primeira análise interina confere um baixo poder para avaliar a eficácia desse desfecho em definitivo. Além disso, acredita-se que a exclusão de pacientes com alto risco para sobrecarga volêmica selecionou pacientes com doença leve.

Sulfato de Magnésio para Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

Criado em: 10 de Outubro de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

O sulfato de magnésio tem ação broncodilatadora, sendo útil no tratamento de exacerbações de asma. Não existe recomendação para uso em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Uma nova revisão sistemática e meta-análise publicada pela Cochrane avaliou o uso do magnésio na DPOC exacerbada [1]. Vamos ver o que esse trabalho encontrou e revisar no assunto.

Uso do sulfato de magnésio

O sulfato de magnésio (MgSO4) é uma substância com aplicações variadas. Entre as indicações clínicas, estão:

  • Crise de asma grave
  • Eclâmpsia/pré-eclâmpsia
  • Torsades de pointes

Nesses cenários, em geral se faz infusões mais rápidas. Quando é utilizado para reposição de magnésio, o ideal é repor mais lentamente, pela chance de eliminação renal de magnésio.

O perfil de segurança é muito bom. Deve-se ter cuidado quando utilizar em pacientes com disfunção renal, pelo risco de acúmulo de magnésio e intoxicação. A hipermagnesemia pode ocasionar inicialmente hiporreflexia e paresia, evoluindo com bradicardia, hipotensão e parada cardiopulmonar.

Estão disponíveis ampolas de 10%, com 1 g em 10 ml, e 50%, com 5g em 10ml. Deve-se ter cuidado na hora de prescrever, para não realizar a infusão inadvertida de ampolas de 50%.

Evidência na asma

A teoria mais aceita sobre o efeito broncodilatador do magnésio é a inibição do influxo de cálcio no músculo liso da via aérea [2].

Uma das melhores evidências do uso de sulfato de magnésio na asma vem de uma revisão da Cochrane de 2014 [3]. Quatorze trabalhos foram avaliados, a maioria ensaios clínicos randomizados, totalizando 2313 pacientes. As doses estudadas variaram de 1,2 a 2g de sulfato de magnésio com infusão em 15 a 30 minutos. A maior parte dos pacientes nos estudos já tinha recebido oxigênio, beta agonistas e corticóides.

Os pesquisadores encontraram que o MgSO4 reduziu a taxa de internação hospitalar (odds ratio 0,75 intervalo de confiança 0,60 - 0,92; evidência de alta qualidade). Isso resultaria que, para cada 100 pacientes tratados com magnésio, teríamos 7 internações a menos. Os efeitos adversos mais citados foram flush, fadiga, náuseas, cefaleia e hipotensão.

Global Initiative for Asthma (GINA) de 2022 orienta que o MgSO4 não deve ser utilizado de rotina [4]. O documento coloca que o magnésio pode evitar admissões hospitalares em pacientes com VEF1 menor que 25 a 30% do predito ou que não responderam à terapia inicial.

O que a revisão acrescentou na DPOC?

Apesar do papel bem definido na asma, o uso do magnésio na DPOC exacerbada nunca foi muito claro. Essa revisão buscou elucidar a questão.

Comparando MgSO4 intravenoso versus placebo, os pesquisadores encontraram que a intervenção parece ser capaz de reduzir a necessidade de internação hospitalar (odds ratio 0,45; intervalo de confiança 0,23 - 0,88). O número de pacientes necessário para tratar e conseguir um desfecho positivo adicional é de 7, apesar da imprecisão desse dado. Parece não haver impacto significativo na necessidade de ventilação mecânica não invasiva. Internação em UTI e mortalidade não foram reportados. Sulfato de magnésio inalatório também foi testado, sem evidência de benefício.

Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) de 2022 não menciona o uso de sulfato de magnésio [5].